‘O treinador brasileiro ainda sobrevive’, diz Dorival Junior, campeão com o São Paulo

Em entrevista exclusiva, técnico dá detalhes do trabalho que levou o clube ao título da Copa do Brasil, fala da carreira e do futuro, que passa pelo filho Lucas Silvestre

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Entrevista comDorival JuniorTécnico do São Paulo

A tranquilidade do arborizado CT do São Paulo, localizado no bairro da Barra Funda, zona oeste da capital, não condiz com o cenário encontrado por Dorival Junior em sua chegada ao clube. O treinador, que foi contratado para substituir o ídolo Rogério Ceni em abril, precisou reerguer um elenco abatido para levá-lo ao título da Copa do Brasil. Em entrevista exclusiva ao Estadão, concedida antes do clássico com o Palmeiras, nesta quarta-feira, pelo Brasileirão, ele abriu o jogo sobre o trabalho com os jogadores, falou de Lucas Moura, James Rodríguez, Luciano e das dificuldades e desafios da profissão. “Não é fácil essa carreira, ela é muito solitária”, afirmou.

Qual a sua projeção para essa reta final de temporada?

Fico feliz porque, encerrando a Copa do Brasil, o time mantém uma postura agressiva, buscando resultados e não perde a concentração. Não é fácil mantê-la depois de várias decisões que nós havíamos enfrentado. A partir de determinado momento, decidindo vaga na Copa do Brasil e Sul-Americana, o Brasileiro foi ficando um pouco de lado. Não tem como você jogar três competições afunilando ao mesmo tempo. Por isso levantei essa possibilidade de a CBF estudar uma situação em que nós tenhamos uma decisão até o meio do Mas o time teve uma reação muito boa, fazendo jogos de bom nível.

Uma das marcas do São Paulo nesta temporada foi a recuperação de jogadores criticados. Qual era o clima do elenco quando você chegou e como é o processo no dia a dia para dar confiança aos atletas?

Sempre confiei muito no nosso trabalho. Nossa primeira preocupação foi acionar a comissão dentro do São Paulo para que pudéssemos mudar aquele contexto. Se eu chego aqui e fico justificando o momento em razão do que vinha acontecendo, eu não estaria sendo correto e leal com os profissionais que estavam aqui. Segundo, eu não estaria sendo correto comigo. A partir do momento que eu aceitei o convite, devo procurar e propor soluções. É natural encontrar jogadores que, de repente, não viviam um grande momento, mas um jogador não desaprende a fazer o que gosta. Se ele realmente está comprometido, ele vai encontrar as suas melhores condições. Basta propor soluções para aquele momento que ele esteja vivendo e o jogador acreditar. Alguns demoram um mês. Outros, dois. Se você conseguir tirar um pouquinho mais de cada um, você começa a ganhar muito coletivamente. É preciso atuar em várias frentes para entender se o problema é físico, técnico ou emocional.

Dorival Junior abriu o jogo sobre o caminho para levar o São Paulo ao título da Copa do Brasil Foto: Felipe Rau / Estadão

O São Paulo ainda não venceu fora de casa neste Brasileirão. E terá o clássico com o Palmeiras no Allianz Parque. Qual é a solução para voltar a ganhar jogos longe do Morumbi?

Primeiro, não podemos ficar batendo nessa tecla. Realmente incomoda. É uma situação que nós não imaginávamos, mas ela vem acontecendo. Por outro lado, o time não deixa de jogar bem. Raros foram os jogos em que nós não jogamos dentro das nossas condições. Estamos tranquilos em relação a tudo isso, mas também não é um lado assim obsessivo. Temos de passar o máximo de tranquilidade aos jogadores. Nós estamos buscando, quem sabe aí ela esteja próxima.

Após o título, o Alisson revelou que passou por um quadro de depressão. Como foi gerir o grupo com o jogador vivendo esse drama?

Por isso abordei em relação a todos os departamentos do clube, para que trabalhássemos de uma maneira uniforme. De repente eles, por estarem já aqui dentro, conheciam (os problemas) muito mais e melhor do que nós que estávamos chegando. Um deles naturalmente envolviam alguns jogadores que não se sentiam motivados. Isso pode acontecer ainda hoje, porque temos um grupo extenso, com quase 40 jogadores. Nós temos de entender que os jogadores são seres humanos. Nem todos o Dorival e a sua comissão vão conseguir mexer nas mesmas condições. De repente eu também tenha falhado com alguns profissionais. É natural que quando abra o próximo ano, esses não estejam tão satisfeitos como a grande maioria está. As pessoas às vezes não tem ideia do que envolve o trabalho de uma comissão num clube de futebol. Às vezes rapidamente rotulam, né? O trabalho desse só dá certo porque ele é um cara muito durão. O trabalho do outro só dá certo porque ele é um cara muito paizão. O trabalho do terceiro só dá certo porque ele é um cara largado e que deixa as coisas acontecerem. E não é só isso o futebol. Se você não tiver conteúdo para desenvolver dez dias depois da tua chegada, pode ter certeza que você vai ser questionado. Se você não tiver sensibilidade para entender o momento, a situação e as condições de cada atleta, daqui a pouco você começa a perder esse esse grupo. A figura de um treinador que nada mais é do que um administrador de problemas que acontecem no dia a dia. Raro são os que extrapolam os muros de um centro de treinamento, mas eles acontecem como em qualquer casa, como em qualquer trabalho No futebol, se um problema tiver mais que 24 horas, ele passa a gerar um problema que de repente se torna ainda maior.

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Você pensa em reduzir o elenco para a próxima temporada?

Nós precisamos reduzir. O trabalho não se desenvolve de uma maneira ideal se não tivermos um grupo um pouco mais concentrado, em que nós possamos dar uma atenção maior. Nós fizemos um trabalho para não tirar ninguém, para todos finalizarem o ano. Alguns tiveram mais, outros menos, e alguns bem poucas oportunidades. Eu reconheço isso, mas era o que dava para fazer no momento. Não tem como satisfazer a todos.

Entende que precisa de reforços?

Se vierem nomes que venham realmente com capacidade e as qualidades dos que vieram por último é tudo que eu espero que aconteça. Nós temos um bom grupo. Um grupo guerreiro, que se entrega, se compromete e luta. Olha, qualquer treinador que tenha um grupo como o que eu tenho no São Paulo, pode ter certeza que estaria muito satisfeito em poder estar comandando uma equipe como essa justamente pela valentia. Eu acho que nós temos de pensar sempre em reforçar o São Paulo. Se tivermos as possibilidades de trazermos mais um elemento, ótimo. Mais dois? Melhor ainda. Se tivermos três? Ainda mais! Que sejam jogadores que realmente cheguem para valorizar esse grupo.

A torcida ficou muito empolgada com a contratação do James Rodríguez. Como foi administrar este fator?

Primeiro de tudo, agindo com lealdade. É um jogador diferenciado. Todos sabem da sua capacidade. Segundo, o momento que o James chega, as condições em que ele se encontrava — e eu falo isso fisicamente. Um outro fato: ele chega no momento de definição de outras taças, com a equipe acertada, os jogadores que estavam atuando merecendo o momento que estavam vivendo pelo que estavam entregando em campo. Eu não poderia ser desleal de alterar a situação que estava acontecendo. É natural que o próprio atleta tenha entendido, mas o jogador nunca aceita uma condição inicial que não seja a de estar atuando. Isso acontece com o James e com qualquer outro dentro de um plantel. Mas acho que tudo aconteceu no momento certo. A partir do instante em que ele começou a ter uma uma pequena sequência, ele começou a desenvolver um pouco mais as suas condições, ele foi para esta última Data Fifa com a seleção colombiana já em outro estágio, já conseguiu adiantar bastante esse processo. Voltou e já fez um jogo em outro nível. Eu acho que ele vem numa crescente gradativa e nós temos de ter cuidados ainda com ele, porque é o momento em que ele está consolidando essa esse processo.

O torcedor tem a esperança de que Lucas fique. Como o Dorival se envolve neste processo?

Minha torcida é uma coisa. O meu envolvimento é outro completamente diferente. Ele sabe muito bem que a minha vontade é de que ele permaneça, mas eu tenho uma limitação, até porque vocês não podem se esquecer que amanhã, se alguém tiver de tirar o Lucas do time, por uma situação ou outra, será o treinador. Então o treinador não pode criar uma situação com qualquer atleta. É uma decisão única e exclusivamente do profissional.

Qual a diferença do Lucas para o James na chegada ao São Paulo? Você precisou sacrificar o Luciano para encaixá-lo na equipe…

A diferença foi o momento físico do Lucas. Com o James, nós tivemos de fazer um trabalho inicial de condicionamento porque ele estava parado em um período maior que o Lucas e somente os treinamentos não eram suficientes. Segundo, o que precipitou essa alteração foi o Luciano não ter jogado a segunda partida com o Corinthians. Terceiro, o Luciano tem sido muito profissional. Um cara decente, com dignidade, com hombridade, tem entendido todas as decisões que nós temos tomado. É natural que não fique satisfeito. Isso é um ponto, mas ele tem sido muito legal com a nossa comissão e com seus companheiros. Eu só tenho que enaltecer o trabalho que o Luciano vem fazendo porque se ele está em campo, está dando uma resposta. Se não está, ele ajuda de alguma outra forma, e isso daí é muito em razão do amadurecimento de um profissional. Eu não tinha essa ideia do Luciano. Imaginava que de repente pudesse ter um outro tipo de reação e fico muito satisfeito de poder ter encontrado nele um profissional digno, muito sério e competente, que abriu mão das individualidades, das vaidades pessoais, que todos nós temos, em prol do nosso grupo.

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Você foi o último técnico do Palmeiras antes da era vitoriosa do clube nos últimos anos. A mesma coisa aconteceu no Flamengo. De alguma maneira você se sentiu desprestigiado?

É difícil falar alguma coisa. Eu acho que tudo que nós preparamos para o Palmeiras em 2014 foi na dependência de uma permanência, porque a situação era muito ruim. Só para você ser uma ideia nós tínhamos 40 e poucos jogadores no elenco. Tínhamos oito estrangeiros sendo que apenas cinco poderiam ser aproveitados. E a situação foi muito complexa. Talvez as pessoas não têm ideia do que nós vivenciamos no Palmeiras. E só escapamos porque nós tivemos um grupo de jovens que foram aproveitados e nós chegamos a atuar ali com quase que uma defesa inteira de garoto formado no clube para que pudéssemos encontrar um caminho e algumas vitórias interessantes fora de casa que nos deram a possibilidade de sairmos daquele rebaixamento. A não permaneça eu não não converso porque você sempre traz um passivo de um momento como esse. Tudo na minha carreira aconteceu de uma maneira muito natural nunca forcei nada. Nunca me preocupei com planejamento, as coisas foram acontecendo. São 20 anos como profissional. Fiquei mais ou menos quatro ou cinco anos parados nesse período todo. Trabalhei efetivamente por 15 anos. Nós temos aí 19 títulos disputados, sendo que 14 foram ganhos e cinco foram vice-campeonatos. Eu tenho pelo menos sete trabalhos de grandes equipes que foram tiradas de zona de rebaixamento, que para mim tem um valor muito mais expressivo. Talvez maior até do que uma conquista porque foram trabalhos que consolidaram o minha carreira.

Como avalia a vinda de técnicos estrangeiros no Brasil? O que acredita ser preciso para brasileiros aspirarem trabalhos fora como os argentinos?

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A AFA é única entidade que tem o reconhecimento dos seus cursos pela Uefa. Nenhuma outra entidade sul-americana tem. Isso ocorre em razão do momento vivido pela Conmebol, de uma desorganização, aonde estão os nossos profissionais. Só estão aptos para um trabalho (Na Europa) se tiverem uma passagem pelas seleções. Não temos uma via de mão dupla, temos uma via única. Nós recebemos profissionais aqui e nunca maltratamos ninguém. Não é isso. Nunca foi isso. Nós nunca tivemos a possibilidade da troca e não é por incompetência como falavam. É porque nós não temos a nossa licença reconhecida pela Uefa. É muito diferente. Treinador brasileiro não deixa nada a desejar a nenhum outro profissional. Eu tive a oportunidade de durante quatro anos estar lá fora. Eu fui observar o que estava acontecendo porque não é possível que existisse uma defasagem tão grande em relação ao que se emprega lá fora. Lá eles não convivem com imediatismo que nós temos aqui, de inseguranças no dia a dia a perda de jogadores no meio de competições. Eu acho que nós temos profissionais muito capacitados aqui, como Portugal tem os bons e os médios, nós temos da mesma forma. Infelizmente, a gestão dos nossos clubes nos últimos anos comprometem o desenvolvimento de um trabalho. Não se faz trabalho no Brasil. Você gera resultados ou está fora. Você pode ter mais ou menos nome, pode ser mais ou menos experiente. Não gerando resultado, você vai ser trocado. Os processos não são respeitados, aliás processos não existem no nosso País. Nós não temos aqui a paciência de entendermos que tudo é um processo, que você não queima etapas no futebol porque senão você vai pagar um preço muito alto. Na Europa, um processo, por exemplo, como o do Liverpool, com o Klopp, que demorou quatro anos para ser campeão, no nosso País não duraria quatro meses. Com tudo isso, o treinador brasileiro ainda sobrevive porque não é fácil você estar aí. Viver 15, 20 anos de profissionalismo, estando e se manterem em equipes da Série A do Campeonato Brasileiro e sempre com trabalhos reconhecidos. Então é porque algum valor também nós temos e nós estamos preparados para toda e qualquer situação.

Com o calendário apertado, acredita que o Estadual pode ser usada para fazer testes e preparar o elenco?

É uma utopia achar que um campeonato regional sirva como teste. Esquece. Ninguém entende isso. Nós podemos entender aqui, internamente. Porém, externamente ninguém entende assim. Campeonato que se entra, independentemente da projeção que tem a competição, você tem obrigação de disputar no seu limite. É um catalisador de crises porque penaliza os grandes clubes que retornam depois, voltam sem estarem nas suas melhores condições, e de repente se vê jogando de duas a três competições a partir de fevereiro. Não tem como relaxar no futebol. Mesmo tentando ser muito claro e explicando, ninguém entende, e nós não podemos pensar dessa forma. Nós temos de saber que entramos em uma competição, é o São Paulo, e o São Paulo tem obrigação de fazer o seu melhor.

Para encerrar, seu filho, o Lucas Silvestre, faz parte da sua comissão técnica. Quando você se aposentar, acredita que ele seguirá a carreira de treinador?

Ele está preparado. Eu estou nesse meio desde os seis anos de idade. Meu pai era diretor de futebol da Ferroviária, e eu frequentava jogos, era mascote, viajava com a delegação... Isso quando não estava atrás dos gols pegando bolas, geralmente do goleiro adversário, porque eu queria ver os gols da Ferroviária. Paralelo a isso tudo, eu tinha o meu tio como referência. Dudu jogou anos e anos pelo Palmeiras e nós crescemos entendendo o que era a competição, a luta por espaço, e isso não vai ser diferente para o Lucas. Tecnicamente é um cara melhor do que o Dorival. Ele está muito bem preparado, tem de finalizar alguns aspectos que serão ainda importantes na sua carreira, mas eu não tenho receio em afirmar que futuramente, quando ele resolver seguir carreira solo, ele talvez vai estar muito mais preparado do que eu estava há 20 anos, quando fiz aí meu primeiro trabalho como profissional. Eu gostaria que não existisse mais isso na minha família, mas vai continuar perpetuando aí por mais uma geração talvez. Porque não é fácil essa carreira, ela é muito solitária.

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