Pressão por resultados e exposição em excesso opõem técnicos e árbitros na beira do campo

Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, é apenas o exemplo do momento de uma relação que sempre foi bastante tensa no futebol

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Por Toni Assis, especial para o Estadão
Atualização:

A cena tem sido cada vez mais recorrente no Brasil. A cada infração, o quarto árbitro é o primeiro a ser pressionado por treinadores e integrantes da comissão técnica. Enquanto isso, no campo, invariavelmente o árbitro precisa conter o ânimo de atletas também exaltados, querendo “ter razão” nas disputas mais ríspidas. A final da Supercopa deste ano, em Brasília, não fugiu a essa tendência. Sete gols foram marcados em um jogo emocionante, com o Palmeiras sendo campeão nos 4 a 3 sobre o Flamengo. Os holofotes, no entanto, iluminaram quem estava fora das quatro linhas. Ao chutar o microfone e dar uma trombada no flamenguista Arrascaeta, o técnico Abel Ferreira trouxe para o debate o destempero que cada vez mais ganha espaço na atmosfera que domina os campos de futebol por aqui.

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Embora seja um dos símbolos dessa linha de comportamento, o irritadiço treinador palmeirense está longe de ser o único a se utilizar de gritos e chiliques. Contemporâneo de Abel, Fernando Diniz também é conhecido pelo pavio curto. Odair Hellmann demonstrou o mesmo descontrole no clássico entre São Paulo e Santos no último domingo. Nomes consagrados no cenário nacional como Vanderlei Luxemburgo, Mano Menezes, Emerson Leão e Luiz Felipe Scolari ajudam a engrossar essa lista de comandantes intempestivos ao longo de suas carreiras.

Pressão, catimba, falta de educação, atuação dos juízes, intensidade do jogo e presença de câmeras de TV com foco na área técnica, foram algumas das características apontadas por profissionais do futebol em conversa com o Estadão. Eles destacaram alguns pontos que vêm transformando jogos em verdadeiras “batalhas mentais”.

Para René Simões, técnico com passagem por grandes clubes do Brasil e também pela seleção brasileira feminina, é necessário mudar a mentalidade do futebol brasileiro. “John Wooden, um dos técnicos com mais títulos no basquete universitário americano, fala em seu livro ‘They call me coach’, que o grande líder é aquele que lidera pelo exemplo. Temos de refletir que exemplo somos e o que desejamos passar para nossos jogadores e torcedores. A inteligência emocional é a soma de três componentes: motivo, ocasião e intensidade.”

Abel Ferreira foi o personagem principal da final entre Palmeiras e Flamengo Foto: Cesar Greco / Palmeiras

O treinador chegou a ilustrar uma situação semelhante à que protagonizou Abel Ferreira, na decisão entre Flamengo e Palmeiras, para explanar a importância de um líder na beira do campo e a mensagem que passa com suas atitudes. “Saio chutando microfones e falando palavras de baixo calão ofendendo o árbitro. Então, sou expulso. É intensidade fora de contexto. Assim, em todos os casos, o líder demonstrou falta de inteligência emocional exemplar e seus liderados não devem segui-lo”, afirmou.

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EXPOSIÇÃO DA MÍDIA

Em tempos de tecnologia, os treinadores têm sido vítimas dessa globalização e imediatismo provocados pela exposição em excesso. Eduardo Cillo, psicólogo do esporte e coordenador de psicologia esportiva do COB, explica que implementações como o VAR, por exemplo, modificaram a dinâmica de trabalho. “Os técnicos hoje estão expostos não só dentro de campo, mas fora dele também. Tudo o que eles vêm a fazer acaba sendo monitorado em toda a sua vida pública. O comportamento acima do tom à beira do campo, além de inflamar jogadores e torcida, acaba sendo um recurso para pressionar a arbitragem. Contra isso, os juízes precisam ter postura assertiva, não agressiva, para conter esses excessos”, explicou.

Uma medida para combater essa linha de tensão que vem marcando o relacionamento à beira do gramado teria de partir de uma atuação conjunta dos clubes. Ainda segundo o psicólogo, a arbitragem também teria de fazer a sua parte. “As equipes deveriam adotar uma ação interna para conter os comportamentos exagerados dos seus próprios membros. Os juízes também precisam estabelecer limites. Às vezes isso vem com cartão (amarelo ou vermelho) ou uma conversa. Mas quando o diálogo não funciona, não tem o que fazer, a não ser aplicar as penalidades cabíveis”, completou Cillo.

O ex-zagueiro Ricardo Rocha viveu o ambiente de grandes jogos por quase duas décadas. Tetracampeão em 1994 com a seleção brasileira e com passagens em clubes como Vasco, São Paulo e Real Madrid, ele analisou o cenário atual. Pediu bom senso a técnicos e juízes e criticou o excesso de “contingente” na beira do campo. “Na área técnica tem muita gente que não precisa estar lá. Um monte de auxiliares, preparador de goleiros, todos os reservas, mais médicos, massagistas, assessor e etc. É muita gente para ficar ali falando e tumultuando. No meu tempo, era técnico, auxiliar, médico e cinco reservas. Ninguém ficava perturbando a arbitragem.”

Além de destacar a “superpopulação” que habita o perímetro destinado ao banco de reservas e à área técnica, o ex-defensor cobrou também educação aos treinadores. “Olha, existe até um rodízio de reclamações. Cada hora vai um fazer aquela pressão na beira do campo. Fica uma bagunça danada. E os técnicos não podem ter esse tipo de comportamento. Gosto do Abel, mas não aprovo as suas atitudes. E acho que isso passa também pela impunidade. Na Europa, tenho certeza que os treinadores não fariam isso.”

Também com passagem pela seleção brasileira e ídolo de clubes como Palmeiras e Santos, o polivalente Zé Roberto não vê tanta novidade no ambiente que cerca as partidas. O diferencial, segundo o ex-meia e lateral, é que agora tudo é registrado pelas câmeras. “Sempre aconteceram essas brigas. Esses momentos dentro e fora do campo são reflexos da disputa. Técnicos vivem sob constante pressão. No final dos anos 90 já tinha isso, mas não era mostrado como hoje. Vivemos um futebol moderno, os estádios tem muitas câmeras, os atletas estão mais expostos. Hoje as pessoas veem o que não conseguiam enxergar naquela época. O VAR e as câmeras conseguem mensurar todos os espaços.”

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Em tempos de tanta tecnologia e exposição, Zé Roberto destaca o que pode servir como diferencial: “equilíbrio emocional”. Ao ser questionado sobre um treinador que preenche esse requisito, o escolhido foi o atual técnico palmeirense. “Um treinador que consegue controlar o emocional de um atleta é o Abel Ferreira. Ele é um coach dentro do Palmeiras. Com os mesmos atletas, mesmo time, mostra um diferencial nessa parte. O Palmeiras consegue jogar sempre em alto nível, buscando títulos em cada temporada, ao invés de parar no tempo. Isso mostra a liderança do treinador enquanto outras equipes ficam na zona de conforto”, afirmou.

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Com experiência de quatro décadas, Marco Aurélio Cunha trafegou por diversas áreas no futebol. Respondeu pelo departamento médico do time profissional do São Paulo nos anos 1980 e posteriormente foi diretor do clube. Com anos de bagagem na beira do campo, ele vê muitas transformações ao comparar o passado com o cenário atual.

A criação da área técnica, segundo Cunha, deu visibilidade a personagens que, tempos atrás, passavam totalmente despercebidos pelo grande público. Os técnicos ficavam no banco e, se saíam, retornavam ao seu posto imediatamente. “Hoje, as câmeras de TV focam o treinador o tempo todo buscando a oportunidade jornalística do desabafo, do agrado, da instrução ou reclamação com algum atleta. O fato de terem sido transformados em atores do jogo, tornou os técnicos influenciadores. Para o time e para si mesmos.”

A explicação para as constantes explosões dos treinadores tem a ver com o entorno midiático que hoje envolve futebol. Pressão maior por resultados e número de veículos esportivos de TV buscando informação o dia inteiro, aumenta a pressão sobre os técnicos segundo o médico e dirigente. “A resposta de defesa dos técnicos diante desse universo de cobrança às vezes é a reação exagerada. O Abel, que é um bom técnico, exige postura de seus atletas e muito trabalho. No entanto, ele faz qualquer coisa na beira do campo para vencer, passando por cima do comportamento ético que tanto prega.”

Mas esse comportamento não é exclusividade dos profissionais do Brasil, segundo Cunha. “O Mourinho (José, técnico da Roma) sempre fez isso no início de carreira. O Mancini (Roberto), técnico da Itália, também. O Alex Fergusson, de um jeito mais britânico, é outro.”

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MAIS RIGOR E FIM DE IMPUNIDADE

Do banco de reservas para dentro do campo, a arbitragem acaba sendo o foco deste cenário. Para Marcelo Aparecido, árbitro que esteve no quadro da CBF entre 2005 e 2020, o problema maior tem sido a falta de rigor no uso dos cartões para os treinadores. “Os juízes têm a ferramenta nas mãos. Tem de usar. Acho que com a implementação do VAR os árbitros estão deixando de tomar decisões que são deles”, afirmou ao Estadão.

Do alto da sua experiência, Aparecido afestrmou que os treinadores vão testando a paciência do juiz durante a partida e vão moldando o seu comportamento em função disso. “Não se pode admitir certas atitudes. O controle tem de ser do juiz. O grande jogo é a chance que o juiz tem de se consolidar e ganhar mais respeito do próprio técnico. Essa pressão sempre existiu e a resposta é o rigor. Expulsei Vanderlei Luxemburgo, Mano Menezes, Felipão e outros técnicos que tentavam pressionar. Depois, já era olhado de outra forma.”

Aparecido comparou os jogos fora do Brasil para mostrar que neste cenário, o comportamento na beira do campo é diferente em relação ao Brasil. “Pode ver que lá fora os técnicos são mais comedidos. Claro que os juízes também erram na Europa, mas lá, a punição acontece”, comentou.

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