Jogadores em campo sem receber salários, só em troca da aparição. Permutas com supermercados para o fornecimento de comida. Dirigentes preocupados, “rezando” para que os uniformes dos elencos não rasguem e não seja preciso comprar novas peças. Viagens sem precisar de pernoite em hotéis. O mais baixo escalão do Campeonato Paulista, a quarta divisão, terá início em outubro e mais do que nunca cada centavo poupado importa para os clubes. Se a pandemia do novo coronavírus impactou até times da Série A do Brasileirão, longe das cifras milionárias o futebol sobrevive pela paixão e não pela lógica.
Na quinta-feira a Federação Paulista de Futebol (FPF) se reuniu com os times interessados na disputa para definir detalhes financeiros e de organização. Vão participar do torneio 35 clubes. Todos se comprometeram a atender os protocolos de segurança contra o coronavírus. Os procedimentos chegam a dobrar o custo mensal de algumas equipes. Será preciso bancar duas rodadas de exames PCR, ao custo de R$ 7 mil cada, contratar duas ambulâncias por partida e gastar com jogos extras de uniforme – é obrigatório cada equipe trocar o conjunto completo no intervalo.
O Estadão conversou nos últimos dias com representantes de dez equipes da divisão mais “raiz” do futebol paulista para entender os desafios e como cada uma delas vai lidar com um torneio sem a presença de público e que só pode ter atletas até 23 anos. As histórias revelam até que, pela situação crítica, alguns times não vão pagar salários. Os jogadores vão entrar em campo em troca da “vitrine”. O Estadual terá as partidas transmitidas online pela plataforma MyCujoo.
A FPF acertou com os times uma série de alterações na organização para diminuir os gastos. A entidade não vai cobrar taxas de inscrições e se compromete a pagar quatro das seis rodadas de testes obrigatórios para o novo coronavírus durante a primeira fase. Caso uma equipe não possa atuar na própria cidade, terá a viagem custeada. Em vez de cotas de participação, a FPF vai concentrar os recursos nessas despesas, até porque vários clubes se encontram com as contas bloqueadas e não conseguiriam receber transferências bancárias.
“Somos um futebol raiz, um futebol de amor e sem glamour. Eu sou um maluco assumido. Uma pessoa racional não faria o que faço no futebol”, resumiu o presidente do Manthiqueira, Dado de Oliveira. No Mauá, o presidente Vágner Tegi prevê gasto bem maior que o do ano passado. “Mesmo pagando salário mínimo, nosso custo operacional por mês era de R$ 45 mil. Agora pode chegar perto de R$ 100 mil”, comparou.
O Flamengo, de Guarulhos, cogitou não participar. “Eu tinha assumido um compromisso com os patrocinadores. Se não jogássemos, teríamos de devolver o dinheiro. Devemos ter um custo até 50% maior do que o previsto”, contou o presidente da equipe, Caio Soler. Como para cada jogo este ano é preciso ter duas ambulâncias em vez de uma, o clube deve gastar até R$ 1 mil somente com essa despesa extra.
UNIFORME
No extremo oeste de São Paulo, o Andradina sofre com uniformes. A obrigatoriedade de os jogadores trocarem camisas, calções e meias no intervalo como medida de precaução forçou o time a fazer novas encomendas. “Para nós vai sair uns R$ 5 mil a mais esses uniformes. Depois de cada jogo a gente lava e usa de novo no próximo. Tomara que nenhum rasgue”, contou o diretor de futebol, Gustavo Brasil.
Para as refeições dos atletas, o clube fechou acordo com um supermercado para o fornecimento de alimentos.
O tradicional Rio Branco, de Americana, ficou satisfeito ao saber que ao menos na primeira fase os grupos vão reunir times de uma mesma região. A medida serve para diminuir custos de deslocamento e dispensar hospedagem, já que jogando perto as delegações podem viajar no dia da partida.
“Quando tem jogo em cidade distante, a gente gasta ainda mais, porque ficamos horas na estrada e precisamos parar em algum lugar para comer”, explicou o presidente do Conselho Deliberativo, Éder Duarte. O clube terá um elenco com teto salarial de R$ 3 mil.
Embora as dificuldades sejam tamanhas, a sensação de todos os dirigentes é de que, apesar de tudo, a bola tem de continuar a rolar. “Eu levo o clube com todas essas dificuldades porque tenho amor ao futebol. Se quisesse arrumar dinheiro, arrendava o clube. Eu passo aperto, mas não abro mão”, admite o presidente do Manthiqueira, Dado de Oliveira.
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