Olimpíadas 2024: por que Brasil teve mais de 100 minutos de acréscimos no futebol feminino?

Classificado para a decisão contra os Estados Unidos, Brasil ‘sofreu’ com tempo extra no fim das partidas; recomendação da Fifa sobre o tema está em vigor desde a Copa do Catar

PUBLICIDADE

Foto do author Murillo César Alves
Atualização:

Com a classificação para a decisão do futebol feminino nas Olimpíadas de Paris, a seleção brasileira disputará seu sexto jogo oficial, mas na prática será o sétimo. Isto porque, somando os acréscimos nos jogos da fase de grupos e mata-mata, o Brasil enfrentou 114 minutos de tempo extra – equivalente a uma partida inteira e quase uma prorrogação. O motivo para isso é uma aplicação mais rigorosa da recomendação da Fifa, que se iniciou na Copa do Mundo do Catar.

A tese da Fifa, passada para os árbitros, é de combater a perda de tempo no futebol, como substituições, atendimentos médicos, comemorações de gol e checagens de VAR, com acréscimos. Tudo que atrapalhar o andamento da partida – e nisso entra também a cera de jogadores para ‘queimar’ o tempo – deve ser acrescido pelo árbitro ao fim do jogo.

Somando futebol masculino e feminino na Olimpíada, o tempo extra passa da casa dos 800 minutos. No Catar, que iniciou essa ‘tendência’, 676 minutos foram acrescidos ao final dos tempos regulamentares – uma média de 10,5 a mais por partida. No início da Copa, Pierluigi Collina, ex-árbitro da entidade, afirmou que a alteração fez com que o jogo tivesse, em média, 59 minutos da bola em campo. Na goleada da Inglaterra sobre o Irã por 6 a 2 – comandada pelo juiz brasileiro Wilton Pereira Sampaio – 27 minutos de acréscimo foram acrescidos aos 90 inicialmente previstos.

Brasil eliminou a Espanha na semifinal do futebol feminino na Olimpíada de Paris. Foto: Daniel Cole/AP

O que era exceção, virou regra em Paris. Contra a Espanha, na semifinal, foram 30 minutos de tempo extra; nas quartas, diante da frança, 25. O Brasil enfrentará os Estados Unidos na decisão do torneio feminino neste sábado. Com os acréscimos elevados, a seleção terá jogado quase o mesmo tempo que a rival, que precisou de duas prorrogações para avançar até a decisão. Até aqui, foram 12 dias de competições.

Publicidade

Acréscimos dos jogos do Brasil nas Olimpíadas

  • Brasil 1 x 0 Nigéria: 10 minutos (1º tempo) e 9 minutos (2º tempo) – 19 minutos no total
  • Brasil 1 x 2 Japão: 5 minutos (1º tempo) e 11 (2º tempo) – 16 minutos no total
  • Brasil 0 x 2 Espanha: 10 minutos (1º tempo) e 20 minutos (2º tempo) – 30 minutos no total
  • Brasil 1 x 0 França: 6 minutos (1º tempo) e 19 minutos (2º tempo) – 25 minutos no total
  • Brasil 4 x 2 Espanha: 6 minutos (1º tempo) e 18 minutos (2º tempo) – 24 minutos no total
  • Total: 114 minutos

Árbitros ouvidos pela reportagem do Estadão se mostram contrários às orientações da Fifa. Carlos Eugênio Simon, ex-árbitro Fifa, que apitou em três Copas do Mundo, e comentarista da ESPN, entende que o esporte já tem mecanismos na regra que inibem o antijogo – não sendo necessário esses acréscimos extraordinários. “O árbitro controla o tempo de jogo. É necessário manter o bom senso para isso. Mas há uma orientação da Fifa em relação a isso. Acho ruim esses acréscimos justamente porque há mecanismos para prevenir o antijogo”, afirma.

Antijogo, neste caso, se refere às quedas dos jogadores, simulando cera, demorando para repor a bola em campo, entre outros casos. São esses casos que a Fifa tenta coibir, ao adicionar o tempo ao final do jogo relativo a essas paralisações. Na vitória diante da Espanha, por 4 a 2, o Brasil recebeu críticas das rivais. “Levamos quatro gols de uma equipe que, para mim, não joga futebol, mas, no final, o que conta são os gols. Creio que foram falhas nossas, não jogamos o nosso futebol. Gostei do nosso segundo tempo, mas já era difícil”, disse Hermoso em entrevista para a rádio Cope.

Wilson Seneme, chefe da comissão de arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol, esteve presente no último Mundial. “Nós vimos acréscimos de seis, sete, oito, até dez minutos, tanto na Série A do Campeonato Brasileiro, quanto nos jogos da Série D, por exemplo. Isso é muito importante porque é uma instrução universal”, afirmou, ao Estadão em 2023.

Publicidade

“A regra não estabelece que haja um cronômetro paralisando o jogo como se fosse futebol de salão, nem na cabine do VAR”, pontua Manoel Serapião Filho, ex-árbitro Fifa e autor do projeto VAR, adotado pela Fifa na última década, ao Estadão. “A regra estabelece que as perdas de tempo anormais sejam acrescidos ao final de cada período, não os tempos naturais, de reposição de bola, de cobrança de tiro de meta, de arremesso laterais. As Olimpíadas são o exemplo de como as coisas estão erradas”.

Por outro lado, Arnaldo Cezar Coelho, ex-árbitro e ex-comentarista da TV Globo, entende os acréscimos na Olimpíada. “O Brasil abusou de cera, com a goleira principalmente. Não cronometrei, mas não se justifica fazer comício, sem a explicação. A regra é clara. Se fosse o Brasil perdendo, estaríamos reclamando de antijogo”, diz, ao Estadão. Para ele, os atendimentos médicos em campo permitem que as atletas se utilizem desses meios para ‘queimar’ tempo de partida.

Não há uma confirmação da Fifa se os árbitros estão ‘cronometrando’ o tempo perdido nos jogos das Olimpíadas. Para Arnaldo, no entanto, isso ocorre. “Eles podem estar comunicando ao delegado e eles, de fora, segurando o cronômetro quando há alguma paralisação em campo”, afirma. “Antes de criticar os acréscimos, fiquem com um cronômetro na mão. A regra mudou e as instruções mudaram”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.