Para Daniel Alves, ficar no São Paulo, mesmo com salário atrasado, pode levá-lo para a Copa do Catar

Não há interesse da parte do atleta de romper o contrato de mais dois anos porque ele quer continuar na mira de Tite; clube sente-se enfraquecido e não desistiu ainda de achar parceiros para bancá-lo

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Foto do author Robson Morelli
Atualização:

Se Daniel Alves quer ficar no São Paulo, que fique. Mas as condições da parceria entre o jogador de 38 anos e a administração do São Paulo devem ser revistas. Isso está em marcha. O jogador não recebe em dia todos os seus direitos, tampouco é pago pelos novos acertos feitos com a diretoria dos atrasados. Da mesma forma, nas condições em que a dobradinha se encontra, Dani colocou outros projetos na frente, um deles foi disputar a Olimpíada de Tóquio. O outro, já em andamento, é voltar a vestir a camisa do Brasil numa Copa do Mundo. O clube não tem o que fazer, sente-se enfraquecido e precisa de tempo.

A um ano do Mundial do Catar, ele voltou a ser lembrado pelo técnico Tite, e se não aparecer outro lateral-direito melhor e de mais vigor, Daniel Alves estará no grupo brasileiro. Isso é ótimo para sua carreira. Mas não é tão bom para o São Paulo, clube com o qual tem contrato por mais duas temporadas e de onde não quer sair, de acordo com pessoas que trabalham diretamente com o atleta.

Daniel Alves na eliminaçãocontra o Palmeiras pela Copa Libertadores. Foto: Nelson Almeida/AP

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Daí a necessidade de rever os acordos. O São Paulo se sente enfraquecido. Ela não pode ser somente interessante para uma das partes. Ocorre que o jogador não deixou de trabalhar nenhum dia, tem cumprido suas agendas e não dá motivos para qualquer rescisão unilateral. É um profissional na concepção da palavra. No caso, quem não honra o combinado é o São Paulo. O presidente Julio Casares assumiu o clube com todas as suas receitas, mas também com seus passivos. A dívida do clube gira em torno de R$ 580 milhões. Precisaria de mais de cinco temporadas para quitar, isso sem gastar o que gasta.

Nunca houve interesse de zerar suas dívidas. A conta vai para o fim da fila quando o dinheiro entra. Os últimos presidentes gastaram com outras coisas e sempre reservaram parcela pequena do montante arrecado para reduzir o que deve com ações trabalhistas e fornecedores.

Repatriado e caro

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O caso de Daniel Alves é típico. Jogador repatriado, vencedor e caro. Sua contratação foi para ajudar o time a ganhar torneios, mas também para fazer barulho com a torcida, movimentar paixões, mesmo que para isso o clube fosse estourar suas contas. O São Paulo ainda não está no banco dos réus em relação aos contratos feitos e assinados com Daniel Alves, mas pode chegar lá. São 12 milhões atrasados. Dinheiro de uma vida. Para bancá-lo, o então presidente Leco e seus pares, inclusive o atual mandatário do clube, Casares, apostaram na parceria de empresas dispostas a ajudar em troca do uso da imagem do jogador e do clube, placas publicitárias e anúncios. Nada disso deu certo. Nada saiu ainda do papel. E não foi somente por causa da pandemia e do fracasso da economia do governo do presidente Jair Bolsonaro. Não houve interesse.

Situação parecida viveu o Corinthians em relação ao batismo do seu estádio em Itaquera. O clube ficou mais de cinco anos correndo atrás de uma empresa para pagar os R$ 400 milhões iniciais que pretendia. Não encontrou. Baixou a pedida para R$ 300 milhões pagos em 20 anos para fechar com a Neo Química.

Júlio Casares, presidente do São Paulo. Foto: Rubens Chiri/São Paulo FC

O São Paulo perdeu o bonde com Daniel Alves. Cada mês que passa fica mais difícil encontrar uma marca que queira patrocinar o jogador. Segundo afirmou o diretor de marketing do clube, Eduardo Toni, a diretoria entende a dificuldade de encontrar interessados tanto tempo depois da apresentação do atleta, mas continua prospectando possíveis parceiros.

"O Daniel é um dos grandes ativos do São Paulo, como é o Miranda, o Crespo... Tem uma imagem internacional que agrega valor ao clube. Entendemos que o grande momento para que fosse criado foi na chegada dele, em 2019. Por uma série de questões, isso não foi realizado com sucesso", disse. "Hoje ainda buscamos projetos, temos negociações, falamos com os empresários dele, temos gente no mercado prospectando. É mais difícil pelo timing, mas ainda queremos buscar recursos usando a imagem do Daniel."

Falta interessado

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Olhando para o mercado brasileiro, há mais motivos para não fechar com o São Paulo do que fechar. As Bolsas de Valores despencam e não se firmam. O dinheiro só desvaloriza. Há quase 20 milhões de desempregados no Brasil que não consomem futebol. Os times estão fracos e os torneios continuam sem público por causa da pandemia. E ainda a economia vive assombrada com a volta da inflação dos anos 80. Tudo isso faz com que os empresários puxem o freio de mão e trabalhem com o básico em suas atividades e produções. Há uma enorme incerteza dos caminhos do país até as eleições de 2022. Quem tem dinheiro, segura.

Ou seja, desde 2019, quando Daniel Alves foi apresentado como astro de rock no Morumbi, nada andou. O São Paulo acumula dívida mensal com o jogador, mesmo pagando parte do que combinou com ele. Advogados das partes já entraram em cena e renegociaram a forma de pagamentos atrasados. Era para ter sido quitado nos meses de junho e julho. "Claro que existe um descompasso na relação. Não fomos nós que contratamos o Daniel. Se você falar se vale, se não vale, o salário, nós temos de fazer uma análise mais ampla da economia do Brasil, do futebol no Brasil, da situação pré-pandemia, pós-pandemia, que ainda vai perdurar", disse Casares meses atrás. "Todos os aspectos financeiros de equilíbrio desta relação serão colocados com o diálogo. Nós sabemos que temos pendências."

A parceria estremeceu a ponto de Daniel fazer comentários que não repercutiram bem nos corredores do Morumbi. O clube "falhou" com ele, foi assim que se referiu aos pagamentos não feitos após desembarcar do Japão com a medalha olímpica de ouro no peito. O São Paulo não teve coragem de proibir o atleta, com quem tem contrato, de aceitar a convocação da seleção olímpica, enquanto outros clubes negaram doar seus jogadores. Na Europa, a maioria deu de ombros para a necessidade de André Jardine. O Flamengo disse não e tirou o atacante Pedro da lista. Daniel simplesmente avisou que iria para Tóquio disputar os Jogos Olímpicos. E foi.

A relação azedou, mas é suportável. Não se sabe até quando. Da parte do São Paulo, tudo é tratado internamente. Mas foi dito recentemente que não há qualquer promessa ao jogador. E assim ele vai ficando. E assim o clube vai levando. O contrato acaba em dezembro de 2022.

Lateral de novo

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Depois de pedir para atuar no meio de campo, Daniel mudou de ideia em seu reposicionamento e agora aceita jogar pela direita, onde sempre brilhou. Usar a camisa 10 é dessas invenções que jogador brasileiro põe na cabeça quando volta da Europa. Todos querem ser 10. Daniel Alves então aceitou sua origem? Não é bem assim. Ele voltou a correr pelas beiradas porque sabe que é por esse caminho que deve disputar a próxima Copa do Mundo. Tite já o convocou para as próximas três partidas do Brasil pelas Eliminatórias, contra Chile, Argentina e Peru. Como lateral.

Tite e Daniel Alves esperam repetir a parceria na seleção na Copa do Mundo de 2022, no Catar. Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Daniel poderia atuar na Espanha de novo. Houve sondagem do Valencia. Há outros clubes interessados. Messi, quando chegou ao PSG, citou seu nome como exemplo a ser seguido na carreira longa e vitoriosa. Não é pouco. O craque argentino poderia ter citado dezenas de outros jogadores, mas pronunciou o nome de Daniel Alves. Ocorre que o lateral camisa 10 vai permanecer no São Paulo por um único motivo: a Copa do Mundo do Catar. Qualquer mudança de clube nesse momento poderia prejudicar seu projeto. Como dinheiro não deve ser problema para um profissional que se fez na Europa, quando o Barcelona não tinha problemas financeiros, ele fica no Morumbi mesmo sem receber o que deveria. Não vai chiar. Quer ficar na mira de Tite. É seu mais novo projeto após o ouro olímpico.

O São Paulo, portanto, tem um ano para se programar melhor, encontrar no mercado novos parceiros, vender jogador e usar o dinheiro para quitar sua dívida com Dani. Sem pagar não vai ficar. O clube não está parado. Desde o início do ano, Casares e sua diretoria têm montado planos de redução de despesas. O presidente organizou um comitê financeiro de trabalho para atuar na renegociação com credores e estuda alternativas para incrementar receitas de patrocínio e do sócio-torcedor.

Novos parceiros no clube

Em junho, o São Paulo anunciou a assinatura de contrato de patrocínio com a ABC da Construção, rede varejista de materiais de acabamento para construção. O acordo prevê a exposição da marca da empresa na parte de trás do calção do futebol masculino e nas mangas do futebol feminino até janeiro de 2023. No mês passado, Casares firmou acordo com o site sportsbet.io, especializado em apostas esportivas.

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A marca vai estampar sua marca no espaço mais nobre da camisa tricolor. O acordo tem validade pelos próximos três anos e meio, até o fim de 2024. A diretoria não revela valores, mas diz que teve aumento de 400% em relação ao parceiro anterior.  "Não temos dinheiro para nada e todo mundo sabe disso. Encontramos o clube muito mal financeiramente", disse o coordenador técnico Muricy Ramalho no começo do ano, quando retornou ao Morumbi.

Daniel Alves e Julio Casares, presidente do São Paulo. Foto: Divulgação/Julio Casares

Daniel Alves foi um dos jogadores-propaganda da nova dobradinha. Além das dívidas revistas, jogadores estão deixando o elenco, como ocorreu com Hernanes, de forma bem natural. São gastos a menos no São Paulo e mais dinheiro para pagar suas pendências.

Com a volta do torcedor marcada para novembro, de acordo com o governador João Doria, há a perspectiva de contar com o dinheiro de bilheteria. Flamengo e Atlético-MG registraram R$ 2 milhões em partidas da Libertadores com público reduzido. Os clubes estão ávidos por esse retorno, de modo que São Paulo e Daniel Alves têm caminhos e interesses mútuos para levar essa parceria até a data assinada, dezembro de 2022.

Nessa trama, há apenas um problema: a torcida. O são-paulino já não compra mais a ideia de ter em Daniel Alves seu grande astro, o cara que vai levar o time a ser conhecido no mundo, como ele mesmo disse. Sem a torcida do seu lado, tanto o presidente Casares quanto o próprio jogador correm o risco de perder noites de sono até que tudo se resolva e um desfecho seja encaminhado.