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Primeiro veio o boom das apostas esportivas. Agora vem a reação

EUA se articulam para apertar a supervisão sobre a indústria dos jogos de azar em todo o país; em cinco anos, americanos gastaram US$ 220 bilhões com palpites em esportes

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Por Eric Lipton e Kevin Draper
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Legisladores e reguladores que iniciaram a vertiginosa expansão das apostas legalizadas nos Estados Unidos agora estão se articulando para apertar a supervisão sobre a indústria das apostas em todo o país, especialmente no que se refere à publicidade que pode atingir apostadores menores de idade. As medidas se estendem aos próprios apostadores, já que pelo menos três estados responderam a um salto no comportamento abusivo, passando a banir apostadores se eles ameaçarem ou assediarem atletas após apostas perdidas.

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Essa abordagem mais agressiva em relação às apostas online é evidente em países do mundo todo, como Austrália, Bélgica, Canadá, Países Baixos e Reino Unido, onde autoridades promulgaram ou propuseram nos últimos meses novas restrições a apostas online, em alguns casos banindo patrocínios de celebridades e quase toda publicidade.

Nos Estados Unidos, 33 estados e o Distrito de Columbia legalizaram as apostas esportivas. Kentucky, Maine, Nebraska e Flórida estão prestes a fazer o mesmo. Isso significa que mais da metade dos americanos vivem em locais onde as apostas esportivas são permitidas, cinco anos depois que a Suprema Corte anulou uma lei que proibia a maioria dos estados de legalizar a prática. Coletivamente, os americanos gastaram mais de US$ 220 bilhões em apostas legais em esportes desde a ação judicial em 2018.

Americanos gastaram US $ 220 bilhões com apostas esportivas desde 2018 Foto: Steve Marcus/ REUTERS

Nos Estados Unidos, os ajustes nas regulamentações e leis estaduais começaram neste inverno em estados como Nova York, onde as apostas esportivas geraram US$ 16,5 bilhões em apostas e extraordinários US$ 909 milhões em novas receitas fiscais e de licenciamento no primeiro ano em que foram legalizadas.

Mas o crescimento explosivo das apostas online em esportes também produziu preocupações crescentes de que a prática poderia causar danos. Nova York respondeu propondo novas regras que proíbem qualquer publicidade em campi universitários ou “destinada a pessoas abaixo da idade mínima”, que em Nova York é de 21 anos. Já Ohio intensificou as ações de fiscalização.

“As pessoas estão acordando para a necessidade de intervir e não esperar uma década e sentir todo o peso dos efeitos nocivos, principalmente nos menores de idade”, disse Matt Schuler, diretor executivo da Comissão de Controle de Cassinos de Ohio, que disse estar extremamente desapontado com conteúdo de publicidade em seu estado, onde as apostas começaram este ano. “O setor nunca vai se policiar sozinho”.

Estima-se que US$ 1,8 bilhão foram gastos em publicidade de apostas online no ano passado nos mercados locais dos Estados Unidos, de acordo com o BIA Advisory Services, um agregador de dados do setor, registrando um aumento de quase 70% em apenas um ano. Isso contribuiu para o sentimento entre certos reguladores estaduais – e muitos telespectadores de esportes – de que as transmissões ficaram muito saturadas com anúncios de apostas esportivas.

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Nos últimos seis meses, Maryland, Maine, Massachusetts, Ohio e Connecticut promulgaram ou propuseram novas regras relacionadas a apostas esportivas, algumas das quais estão em vigor ou aguardando aprovação final. As medidas variam de acordo com o estado, mas a maioria visa evitar marketing enganoso ou promoções direcionadas a apostadores menores de idade.

O Maine propôs regras que permitiriam que anúncios de apostas esportivas na televisão aparecessem apenas durante as transmissões de jogos ao vivo, o que seria a política mais restritiva do país. As novas regras também proibiriam anúncios que oferecem bônus de apostas e impediriam o uso de “personagens de desenhos animados, atletas profissionais ou olímpicos, celebridades ou artistas” em anúncios.

No mês passado, Massachusetts proibiu formalmente o marketing nos campi universitários e barrou a publicidade dirigida a menores de idade. Este mês, o estado se juntou a Nova York para proibir que as empresas de marketing de apostas esportivas recebam comissão sobre as apostas feitas pelos clientes nas plataformas, com a preocupação de que esses acordos possam alimentar o problema dos jogos de azar.

Brian O’Dwyer, presidente da Comissão de Jogos de Azar do Estado de Nova York, disse que as apostas esportivas em seu estado estão gerando uma receita inesperada de impostos. Mas ele acrescentou: “Precisamos garantir que não vamos viciar as pessoas, nem impulsionar jogos de azar problemáticos, muito menos promover jogos de azar para menores de idade”.

Maryland e Connecticut estão se movendo para proibir as empresas de apostas de assinar acordos com universidades públicas pelos quais possam pagar as universidades para ajudá-las a comercializar suas plataformas de apostas esportivas.

“Acho ultrajante”, disse Amy Morrin Bello, deputada estadual democrata de Connecticut, sobre os acordos que certas empresas de apostas assinaram com oito universidades em todo o país. Seu projeto de lei que proíbe esse tipo de acordo foi aprovado este mês por 142 a 0.

Morrin Bello e O’Dwyer disseram que seus movimentos regulatórios foram motivados por uma reportagem do jornal The New York Times no ano passado sobre o crescimento explosivo das apostas esportivas nos Estados Unidos, incluindo marketing em campi universitários.

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A comissão de controle de cassinos de Ohio impôs mais de US$ 800.000 em multas a empresas de apostas esportivas desde janeiro. Entre as empresas infratoras estavam a DraftKings, uma das plataformas de maior sucesso, que reconheceu que afirmara ilegalmente que os apostadores poderiam fazer apostas “grátis” e enviara por engano 2.582 anúncios para residentes do estado com menos de 21 anos de idade, instando-os a baixar seu aplicativo em dispositivos móveis e ganhar US$ 200 para fazer apostas “grátis”.

A Penn Entertainment, outra grande empresa de apostas esportivas que opera sob a marca Barstool, foi multada em fevereiro. No final do ano passado, no campus da Universidade de Toledo, a Barstool apresentou um programa de futebol universitário que promovia o aplicativo móvel de apostas esportivas da empresa, apesar da proibição de publicidade direcionada a menores de 21 anos.

Ambas as empresas se recusaram a comentar.

Schuler disse que a fiscalização resultou em mais conformidade dos anunciantes. Mas acrescentou que ainda tinha várias preocupações, como os logotipos das empresas de apostas afixados nas camisetas dos jogadores do time de futebol profissional de Columbus, Ohio, uma prática que ele chamou de “totalmente ofensiva”, visto que esses jogadores são heróis para muitos jovens. “A ganância supera o bom senso que eles deveriam ter ao tomar cuidado com danos aos menores”, disse ele, acrescentando que atualmente não tem autoridade para proibir os patrocinadores de apostas de aparecerem nas camisetas.

O aumento do comportamento abusivo direcionado a atletas universitários e jogadores profissionais chamou a atenção de treinadores e dos próprios jogadores. Anthony Grant, técnico do time de basquete masculino da Universidade de Dayton, condenou os ataques verbais e online de apostadores furiosos contra seus jogadores em janeiro, poucos dias depois de Ohio legalizar as apostas esportivas.

Em audiência no mês passado em Illinois, Josh Whitman, diretor atlético da principal universidade do estado, pediu aos legisladores que continuassem proibindo as apostas em esportes universitários estaduais. Ele apresentou aos legisladores uma carta, assinada por representantes de muitas das universidades do estado, que trazia cinco páginas de comentários grosseiros e às vezes racistas feitos online sobre jogadores e times.

Chris Boucher, jogador do Toronto Raptors da NBA, citou em um podcast em março uma das mensagens de ódio que recebeu de um apostador. “Escolhi o escravo errado hoje”, escreveu a pessoa a Boucher nas redes sociais depois de perder uma aposta.

“Os jogadores se sentem insultados porque às vezes os torcedores agem como se os jogadores estivessem jogando com o objetivo de beneficiar as apostas deles”, disse David Foster, vice-conselheiro geral do sindicato que representa jogadores da NBA. “Quando passa dos limites e vira assédio e ameaça, é ainda pior”.

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Embora os textos específicos sejam diferentes, a legislação ou as mudanças nas regras propostas ou aprovadas em Ohio, Virgínia Ocidental e Massachusetts este ano permitiriam amplamente que as autoridades estaduais barrassem apostadores que ameaçam ou assediam atletas.

O setor apoiou as propostas, dizendo que abomina esse tipo de comportamento em relação aos atletas. “Não existe lugar para isso, de jeito nenhum”, disse Casey Clark, vice-presidente sênior da Associação Americana de Jogos de Azar, cujos membros incluem a maioria das grandes empresas de cassino, bem como a FanDuel e a DraftKings. “E qualquer pessoa que leve sua reação ao perder uma aposta a esse extremo, acho que essa pessoa tem problemas e precisa procurar ajuda”.

A indústria de jogos de azar e as ligas esportivas profissionais anunciaram seus esforços para confrontar práticas prejudiciais – e impedir maior endurecimento das regras.

Isso inclui revisões do “código de marketing responsável” da Associação Americana de Jogos de Azar, endossando a proibição do termo apostas “sem risco” e impedindo parcerias de marketing com faculdades. As ligas esportivas profissionais e algumas redes de televisão se uniram para criar o que chamam de Coalizão para Publicidade Responsável de Apostas Esportivas, fazendo declarações como: “As apostas esportivas devem ser comercializadas apenas para adultos com idade legal para fazer apostas”.

Clark disse que o setor tomou medidas para enfrentar questões emergentes, refletindo um compromisso de “fornecer o tipo certo de proteção ao consumidor que permitirá um mercado de apostas esportivas legal e sustentável”.

Brianne Doura-Schawohl, lobista que representa o Conselho Nacional de Jogos de Azar Problemáticos e outras organizações, disse que a medida para endurecer as regras foi uma resposta ao trabalho desleixado que as autoridades estaduais fizeram ao promulgar leis que legalizam as apostas esportivas em tantos estados desde 2018. “São discussões que deveriam ter acontecido antes da legalização”, disse ela.

Os movimentos por parte de reguladores no exterior, acrescentou Doura-Schawohl, refletem o que pode acontecer se o setor de apostas esportivas dos Estados Unidos não agir rapidamente para evitar problemas que surgiram em países onde, em alguns casos, as apostas esportivas são legais há muitos anos.

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A Austrália está se preparando para proibir o uso de cartões de crédito para fazer apostas online, que agora constituem cerca de 20% das apostas. A Bélgica e os Países Baixos vão proibir a publicidade de plataformas de apostas em televisão, rádio, jornais e espaços públicos a partir do meio do ano.

“Se você tem anúncios não direcionados – outdoors e comerciais de TV – não pode controlar quem os vê, como jovens e pessoas que têm problemas com jogos de azar”, disse Frerick Althof, porta-voz do ministro da proteção legal dos Países Baixos.

Ontário, a maior província do Canadá, propôs no mês passado a proibição do uso de atletas e celebridades na publicidade, concluindo que “o potencial impacto prejudicial na população mais vulnerável, os menores de idade, continua alto”. E, no Reino Unido, a agência governamental que supervisiona os jogos online no mês passado divulgou um estudo há muito aguardado que concluiu que “é preciso fazer mudanças agora”, pois “existe o risco de as apostas se tornarem um vício clínico”, propondo “verificações de risco financeiro” para os apostadores que perdem mais de US$ 160 por mês e endossando uma ação para remover os logotipos de plataformas de apostas da frente das camisas dos jogadores.

Clark, da Associação Americana de Jogos de Azar, disse que o setor se oporia caso algumas dessas mudanças fossem propostas nos Estados Unidos, pois considera excessivos alguns limites à publicidade, como os que estão em vigor no Maine. “Sempre quisemos aprender com mercados mais maduros”, disse ele, mas acrescentou: “Não apoiamos restrições quando podemos fazer negócios legais e regulamentados”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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