O contrato que transformou a Portuguesa em Sociedade Anônima do Futebol (SAF) está assinado desde novembro do ano passado, quando foi aceita a proposta de Tauá Partners, Revee e XP Investimentos para comprar 80% das ações do clube em troca de um aporte de mais de R$ 1 bilhão. Só que, três meses depois, o negócio pode ruir, o tradicional time paulista ficar sem investidores e decretar falência.
A Portuguesa corre esse risco porque a SAF ainda não foi homologada, embora a Assembleia de Sócios tenha aprovado a transformação do modelo associativo para o empresarial no fim do ano passado.
Na prática, sem a oficialização da SAF, a Portuguesa não pode registrar novos atletas, nem receber cotas de televisão, valores de premiação etc. A Portuguesa SAF, para a Federação Paulista de Futebol (FPF) e para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), não existe, mesmo após R$ 9 milhões investidos pelos acionistas em três meses.

Ocorre que a política interna pode prejudicar o clube. Explica-se: trecho da ata da Assembleia Geral de Sócios, realizada em novembro do ano passado, impede que o grupo de acionistas possa assumir definitivamente o futebol do time paulista. Marcos Lico, presidente da assembleia, e que é filho de Ilídio Lico, ex-presidente da Portuguesa e uma figura relacionada com a política do clube há vários anos, alega a existência de ressalvas feitas pelo Conselho de Orientação Fiscal (COF) para não referendar o processo de venda definitiva da SAF.
O cartola, que em 2014 tirou a Portuguesa de campo em duelo da Série B contra o Joinville, diz que o resultado só será homologado se as ressalvas levantadas pelo COF forem aceitas pelos investidores, que, porém, defendem que essas recomendações foram contempladas no contrato assinado entre as partes.
Não podemos aceitar que as coisas continuem como estão. Não temos segurança jurídica para seguir no projeto, continuar investindo. Se não chegarmos a uma solução será necessário sair, e isso será catastrófico para a Portuguesa
Alex Bourgeois, CEO da Portuguesa SAF.
A SAF e a diretoria da Portuguesa entendem que a ata da assembleia geral desrespeita o estatuto do clube e que não deve ter validade. A argumentação é de que o COF é um órgão de consulta e dá um parecer, que pode ser seguido ou não. “A ata da Assembleia Geral foi uma decisão unilateral e está dificultando todo o processo”, alega Bourgeois.

Dias antes da aprovação da SAF, o COF enviou uma nota ao presidente Antônio Carlos Castanheira, em que aponta temor de que os investidores no clube não atendam alterações solicitadas no negócio. Na avaliação do conselho, isso seria prejudicial no longo prazo e representaria incerteza sobre investimentos.
O COF contratou o escritório do ex-presidente do Cruzeiro, Sérgio Rodrigues, responsável por viabilizar a venda do clube mineiro a Ronaldo Fenômeno em 2021. O escritório aprovou o contrato com algumas ressalvas, que foram, segundo a SAF, atendidas pela Tauá. As ressalvas foram enviadas ao COF no dia 26 de novembro, três dias antes de o contrato ser assinado, e o comitê não se manifestou.
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Só que Lico quer que a proposta da SAF seja mais uma vez analisada pelo COF para, então, homologar a proposta.
“Fiz tudo dentro do estatuto e conversando com presidente do COF, presidente do conselho e presidente do clube”, defende- Lico, em contato com a reportagem. “Venho cobrando a diretoria diretamente e o presidente de que precisávamos regularizar a SAF. Nunca falei em derrubar a SAF. Continuo à disposição para conversarmos e regularizarmos o que for preciso”.
Todos os envolvidos planejam uma nova reunião nos próximos dias. O presidente da assembleia acredita em uma “resolução tranquila, dentro da lei e com documentos que tenham base”. Mesmo pensamento tem Antônio Carlos Castanheira, presidente do clube. “Estamos agindo, vai dar tudo certo”, crê o dirigente. Ele rebateu Lico ao afirmar que os ajustes pedidos foram feitos e incluídos no contrato.
“A Diretoria Executiva encaminhou ao COF, de forma comprovada, toda a documentação pertinente, incluindo as ressalvas que foram atendidas ao longo das tratativas. No dia 21/11, os contratos e anexos foram enviados por e-mail a todos os poderes, incluindo o COF, e, no dia 26/11, foi encaminhado um quadro comparativo detalhando as alterações realizadas antes e depois do atendimento das ressalvas, com o objetivo de facilitar a visualização pelo COF. O Departamento Jurídico da Portuguesa, após criteriosa análise, emitiu parecer final favorável à assinatura do contrato, cuja concretização foi amplamente celebrada pela comunidade lusitana”, afirmou, em nota, a diretoria executiva do clube.
“O contrato é válido e está sendo cumprido fielmente por ambas as partes. A Portuguesa atravessou momentos de grande dificuldade, quase chegando à extinção, mas agora, com este projeto, surge uma nova esperança e a expectativa de que o clube retome sua trajetória de sucesso e conquiste novamente grandes momentos”.
Risco de falência
O grupo de investidores à frente da SAF da Portuguesa entende que não há segurança jurídica para se manter no projeto porque, sem a formalização da SAF, todos os ativos de futebol estão presos ao clube social. Os empresários colocaram R$ 9 milhões na equipe e fizeram a promessa de investir mais R$ 21 milhões até o fim deste ano.
Os acionistas têm esperança de que o problema seja resolvido internamente. Se isso não acontecer, a alternativa é recorrer à Justiça. A outra, mais radical, é desistir do negócio, o que possivelmente já teria ocorrido não fosse a proximidade do grupo com o presidente Castanheira e os membros do Conselho Deliberativo.
A Portuguesa tem uma dívida de R$ 550 milhões, que está sob controle porque o clube está em processo de recuperação judicial. Se Tauá, Revee e XP largaram o projeto, será decretada falência pela Justiça, algo que nunca ocorreu como um time de futebol profissional.
Cobrança dos sócios
Parte dos sócios da Portuguesa se reuniram para cobrar de Lico a retificação da ata da Assembleia Geral. Em uma notificação extrajudicial, eles argumentam que a conduta do presidente da assembleia caminha na contramão do que prevê o estatuto e do que foi deliberado pelos sócios, “configurando abuso de poder e um atentado contra a democracia interna do clube”.
Os sócios exigem a convocação de uma nova assembleia geral para retificar a ata da antiga assembleia, oficializar a votação e, consequentemente, a homologação da SAF. Essa notificação deve ser entregue nesta quarta-feira, 5, a Lico.
“Caso essa medida não seja adotada, os sócios tomarão todas as providências judiciais cabíveis para corrigir essa ilegalidade e responsabilizar pessoalmente cada um daqueles que insistem em prejudicar a Portuguesa”, diz trecho do documento.
Esses sócios acreditam que Lico “age para levar o clube à ruína”, dizem não suportar mais “manobras pessoais de pessoas que querem ver a destruição do clube” e prometem lançar mão de “todos os meios cabíveis para proteger o futuro da Portuguesa”.