Embora o Manchester City estivesse prestes a começar mais um ataque contra a Champions League, tendo como pano de fundo uma batalha judicial com a Premier League, Rodri, o principal meio-campista do clube, tinha outra coisa em mente na semana passada.
Uma pergunta sobre as crescentes exigências que estão sendo impostas aos jogadores de elite da Europa trouxe uma resposta incisiva. Quando lhe perguntaram durante a coletiva de imprensa se os jogadores poderiam entrar em greve em algum momento, Rodri respondeu: “Acho que estamos perto disso”.
A quantidade de jogos que se exige dos jogadores é muito alta, disse ele, e pode ser que eles tomem medidas.
“É a opinião geral dos jogadores”, disse ele, “e, se continuar assim, chegará o momento em que não teremos outra opção”.
O debate sobre o calendário do futebol vem se arrastando há algum tempo, mas as palavras de Rodri soaram como um momento significativo. Um dos astros mais talentosos da Premier League, um dos principais candidatos ao prêmio Ballon d’Or, voluntariamente deixou claro que a greve se tornou uma opção possível para ele e seus colegas.
Trata-se de uma ameaça genuína ou de um blefe?
Por que jogadores como Rodri estão irritados?
Os jogadores de futebol, pelo menos na cúpula do esporte, acreditam que estão sendo muito exigidos. A expansão das competições reduziu a oportunidade de descanso e faz com que estrelas internacionais bem estabelecidas ultrapassem regularmente o limite de 55 jogos por temporada recomendado pela FIFPro, o sindicato global dos jogadores.
Esta temporada só fez aumentar as dúvidas. Um novo formato na UEFA Champions League acrescenta mais dois jogos da fase de grupos à programação dos clubes participantes e, no próximo verão, haverá o lançamento da nova Copa do Mundo de Clubes da FIFA.
A campanha de 2024-25 começou com Rodri e seus companheiros do Manchester City com a possibilidade de enfrentar até 75 jogos pelo clube e pelo país. “É demais”, disse Rodri na terça-feira. “Nem tudo é dinheiro ou marketing. O que importa é a qualidade do espetáculo. Quando não estou cansado, meu desempenho é melhor”.
Os jogadores sentem que suas opiniões não foram ouvidas, sentimento que se consolidou com as crescentes expansões supervisionadas pela UEFA e pela FIFA. As turnês de pré-temporada e de fim de temporada que envolvem viagens extensas também se tornaram a norma.
Dois dos maiores sindicatos de jogadores da Europa, a English Professional Footballers’ Association e a Union Nationale des Footballeurs Professionnels da França, entraram com uma ação judicial contra a FIFA em junho, questionando a legalidade do órgão que define “unilateralmente” o calendário de jogos internacionais do futebol.
Um mês depois, as Ligas Europeias – que representam o futebol profissional de 30 países europeus, inclusive a Premier League – se uniram à La Liga e à FIFPro Europe para apresentar uma queixa formal contra a FIFA na Comissão Europeia.
A nova Copa do Mundo de Clubes, segundo a FIFPro, foi a “gota d’água”. As linhas de batalha estão traçadas, com os jogadores no centro da luta. Eles argumentam que agora já chega.
Como uma greve funcionaria em termos práticos?
Rodri pode ter falado em greve, mas não quer dizer que ela seja iminente. Uma greve teria de ser coordenada pela Professional Footballers’ Association ou pela FIFPro e seria considerada um último recurso, só para o caso de todas as outras negociações fracassarem.
A Professional Footballers’ Association, como único sindicato de jogadores do futebol inglês, teoricamente teria de perguntar a seus quase 5 mil membros se eles apoiariam uma greve. E seria necessário o apoio da maioria para prosseguir.
Todas as competições afetadas – sejam elas administradas pela Premier League, pela English Football League, pela Football Association, pela UEFA ou pela FIFA – também teriam a opção de tomar medidas legais de retaliação para bloquear qualquer plano de greve.
“Tentamos conversar com as partes interessadas relevantes”, disse Maheta Molango, CEO da Professional Footballers’ Association, ao podcast The Athletic FC, na semana passada. “Então, tentamos fazer o melhor possível para chegar a uma solução diplomática – a ação legal é sempre uma derrota para todos.
“Mas, às vezes, quando pessoas adultas não conseguem chegar a uma solução, é preciso que uma terceira parte decida por você”.
Já aconteceu uma greve no futebol inglês?
Em novembro de 2001, a possibilidade de greve era concreta. A Professional Footballers’ Association estava cansada das negociações com a Premier League, que queria reduzir de 5% para 2% a tradicional parcela dos acordos de transmissão doméstica enviada ao sindicato.
Três meses de discussões se passaram sem acordo, o que levou à convocação de uma votação de greve, com 99% dos jogadores a favor de boicotar todo e qualquer jogo televisionado. Estabeleceu-se uma data para a ação de greve: 1º de dezembro. Gordon Taylor, presidente do sindicato, afirmou que o técnico do Manchester United, Sir Alex Ferguson, apoiava a posição.
Houve ameaças judiciais e liminares, mas a greve acabou sendo evitada após oito horas de discussões entre a Premier League e o sindicato em Manchester.
As ações trabalhistas são muito mais comuns nos Estados Unidos, onde os sindicatos de jogadores são mais fortes.
A NBA sofreu três greves na segunda metade da década de 1990 e outra, com duração de cinco meses, em 2011. Foi o mesmo ano em que a NFL teve sua paralisação, quando os jogadores e os proprietários não conseguiram chegar a um acordo de negociação coletiva.
A última greve da MLB ocorreu em 2022, o nono na história da organização. E a mais recente da NHL foi na temporada 2012-13.
Qual é a probabilidade de uma greve?
A atitude mais fácil seria descartar os comentários de Rodri como conversa fiada, mas há motivos de preocupação. Sem uma mudança significativa no calendário, enfatizam os sindicatos, chegará o momento em que os jogadores tomarão uma atitude.
No entanto, como será esse momento e quando ele chegará são perguntas difíceis de responder.
Em última análise, os sindicatos de jogadores querem um lugar mais proeminente na tomada de decisões. É por isso que entraram com uma ação contra a FIFA, movimento para fazer com que sua voz seja ouvida e para reduzir as exigências impostas aos seus membros.
A ação inicial contra a FIFA no Tribunal de Comércio de Bruxelas, em junho, provavelmente terminará no Tribunal de Justiça Europeu em algum momento do ano que vem, e a decisão definirá o próximo passo de todas as partes envolvidas. Os sindicatos de jogadores esperam que isso marque uma diluição dos poderes da FIFA no comando do calendário de jogos internacionais, levando a uma reforma de longo prazo.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.