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Quais os segredos do pequeno Girona para encarar gigantes da Espanha e se manter no topo?

Euforia de torcedores com a liderança contrasta com realismo da comissão técnica; saiba como clube catalão construiu campanha surpreendente nesta temporada e conheça os dois brasileiros do elenco

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Foto do author Marcos Antomil
Atualização:

O Girona é a grande surpresa do Campeonato Espanhol nesta temporada. O time catalão, que pertence ao Grupo City - o mesmo de Manchester e Bahia -, disputa ponto a ponto com o poderoso Real Madrid a liderança de LaLiga. Em um torneio com poucos e sempre os mesmos times na batalha pelo troféu, o pequeno clube surge com um potencial raramente assistindo na Europa. Nesta segunda, o time conquistou mais uma vitória e voltou para a ponta da tabela.

O último time capaz de romper com o triunvirato Real Madrid-Barcelona-Atlético de Madrid foi o Valencia nas temporadas 2001-02 e 2003-04. Antes, em 1999-2000, foi o Deportivo La Coruña, que está na terceira divisão da Espanha atualmente. Portanto, o desafio do Girona não se limita a ganhar ou figurar entre os primeiros ocasionalmente, mas se manter consistente e lutando por posições no alto da tabela.

Conheça o Girona

O Girona é um time de 93 anos, que atua no acanhado Estádio Montilivi, cuja capacidade é de cerca de 15 mil torcedores. A cidade de Girona, capital da província homônima que compõe a Catalunha, também não é muito grande. Vivem ali, 102,6 mil pessoas, segundo os dados mais recentes. A agremiação não é assídua frequentadora da elite espanhola. Muito pelo contrário. O Girona debutou na primeira divisão apenas na temporada 2017-18 e esta é apenas sua quarta participação. Tal qual na estreia, em 2022-23, o time catalão terminou na 10ª posição, seu ápice no futebol espanhol.

Girona derrotou o Barcelona por 4 a 2 na última rodada. Dovbyk é o artilheiro do time, com oito gols. Foto: Joan Monfort/ AP

“O que o Girona está fazendo é inimaginável. Míchel (o treinador) e seus jogadores conseguiram romper até aqui a hegemonia do Real Madrid e do Barcelona com um orçamento muito inferior e, a princípio, com objetivos diferentes, uma vez que o principal foco era conseguir a permanência na elite, que já está mais que assegurada”, explica a jornalista Tatiana Pérez, do Diari de Girona. A previsão orçamentária do Girona para a temporada é de € 59 milhões (R$ 320 milhões, na cotação atual), enquanto o do Barcelona é de € 859 milhões (R$ 4,63 bilhões) e o do Real Madrid chega a € 939,5 milhões (R$ 5,06 milhões).

Apoio do Grupo City eleva nível do Girona

Em agosto de 2017, tudo mudou no Girona. O Grupo City, que pertence ao xeque Mansour bin Zayed Al Nahyan - membro da família real de Abu Dabi -, adquiriu 44,7% do clube e passou a controlar o futebol da equipe, incluindo-o à seleta classe formada por Manchester City (Inglaterra), New York City FC (EUA), Melbourne City (Austrália), Yokohama Marinos (Japão), Sichuan Jiuniu (China), Mumbai City FC (Índia), Lommel SK (Bélgica), Troyes (França), Palermo (Itália), Montevideo City Torque (Uruguai), Bolívar (Bolívia) e o brasileiro Bahia.

Jogadores do Girona comemoram gol marcado sobre o Valencia. Foto: Lluis Gene/ AFP

Ao compor o Grupo City, o Girona passou a contar com toda a expertise do conglomerado que formou o melhor time do ano de 2023, que empilha títulos sob o comando de Pep Guardiola e saiu da fila na Champions League. Além desse “privilégio”, o clube fica envolvido em todas as estratégias de mercado, servindo de uma espécie de “incubadora” para atletas que futuramente serão úteis ao Manchester City. Aqueles jogadores que não atingem o patamar desejado são negociados, mas o grupo costuma fazer jogo duro e cobrar valores elevados.

Elenco equilibrado do Girona tem dois jovens brasileiros

O Girona conta com dois brasileiros em seu elenco. O lateral-direito Yan Couto tem 21 anos e foi contratado pelo Manchester City junto ao Coritiba em 2020. Foi cedido ao Girona logo que chegou à Europa, passou pelo português Braga e retornou ao clube catalão, por meio do qual despertou o interesse do técnico Fernando Diniz, que o convocou para dois jogos da seleção brasileira pelas Eliminatórias da Copa de 2026.

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Yan Couto, de cabelo rosa, domina a lateral-direita do Girona. Foto: Lluis Gene/ AFP

Outro jovem brasileiro do elenco é Savinho. O atacante de 19 anos veio do Troyes, com atuação no holandês PSV. Seu clube de formação no Brasil foi o Atlético-MG. Mas não é só de jovens que o Girona é formado. Um dos segredos da equipe é o equilíbrio, que mescla juventude e experiência. O clube conta, por exemplo, com o zagueiro Daley Blind, que disputou duas Copas com a seleção holandesa e tem 34 anos; e o atacante Cristhian Stuani, de 37, que também jogou dois Mundiais pelo Uruguai.

Savinho é muito elogiado pelos torcedores do Girona. Foto: David Borrat/ EFE

“Os pontos fortes do Girona são o aspecto defensivo e a qualidade humana do grupo, com jogadores e comissão técnica muito unidos. Os blanc-i-vermells gostam de sair para o ataque, mesmo que isso implique em assumir riscos defensivos. A marcação é feita por todas as linhas. É por isso que o Girona é o time que mais fez gols no campeonato e é capaz de virar partidas quando sai atrás no marcador”, comenta Tatiana.

Leicester é exemplo, mas Girona mantém os pés no chão

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A campanha do Girona no Campeonato Espanhol faz recordar à memória o feito extraordinário do Leicester City na temporada 2015-16. Em um torneio com concorrentes mais numerosos e qualificados, a pequena equipe inglesa superou barreiras para conquistar a Premier League. Um conto de fadas fez do Leicester campeão com dez pontos de vantagem sobre o Arsenal.

Aquela campanha do Leicester tem poucas semelhanças às trajetórias arrasadoras do Manchester City mais recentes. O time de Claudio Ranieri fez 81 pontos, pontuação considerada baixa para os padrões do Campeonato Inglês. Nos últimos 13 torneios, apenas o Manchester United foi campeão fazendo um ponto a menos, 80.

Míchel é o técnico do Girona e faz trabalho aplaudido na Espanha. Foto: Albert Gea/ Reuters

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“Se o Girona continuar nesse ritmo, pode ser campeão ou se classificar para a Champions League. Sem dúvidas. É um sonho para todos, já que o clube está acostumado a lutar para não cair ou para subir para a Primeira Divisão. O técnico Míchel é a chave do sucesso e, além dos resultados, engajou toda a província e os arredores nos jogos do Girona. O estádio ficou pequeno com o aumento do número de sócios, as entradas se esgotam dias antes das partidas e as vendas na loja oficial do clube dispararam. Todo mundo está expondo o ‘orgull gironí'”, afirmou Tatiana.

O Girona faz uma campanha com aproveitamento superior ao do Leicester até aqui. O grande desafio é manter tal consistência, sem tropeços consecutivos. A derrota ou empate devem ser sucedidos imediatamente por uma vitória. O triunfo por 4 a 2 sobre o Barcelona, fora de casa, deu o tom do que o Girona, dono do melhor ataque da competição, anseia.

Não sei se podemos ganhar a Liga. Não é o nosso objetivo. Nós não temos a pressão que tem o Barcelona. Vamos disfrutar do momento, com uma dinâmica e mentalidade positiva. Não sei se temos a capacidade de ganhar a Liga, mas temos a condição de ganhar de qualquer rival. Temos alma e paixão e tenho a noção de que somos um time que dá gosto de ver jogar.

Míchel, técnico do Girona.

Real Madrid à espreita

O grande problema, porém, mora na capital espanhola. Ser perseguido pelo maior clube do mundo, o Real Madrid, contrasta com a falta de pressão e expectativas de um time pequeno. No futebol, são difíceis as comparações. A dimensão do Leicester City e do Girona FC são diferentes, mas se assemelham. Cabe ao time catalão lidar com os holofotes da mesma forma que os ingleses.

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Vini Jr. e Yan Couto já se encontraram nessa temporada, e o Real Madrid levou a melhor, ganhando por 3 a 0 em Girona. Foto: Joan Monfort/ AP

Quem não pode servir de exemplo é o Botafogo, cujo tamanho e história são imensamente maiores que os dois, mas não soube administrar esportiva e psicologicamente uma vantagem gigantesca na liderança do Brasileirão de 13 pontos e perdeu o torneio. Ter um campeão recorrente no retrovisor e a falta de títulos expressivos há 28 anos pesaram sobre os ombros dos botafoguenses. Mas o Girona tem conseguido mensurar seu feito com correção para não colocar tudo a perder diante de uma mera ilusão.

Toda a torcida e província estão felizes. Chegamos a essa pontuação muito antes do que imaginávamos. Diante da pressão, ser capaz de ter essa personalidade e mentalidade mostra que estamos preparados para estar no topo. Não sei se somos capazes de aguentar o nível de Barcelona, Atlético e Real Madrid por uma temporada inteira, mas o rendimento da equipe me faz estar feliz. Esses jogadores estão fazendo história. Qualquer torcedor de futebol está torcendo, ao menos um pouco, pelo Girona.

Míchel, técnico do Girona.

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