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O que muda com as novas regras da Fifa sobre gravidez para jogadoras de futebol?

Entidade altera regulamento visando proteger carreira das atletas na maternidade

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Foto do author Rodrigo Sampaio

O Conselho da Fifa aprovou por unanimidade, em 31 de maio, uma série de medidas de apoio às mulheres no futebol. A mudança altera o artigo 18 do regulamento sobre Estatuto e Transferência de Jogadores (RSTP, sigla em inglês), ampliando benefícios relativos à gravidez. O protocolo passou a ser obrigatório em 1º de junho e deve ser aplicado a todos os clubes filiados à entidade. O argumento para a chancela do novo regimento é de que a gestação não pode ser uma escolha que coloque em xeque a carreira das atletas.

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Desde 2021, a Fifa estipula um prazo de 14 semanas de licença-maternidade remunerada às jogadoras. Agora, a regra também se estende a treinadoras, mães adotivas e não-biológicas, com oito semanas de benefício. Entre as novidades também estão a obrigatoriedade de o clube oferecer a infraestrutura adequada à atleta no período da amamentação.

A atacante Cristiane, um dos principais nomes do futebol feminino brasileiro, decidiu com a companheira, a advogada Ana Paula Garcia, que a cônjuge passaria pela gestação para que a atleta pudesse dar seguimento à carreira. Bento, filho do casal, nasceu no dia 26 de abril de 2021. “Talvez as coisas sejam diferentes com as novas regras da Fifa. Acho que as mulheres acabavam adiando o sonho porque não saberiam se continuariam empregadas, se o clube continuaria pagando salários, se teriam suporte após retornar da maternidade. Acredito que grande parte das atletas não sejam mães pela falta deste apoio”, comenta a atacante.

Ainda de acordo com o novo protocolo, ficou decidido que as atletas também devem ter o direito de fornecer serviços alternativos durante a gravidez e o clube tem a obrigação de formalizar um plano para o trabalho. A rescisão unilateral com base no fato de a jogadora ter engravidado é considerada interrupção de contrato sem justa causa, passível de indenização e multa, além de sanções no âmbito esportivo.

Cristiane (dir.), icônica atacante da seleção brasileira, é uma das mães na seleção brasileira.  Foto: Lucas Figueiredo / CBF

Apesar de as regras de licença-maternidade remuneradas e a impossibilidade de demissão durante a gravidez estarem valendo desde 2021, a FIFPRO (sindicato dos atletas profissionais de futebol) afirma que boa parte das 211 federações nacionais filiadas à Fifa ainda não implementaram estas normas a nível nacional, mesmo depois de a entidade enviar quatro cartas oficiais às federações-membro solicitando o cumprimento do protocolo.

“Conheci pouquíssimas atletas ao longo da minha carreira que foram mães. Quando isso acontecia, elas acabavam parando, ficando muito tempo afastadas, ou não viam o filho crescer direito. O futebol feminino não é igual o masculino, em que se ganham rios de dinheiro e você leva a família inteira quando muda de clube. Já conheci atlestas que precisaram deixar o filho para a mãe cuidar porque moravam em alojamento. São situações que torço para que não aocnteçam mais”

O sindicato considera o cenário preocupante, alegando que muitas jogadoras de determinadas ligas nacionais não têm a mesma proteção de colegas em outras partes do mundo. Segundo Carlos Eduardo Ambiel, especialista em Direito Desportivo e Direito do Trabalho, o desrespeito às regras de proteção da gestante é mais comum quando a atleta não é registrada como empregada, o que ainda ocorre em alguns clubes de futebol.

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“Infelizmente, ainda nos deparamos com casos de clubes que rescindiram o contrato de suas atletas, quando informados da gravidez, talvez por falta de informação adequada, não apenas sobre a proteção que a legislação confere à gestante, como também sobre a possibilidade de a gestante continuar realizando atividades durante parte da gravidez”, comenta Ambiel.

O especialista explica que no Brasil, na teoria, a natureza da relação entre uma atleta profissional de futebol e seu clube é sempre de emprego. A CBF exige o registro do contrato de trabalho como condição para jogar os campeonatos. Assim, a empregada tem seus direitos regidos pela Constituição Federal e pela CLT, lhe conferindo proteção e direitos quanto à gravidez.

“A vantagem de algumas dessas proteções passar a constar do Regulamento da FIFA é que poderá ser exigido de todos os clubes do mundo, inclusive daqueles sediados em países que não tenham regras estatais de proteção. Outro ponto positivo é a possibilidade de a gestante reclamar sua concessão junto aos tribunais administrativos da Fifa e CBF, além de prever vantagens que não constam da Lei nacional”, diz Ambiel. “Faltou a FIFA incluir as árbitras e assistentes que, por serem tratadas como autônomas na maioria dos países, inclusive no Brasil, acabam não gozando de qualquer proteção.”

Saúde das atletas

Apesar dos avanços, a FIFPRO deseja que outros pontos sejam levados em consideração, como um programa adequado de recondicionamento físico após a gestação. O sindicato argumenta que os clubes podem ter especialistas em recuperação de lesões graves, como ruptura de ligamento, mas não em fortalecer os músculos após a gravidez. Algumas jogadoras, inclusive, tiveram que recorrer ao Google para obter conselhos sobre como proceder na gestação.

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“Quando falamos de gestação de mães atletas de alto rendimento, o mais importante é que a gestação não seja de alto risco, para que ela não tenha risco de sangramento, queda ou machuque a barriga. É importante também que essa atleta tenha uma alimentação saudável porque durante a gestação os nutrientes acabam sendo mais importantes e a mãe precisa fazer essa suplementação. Se ela estiver treinando, essa reposição precisará ser ainda maior”, explica Dra. Karina Hatano, médica do Esporte do Espaço Einstein.

“A atleta pode voltar aos treinos de alto desempenho depois de um mês após o parto. Neste período, o útero ainda vai estar desinchando até voltar ao eixo gravitacional da mulher, a bacia vai estar se fechando e os hormônios da lactação, por exemplo, vão estar mais altos. Vale ressaltar que a mulher que está amamentando, se não tiver uma boa recuperação e um bom descanso entre um treino e outro, pode prejudicar a amamentação também”, completa.

A saúde menstrual também foi tema abordado na mudança de protocolo. Dados do e Fifa Female Health Project Snapshot, um estudo sobre performance e saúde da mulher no futebol feminino, 83% a 93% das atletas apresentam sintomas relacionados ao ciclo menstrual com potencial para impactar o exercício, o desempenho, a recuperação e, em última análise, a sua qualidade de vida

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De acordo com esta nova disposição, mediante apresentação de atestado médico válido, a jogadora terá direito a faltar aos treinos ou jogos sempre que a sua saúde menstrual o exija, sem sofrer quaisquer consequências financeiras, ou seja, a jogadora receberá a sua remuneração integral durante a ausência.

O acompanhamento da saúde menstrual para mitigar os impactos do ciclo na performance da atleta não é uma prática recente no Brasil. A ginecologista do esporte Tathiana Parmigiano trabalha com a CBF e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) há mais de uma década, é referência na área e afirma que entidade máxima do futebol brasileiro sempre demonstrou preocupação quanto ao tema.

“Quando fizeram isso lá fora, foi muito divulgado, seja por desconhecimento do que já acontecia aqui no Brasil ou porque o que é de fora brilha mais. Sempre houve essa preocupação da CBF em relação a isso. Na sala médica da Granja Comary, a maca é ginecológica e foi adaptada tempos atrás”, conta Tathiana. “Há clubes que não têm convênio, e até outros que não têm ginecologista. Nós somos ainda poucas ginecologistas. Hoje, tem cada vez mais espaço porque o esporte feminino está crescendo e mais ginecologistas estão se interessando nisso”.

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