O que é preciso fazer para acabar com o racismo dentro de campo?

Insultos racistas de jogadoras do River Plate contra gandula e atletas do Grêmio na Ladies Cup, em São Paulo, renovam triste pergunta, ainda sem solução no futebol

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Foto do author Gonçalo Junior

Os insultos racistas de jogadoras do River Plate contra um gandula e as adversárias do Grêmio no estádio do Canindé, em São Paulo, no dia 21, renovam uma triste pergunta, ainda sem solução no futebol: o que fazer para acabar com o racismo dentro de campo?

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Entre as medidas sugeridas por entidades e especialistas ouvidos pelo Estadão estão punições mais rígidas tanto na esfera esportiva quanto na penal.

Na primeira, a perda de pontos e mando de jogos para os clubes, suspensão e interdição dos estádios funcionariam como exemplos, com impactos diretos na carreira dos atletas e na vida dos torcedores.

Na esfera penal, multas altas e prisão dos infratores podem diminuir os casos de discriminação. O racismo é crime previsto na legislação de diversos países, como violação de direitos humanos fundamentais. A lei penal pode mostrar que o racismo no esporte não é diferente do racismo em qualquer outro ambiente.

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Quatro jogadoras do River Plate foram presas após episódio de injúria racial no Brasil Ladies Cup. Foto: Reprodução/Sportv

O ideal, ainda segundo os especialistas, é a aplicação complementar das duas esferas, já que têm objetivos e alcances diferentes. Isso pode ajudar a criar um ambiente mais seguro e respeitoso no esporte.

Para prevenir novos casos, os estudiosos indicam programas de educação desde as categorias de base e políticas afirmativas envolvendo clubes, federações e patrocinadores.

O tema é urgente. Relatório anual da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Observatório da Discriminação Racial sobre o tema aponta que o número de incidentes racistas no futebol brasileiro subiu 38,77% na comparação com o ano anterior. Em 2023, foram registrados 136 casos, ante 98 em 2022.

Nesse contexto, as primeiras providências adotadas após o episódio da semana passada representam avanços, na opinião do professor Marcel Tonini, pesquisador do Centro de Referência do Futebol Brasileiro do Museu do Futebol.

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“Tivemos punições esportivas e judiciais. Mas precisamos avançar mais”, diz o professor. “É fácil punir esportivamente em uma competição que ‘pouco’ vale ou repercute. Será que isso aconteceria com o River Plate masculino na Libertadores? Duvido”, afirma.

Quatro atletas do time argentino foram presas após insultos racistas contra jogadoras do Grêmio e o gandula da partida no Canindé pelo torneio Brasil Ladies Cup. Na sexta-feira, 27, a Justiça de São Paulo concedeu a liberdade provisória às atletas, que devem permanecer no Brasil e comparecer mensalmente em juízo.

A defesa das quatro atletas afirmou que “este não é o momento do exame do mérito das acusações, porém, igualmente a prisão antes decretada não poderia subsistir, ante a ausência de razões a sustentá-la”.

Esportivamente, o comitê organizador do Brasil Ladies Cup excluiu o time argentino do torneio atual e por mais duas edições.

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Racismo é crime com pena que varia de dois a cinco anos de prisão

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De acordo com a legislação brasileira, o racismo é crime inafiançável e imprescritível. Quem comete esse crime está sujeito a prisão de dois a cinco anos, além de multa. Essa pena também vale para injúria racial. E o futebol, como espelho e reflexo da sociedade, não deveria admitir qualquer tipo de preconceito ou segregação.

Ofensas de natureza racial são diferentes de xingamentos, provocações e ofensas, como explica o advogado criminalista e mestre em Direito pelo IDP Welington Arruda. “A ofensa racista ocorre quando a conduta inclui preconceito ou discriminação relacionado a raça, cor, etnia, religião ou origem. Esses atos têm um caráter discriminatório que ultrapassam o âmbito individual, atingindo valores fundamentais da sociedade, como a dignidade e a igualdade”, explica.

“Embora reprováveis, os xingamentos geralmente não carregam preconceito racial ou qualquer forma de discriminação. Podem ser enquadradas como injúria simples, com penas mais brandas, como detenção de 1 a 6 meses ou multa”, completa.

O diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Medeiros Carvalho, adota argumentação semelhante. “As denúncias ocorrem para que as pessoas percebam a gravidade do ato, para que o racismo não seja tolerado. Racismo é crime e ponto. E quem cometeu precisa ser punido.”

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Atualmente o Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê multa ao torcedor que cometer crime de racismo nas praças esportivas que vai de R$ 100 a R$ 100 mil. A pena pode se estender com a probabilidade da perda do mando de campo para o time do torcedor criminoso. O desafio é fiscalizar e manter o torcedor banido afastado dos estádios.

Na cadeia de responsabilidades, Carvalho inclui os clubes de futebol. “A gente precisa superar o debate sobre quem punir, torcedor ou clube. A gente precisa punir o torcedor, quando ele for identificado, mas precisa responsabilizar o clube para que ele participe de ações de conscientização, de educação, de mobilização contra o racismo”, opina.

A penalidade com o sistema de perda de pontos dos clubes em campeonatos seria uma forma de responsabilizar todos os envolvidos na discriminação.

Entre outras medidas sugeridas por especialistas estão a paralisação do jogo em caso de manifestação racista, mesmo que vinda de apenas um único torcedor e a instalação de mais câmeras para a fiscalização e identificação de atos discriminatórios na arquibancada, como no sistema de Video Assistant Referee (VAR)

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Antes de definir as medidas punitivas, Tonini defende a prevenção. Aqui fala basicamente de educação. “Falta educação aos atletas, desde as categorias de base, não só sobre o racismo, mas também em relação a outras formas de discriminação. Os clubes, as federações e as ligas são responsáveis por essa prevenção, mas isso não é feito no País. Não adianta só punir o torcedor.”

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