Por que as camisas de times de futebol no Brasil são tão caras?

Clubes, marcas de material esportivo e especialistas ouvidos pelo ‘Estadão’ apontam os fatores que formam o preço dos itens e explicam se há margem para redução dos valores

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Foto do author Marcos Antomil
Atualização:

Colecionador de camisetas de futebol, João Crumo exibe com orgulho as cerca de 140 peças reunidas em sua casa, na cidade de Taubaté, após anos de garimpo e muito dinheiro desembolsado. Houve um momento, durante 2021, em que percebeu estar gastando demais e passou a recorrer a sites chineses que oferecem réplicas a preços muito baixos. Hoje, esse tipo de produto representa pouco mais de um terço de sua coleção.

“Devo ter, hoje, cerca de 100 originais e 40 de ‘segunda mão’”, explica Crumo, que é jornalista e tem 30 anos, ao Estadão. A mudança no comportamento como consumidor se deu em razão dos valores das camisas, os quais considera demasiadamente altos. “Hoje, no Brasil, é impossível gastar R$ 350 ou R$ 400 numa camisa. O preço, infelizmente, foi o principal motivo para eu migrar”, conclui.

Torcedores colecionam camisas de times de futebol do Brasil, mas preços os fazem buscar mercados alternativos. Foto: João Crumo/Arquivo pessoal

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O colecionador não tem frequência certa para as compras, mas tenta aproveitar o lançamento de modelos novos para adquirir as edições da temporada anterior. A versão torcedor da camisa do Corinthians de 2023/2024, por exemplo, custa R$ 299,99. Com a proximidade do lançamento do modelo 2024/2025, o preço caiu para R$ 170,99.

Crumo também dá prioridade à compra de camisas com patches de títulos, quando seu time, o Palmeiras, é campeão. Quanto às edições especiais ou comemorativas, prefere buscar em canais oficiais. “Mas, claro, sempre vejo o preço. Eu nunca pagaria mil reais em uma camisa. É irreal, pelo menos para mim, os valores de hoje”.

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A atual camisa 1 do Palmeiras, versão torcedor, é comercializada a R$ 369,90 na loja oficial do clube. Crumo comprou uma réplica por R$ 59,90, preço impraticável para as grandes empresas de material esportivo. Afinal, o que impede que as camisas de futebol sejam mais baratas?

Impostos compõem boa parte do valor

O preço pago pelo consumidor final de camisas de futebol é bastante influenciado pela tributação. A venda está sujeita ao ICMS, que depende de cada Estado e pode começar com uma alíquota de 17% e atingir, normalmente, a casa dos 20%. Há, ainda, outras variáveis relacionadas às particularidades de cada empresa.

“As próprias fábricas de camisas e as lojas (físicas ou virtuais) recolhem seus próprios impostos sobre a renda, receita e sobre a folha de pagamento (a depender do regime jurídico que estão submetidas), custos que acabam sendo repassados no preço e que sequer nos permitem saber, exatamente, quanto de imposto o consumidor está pagando”, explica Livia Heringer, advogada do Ambiel Belfiore Gomes Hanna Advogados e especialista e mestra em direito tributário.

A Associação pela Indústria e Comércio Esportivo (Ápice), formada pela união de empresas nacionais e internacionais do setor, estima entre 35% e 40% o total de carga tributária sobre uma camisa de futebol de clubes nacionais. No caso de produtos estrangeiros, pode chegar a 50%.

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Uniformes 1 e 2 do Palmeiras foram lançados em janeiro pela Puma. Foto: Divulgação/ Palmeiras

“É muito carregado e influencia diretamente, claro, no preço do produto para o consumidor final, na prateleira. É um nível, inclusive, mais alto do que nós encontramos em outros países. Isso influencia, sim, o preço final do produto. E, claro, influenciando o preço final do produto, também traz um impacto sobre a pirataria”, pontua Renato Jardim, diretor executivo da Ápice.

“Quanto mais alto for o preço do produto original e, portanto, esse preço influenciado pela tributação, maior a diferença dele para o produto pirata. E aí, é maior a necessidade, digamos assim, de o consumidor que buscar o produto acabar caindo na compra do produto pirata”, completa.

Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM, também lembra do alto custo do transporte. “O aumento de preços ao consumidor final pode estar ligado ao aumento do custo de produção e cadeia do varejo até chegar às mãos do torcedor”, afirmou.

Há como diminuir o valor das camisas?

Renato Jardim entende que a possível diminuição do valor passa por uma fiscalização mais precisa no combate à pirataria e por um processo de readequação tributária. “Ter um sistema tributário e ter um ‘custo Brasil’, em geral, mais adequado, mais alinhado às práticas internacionais, fará com que a diferença de preço do produto original e do produto pirata seja menor e, com isso, muito provavelmente diminua a incidência de pirataria”, diz.

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“A mesma coisa em relação à fiscalização, que envolve órgãos estaduais, federais e municipais. Precisam atuar de forma coordenada e alinhada. As coisas acabam ficando um pouco difusas.. Quem é o vendedor? Quem é o responsável? A plataforma de marketplace? Aquele que oferece? Enfim, tudo isso precisa ser melhor regulado, melhor previsto na legislação. E com isso, tenha melhor identificação e penalidade para os efetivos responsáveis”, completa.

Sobre a questão dos impostos, Livia Heringer vê a atual situação longe do cenário ideal para que ocorra a diminuição dos valores. “Hoje, não há espaço para uma redução. Ainda mais depois da aprovação da PEC da reforma tributária, que acabará com o ICMS, ISS, PIS e COFINS, substituindo-os pelo IBS e CBS, que terão alíquota única para todos os produtos comercializados dentro de um mesmo município. Ainda, as fábricas de camisas (indústria têxtil) usufruem da desoneração da folha, permitindo que o setor pague uma contribuição sobre a receita bruta de 1% a 4,5%; em substituição à contribuição de 20% sobre a folha de salários.”

Como os clubes se posicionam?

As marcas costumam comercializar ao menos dois modelos de suas camisas: a versão torcedor, com escudo bordado e menos aplicação de tecnologia, e a de jogo, idêntica, à utilizada pelos atletas em campo. Essa segunda versão traz os valores mais exorbitantes. A camisa de jogo do Palmeiras é vendida a R$ 499. A do Flamengo, ainda mais cara, custa R$ 599.

Para baratear o custo, alguns clubes e fornecedoras de material esportivo têm apostado numa terceira opção, de qualidade um pouco inferior. A Puma, responsável pelo uniforme palmeirense, disponibiliza a versão estádio (R$ 179,90), enquanto a Adidas, fornecedora de Flamengo, Internacional, Atlético-MG e Cruzeiro, tem a linha fan jersey (R$ 179,99).

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(A linha ‘Fan Jersey’) É quase 50% do valor de uma camisa de jogo”, diz Nelson Pires, vice-presidente de marketing do Internacional. Gustavo Oliveira, vice-presidente de comunicação e marketing do Flamengo, ressalta a importância da ação. “Vamos ampliar ainda mais a gama de produtos oficiais do Flamengo, disponibilizando um grande portfólio de produtos de qualidade para atender aos nossos milhões de torcedores”, explica.

Raphael Campos, vice-presidente de planejamento do Sport, afirma que o clube do Recife, patrocinado pela Umbro, tenta agregar receita sem tirar de vista a popularização da modalidade. “As margens das fornecedoras estão cada vez mais apertadas em função da dificuldade de combater pirataria, e os clubes acabam ficando, de certa forma, reféns disso. Entendemos o momento do mercado, não podemos perder receita, mas, de certa forma, precisamos popularizar o futebol”, afirma.

Para combater a pirataria, o Fortaleza chegou a oferecer um desconto de R$ 10 para quem apresentasse uma camisa falsa na compra do modelo original, em 2019. “A venda de produtos oficiais entra como uma receita bem importante. É preciso entender que não se está vendendo apenas a camisa. Produtos contribuem para montar um elenco de ponta”, diz o diretor de comunicação e marketing do Fortaleza, Marcel Pinheiro.

O que dizem as marcas de material esportivo

Procuradas pelo Estadão, algumas das principais marcas de material esportivo que apoiam os clubes da elite do brasileiro se posicionaram sobre os preços dos itens vendidos a torcedores. A Puma, atual fornecedora do Palmeiras, aponta que está comprometida com práticas justas que acompanham a regulamentação do mercado. A empresa destaca que possui três versões de camisas sendo comercializadas.

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“A Puma é uma empresa comprometida globalmente com práticas de mercado justas para todos, seguindo rigorosamente a regulamentação de cada mercado onde atua. Hoje a Puma do Brasil apresenta ao mercado três versões diferentes das camisas de jogo que são vendidas ao consumidor na ocasião do lançamento a partir de R$179,90: estádio, torcedor e jogador. As camisas Jogador (R$499,90) são exatamente o mesmo produto usado nos jogos pelos atletas e oferecem a melhor tecnologia da Puma no mundo, com foco extremo na performance dos atletas. Os modelos Torcedor (R$ 369,90) e Estádio (R$179,90) acompanham de forma adaptada a evolução do material utilizado pelos jogadores”, escreveu a empresa.

Já a New Balance - que passou a fornecer material para o São Paulo nesta temporada, de forma exclusiva, após o fim do contrato que tinha com o Red Bull Bragantino - aponta que, além das camisas, possui outros itens em seu portfólio e que existe uma diferenciação dos preços de acordo com cada modelo.

A New Balance passou a fornecer material esportivo ao São Paulo nesta temporada. Foto: Divulgação/São Paulo Futebol Clube

“A estratégia de precificação das camisas e de todos os itens da coleção é composta de uma série de variáveis, como o material e a tecnologia empregados na produção das peças, além de fatores comerciais e de marketing. Por fim, a New Balance reforça que está sempre atenta às demandas e aos desejos dos torcedores do São Paulo Futebol Clube e que novos itens da coleção serão lançados ao longo da parceria”, afirmou a empresa.

A Nike também destaca a existência de diferentes modelos e preços das camisas do Corinthians e de outros clubes com os quais tem acordo e explica quais fatores são levados em consideração na atribuição dos valores dos produtos. “O preço envolve uma série de custos associados à sua tecnologia, tributação e logística, entre outras variáveis. Hoje, a Nike oferece ao consumidor a versão ‘Torcedor’, com o mesmo design, porém mais acessível que a versão ‘Jogador’, que possui a tecnologia Dri-FIT ADV, a mais avançada plataforma da Nike para peças de vestuário para futebol”.

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