Seis meses em seis capítulos. O Estadão conta a partir desta terça-feira, passo a passo, os principais fatos em detalhes do período em que Ronaldinho Gaúcho e seu irmão Assis ficaram presos no Paraguai acusados de usar passaportes falsos para entrar no país. Ambos foram detidos no dia 6 de março e só deixaram o Paraguai no último dia 25 de agosto. Quando os dois foram presos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda não havia declarado a pandemia de covid-19. Depois, com as fronteiras fechadas, Ronaldinho e o irmão ficaram isolados, sem receber visita de familiares e sofreram várias derrotas na Justiça até que conseguissem o direito de voltar ao Brasil. Eles foram condenados, mas ganharam liberdade após pagar fiança.
Neste primeiro capítulo, o Estadão mostra como ocorreu a prisão quase que cinematográfica dos brasileiros em Assunção e os primeiros dias de Ronaldinho e o irmão em um presídio de segurança máxima.
CAPÍTULO 1
O drama de um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro começa exatamente às 9h15 da manhã do dia 4 de março, quando Ronaldinho apresenta às autoridades de controle migratório do Aeroporto Silvio Pettirossi, em Luque, no Paraguai, o passaporte n° Q568928 no qual consta que ele é cidadão brasileiro naturalizado paraguaio. O clima era de festa. Muitos fãs foram até o aeroporto para reverenciar Ronaldinho, que chegava ao país para participar do lançamento de um projeto da Fundação Fraternidade Angelical, da inauguração de um cassino e também para promover a sua biografia, Gênio da vida.
O clima festivo, no entanto, cai por terra no mesmo dia, à noite, quando promotores e fiscais do Ministério do Interior vão ao hotel onde Ronaldinho estava hospedado para analisar detalhadamente os documentos do ex-jogador e de seu irmão. Descobre-se, então, que eram passaportes fraudulentos (originais, mas com conteúdo falso). O documento de Ronaldinho havia sido emitido cerca de dois meses antes em nome de María Isabel Gayoso.
Chegou a se considerar que tudo não havia passado de um mal-entendido. Mas a história mudou dois dias depois, quando a Justiça decretou a prisão de ambos. A suspeita do MP era de que Ronaldinho Gaúcho e Assis faziam parte de um amplo esquema de falsificação e lavagem de dinheiro, com a participação de funcionários públicos e políticos.
Já era quase fim de noite quando os policiais entraram em uma das suítes de um dos hotéis mais luxuosos de Assunção para levar os brasileiros à Agrupación Especializada, um quartel da Polícia Nacional adaptado em presídio. No dia seguinte, um sábado, rodou o mundo a imagem de Ronaldinho chegando para prestar depoimento à Justiça algemado, cobrindo os braços com um pano rosa.
Na Agrupación, o ex-jogador e seu irmão passaram a dividir uma cela de 18 m². O local era equipado com duas camas, televisão, geladeira e um ar-condicionado instalado após a chegada da dupla. O banheiro, no entanto, era fora da sala e de uso coletivo. Como a temperatura na capital paraguaia batia os 40ºC em março, Ronaldinho e Assis passavam o dia de bermuda, camiseta, chinelos e cheios de repelente de mosquito por todo o corpo. O presídio fica em uma região arborizada, próxima do Rio Paraguai, e havia muitos insetos naquela época do ano.
Nos primeiros dias de cárcere, Ronaldinho se recusava a comer a mesma refeição servida aos outros quase 200 detentos e só se alimentava com a comida de restaurantes levada pelos seus advogados. Depois, no entanto, passou a ir com frequência ao refeitório da cadeia e até participava de partidas de futebol e futevôlei na cadeia. Em um dos jogos, atuou no time de Fernando Gonzalez Karjallo, ex-dirigente do Sportivo Luqueño preso por lavagem de dinheiro. A equipe de Ronaldinho venceu por 11 a 2, com cinco gols e seis assistências do brasileiro. Na comemoração, o ex-jogador não se furtou em posar sorridente para fotos com os companheiros de cárcere.
Antes de o governo paraguaio ter implantado a quarentena no presídio, com proibição de vistas numa tentativa de evitar a disseminação do coronavírus, era comum Ronaldinho Gaúcho receber colegas que conquistou no futebol. Um deles foi o ex-zagueiro Gamarra. Outro foi o jogador paraguaio de futevôlei Fernandito Lugo. Ele conheceu Ronaldinho em um torneio disputado no Rio e foi prestar solidariedade ao brasileiro. "Ronaldinho parece bem. Está em um lugar bem equipado, não lhe falta nada. Ele é uma boa pessoa", disse Lugo, à época, ao Estadão.
Com a proibição de visitas, o horário das atividades recreativas e esportivas foi ampliado. Ronaldinho e os demais presos podiam se exercitar ao ar livre duas vezes ao dia, pela manhã e à tarde, e o brasileiro passou a ser ainda mais requisitado. Ao Estadão, o comissário Blas Vera, chefe da Agrupación, contou que os outros detentos costumavam bater na porta da cela para buscá-lo para jogar futebol. Começaram a circular nas redes sociais, cada vez com mais frequência, fotos e vídeos do brasileiro praticando esportes na cadeia.
No campo jurídico, no entanto, Ronaldinho não enfrentava um bom momento. Foram negados dois recursos apresentados pelos seus advogados de transferência para prisão domiciliar. Nem mesmo a alegação de que o seu irmão tinha problemas no coração e, por isso, precisava de cuidados médicos especiais convenceu os juízes.
Seu consolo era que, por não ser uma cadeia comum, e sim um quartel transformado em presídio de segurança máxima, era permitida a entrada de aparelhos celulares na Agrupación Especializada. Dessa maneira, Ronaldinho e o irmão mantinham contato com familiares no Brasil, inclusive por videochamadas.
SEGUNDO CAPÍTULO
Nesta quarta-feira, o Estadão mostrará como, no mês de abril, Ronaldinho e o irmão, enfim, tiveram uma boa notícia e convenceram as autoridades paraguaias a permitirem que ambos fossem transferidos da cadeia para um hotel no centro de Assunção a fim de cumprir prisão domiciliar.
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