Os Estaduais ainda fazem sentido? Pouca atratividade ameaça negócios e mantém dilema do calendário

Catalisadores de crises e com baixo retorno financeiro, torneios locais começam na próxima semana e ligam sinal de alerta para os clubes por vaga na Copa do Brasil

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Foto do author Rodrigo Sampaio

Os Estaduais começam na próxima semana e, mais uma vez, volta à tona o debate sobre a funcionalidade do torneio para clubes da elite do futebol nacional. Apesar de menos atraente financeiramente e com pouca capacidade de mobilização, a competição pode ser um catalisador de crises no caso de um desempenho aquém em um campeonato teoricamente mais fácil. Apesar de o início de temporada ser um momento de preparação para momentos mais importantes, como o Brasileirão, a Copa do Brasil e a Libertadores, o calendário apertado exige que os times já estejam minimamente preparados no início do ano por causa das disputas locais.

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O futebol brasileiro tem suas raízes nas competições Estaduais, com os torneios locais sendo privilegiados pelos clubes até a década de 1980 e marcando capítulos históricos dos clubes, como o título do Corinthians, em 1977, que marcou o fim da fila, e o bicampeonato do Palmeiras de Vanderlei Luxemburgo, em 1993 e 1994. Apesar de a rivalidade levar torcedores aos estádios nas fases decisivas, os Estaduais passam por um processo de esvaziamento, com um aumento do desinteresse do público e patrocinadores.

Em entrevista recente ao Estadão, o técnico Dorival Júnior, ex-São Paulo e atualmente na seleção brasileira, lamentou o fato de os times serem cobrados por boas performances logo no início do ano sob a justificativa de estarem enfrentando adversários mais fracos. “É uma utopia achar que um campeonato estadual sirva como teste. Ninguém entende isso. Nós podemos entender aqui, internamente. Porém, externamente ninguém entende assim. Os grandes clubes voltam sem estarem nas suas melhores condições, e de repente se vê jogando de duas a três competições a partir de fevereiro. Não tem como relaxar no futebol. Mesmo tentando ser muito claro e explicando, ninguém entende.

Palmeiras comemora título do Paulistão 2023.  Foto: Cesar Greco/Palmeira

Segundo um estudo realizado pela consultoria Sports Value, iniciar o calendário pelos Estaduais diminui no mínimo em 35% o tamanho dos negócios relacionados ao futebol no País. Uma mudança, com os principais campeonatos abrangendo todo a temporada, poderia gerar R$ 4 bilhões em receitas em cinco anos.

“A parte esportiva é o que aniquila o lado financeiro. De janeiro a abril os clubes têm déficit operacional porque as receitas altas são com o Brasileirão. O Brasil é o único lugar do mundo em que a temporada inicia com um campeonato sem muita importância. Ganhar o Estadual não representa nada e os clubes menores também não estão sendo ajudados porque o Estadual puxa para baixo todo o mercado do futebol”, diz Amir Somoggi, especialista em marketing esportivo e sócio-diretor da Sports Value.

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Atualmente, o Campeonato Paulista é o único Estadual do País que paga uma premiação em dinheiro ao vencedor, sem levar em consideração a divisão das cotas dos direitos de televisão. Em 2023, o Palmeiras levou R$ 5 milhões por conquistar o título do Paulistão, enquanto o Água Santa recebeu R$ 1,6 milhão pelo vice.

Competições tradicionais, como o Cariocão, Mineiro e Gauchão não pagam qualquer valor aos campeões pelo título. O Flamengo, time de maior torcida do País, recebeu, em 2023, R$ 21 milhões pelos direitos de transmissão do Carioca. Ao todo, o clube somou R$ 78 milhões em cotas fixas pelas cotas televisivas, mas as demais competições oferecem uma oportunidade maior de arrecadação, tanto pela premiação esportiva quanto pela oferta de patrocinadores.

Segundo balanço divulgado pelo Palmeiras, o clube teve, em 2022, uma receita bruta de R$ 23 milhões com o Paulistão, e R$ 118 milhões com o Brasileirão. Para Amir Somoggi, a criação de uma liga unificada organizando as Séries A e B do Campeonato Brasileiro, diluindo as 38 rodadas ao longo de 12 meses em vez de oito, e com uma promoção adequada da competição, teria capacidade de aumentar consideravelmente a arrecadação dos clubes. Assim, caberia às federações apoiar a CBF na realização de um campeonatos nacionais de terceira divisão, quarta, e até mesmo a criação de novos escalões para manter clubes ativos durante toda a temporada, e não somente nos primeiros quatro meses.

COPA DO BRASIL

Competições como a Copa do Nordeste e a Copa Verde ajudam a explicar a falta de prestígio dos Estaduais. Competições regionais se tornaram mais atrativas aos clubes por causa das premiações em dinheiro e também pela possibilidade de garantir uma vaga nas fases decisivas da Copa do Brasil. Em razão disto, os torneios locais passaram a ser dor de cabeça na preparação das equipes. Para Yuri Romão, presidente do Sport, há uma necessidade de se repensar o calendário.

“No Nordeste, em especial, os Estaduais acabam gerando uma complexidade relevante para a montagem do calendário. No primeiro semestre, temos Nordestão, Copa do Brasil e início do Brasileiro. É um torneio (o Pernambucano) que financeiramente não é rentável para os clubes”, diz. “Precisa haver uma racionalização de datas entre as competições. Se os Estaduais continuarem existindo, é preciso observar que os times que disputam a Copa do Nordeste e a Copa do Brasil não podem entrar na mesma fase dos que não estão nessas competições. Alguns times que jogam a Libertadores, por exemplo, não jogam as fases iniciais da Copa do Brasil. Algo neste sentido deveria ser pensado para os Estaduais. Não é possível jogar quatro competições ao longo de um único semestre”, completa.

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O desinteresse nos Estaduais também é refletido nas escolhas em campo. Nos últimos ano, o Athletico disputa todo o Campeonato Paranaense com o time sub-23. Temendo movimento parecido, a Federação do Rio de Janeiro exige que os clubes utilizem força máxima a partir da quarta rodada. Desde o ano passado, porém, uma importante mudança feita pela CBF faz com que os times olhem com mais atenção às disputas locais. Em 2022, a entidade excluiu o Ranking Nacional de Clubes (RNC) como parâmetro de classificação para a Copa do Brasil. Assim, 80 das 92 vagas da competição são alcançadas por meio dos Estaduais. O primeiro gigante afetado pela nova regra é o Santos, que não disputará o torneio em 2024.

Santos não vai disputar a Copa do Brasil em 2024 após má campanha no Paulistão de 2023. Time da Vila vai jogar também a Série B do Brasileiro.  Foto: Raul Baretta/ Santos FC.

CRISE NA CBF

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A mudança de regra da CBF quanto à Copa do Brasil teve como objetivo dar força às federações em meio a um descontentamento dos clubes com os Estaduais por causa do calendário inchado. Vale ressaltar que as entidades locais têm grande influência na eleição para o presidente da CBF. Para um candidato ser elegível, é necessário apoio de pelo menos oito federações e, no mínimo, mais cinco clubes pertencentes às Séries A e B no ano do pleito. De acordo com uma alteração no estatuto da entidade, aprovada em 2017, os votos das federações têm peso 3, dos clubes da primeira divisão, 2, e dos times da segunda divisão, 1.

Foi justamente a mudança nas regras eleitorais, realizada em Assembleia Geral sem a presença dos clubes, que motivou uma ação do Ministério Público (MP). Sob o regulamento, Rogério Caboclo foi eleito para o período de 2019 a 2023, mas foi destituído em 2021 após acusações de assédio. Naquele mesmo ano, a Justiça do Rio pediu a anulação do pleito alegando irregularidades na eleição. Ednaldo Rodrigues assumiu como interino e, em março de 2022, foi formalmente eleito até 2026, em uma votação realizado após acordo com o MP por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

No ano passado, a Justiça do Rio anulou o acordo e afastou Ednaldo do cargo, sob o argumento de que ele não poderia firmar o TAC enquanto interino pois se beneficiaria do acordo. No início deste ano, ele foi reconduzido ao cargo após liminar de Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que citou o risco de punição da Fifa e da Conmebol caso novas eleições fossem convocadas.