Está em pauta no Senado Federal um projeto de lei que pode profissionalizar o trabalho da arbitragem de futebol no Brasil. O PL 864/2019, de autoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), altera a Lei Geral do Esporte e determina que árbitros e assistentes tenham vínculo empregatício com as entidades pelas quais atuam. Segundo a legislação vigente, juízes e bandeirinhas são trabalhadores autônomos, pagos a cada partida realizada.
A proposta está sendo analisada pela Comissão do Esporte e o tema já foi debatido em audiência pública. O texto original cita falta de garantias para os profissionais da área em caso de acidente de trabalho, além do fato de a equipe de arbitragem ser escolhida mediante sorteio, mantendo árbitros e assistentes sem uma remuneração assegurada no mês.
Para 2023, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) determinou que um árbitro de Série A recebe R$ 6.500 por partida, se tiver escudo Fifa, ou R$ 4.700, se for vinculado à própria federação brasileira. Um bandeirinha Fifa, por sua vez, ganha R$ 3.900, enquanto um auxiliar da CBF recebe R$ 2.820. A remuneração do assistente de vídeo (VAR) em jogos da primeira divisão é de R$ 2.800, independentemente do vínculo. Os valores contrastam com os altos salários de algumas das estrelas da elite do futebol brasileiro, que chegam a receber mais de R$ 1 milhão por mês.
Presidente da Comissão do Esporte e relator do texto, o senador Romário (PL-RJ) classifica o tema como de suma importância para o desenvolvimento do esporte em geral. Ao Estadão, o ex-jogador afirma haver pontos de consenso no debate com os parlamentares, mas que ainda é preciso consolidar uma visão compartilhada por todos.
“Nossa proposta foi criar um grupo de trabalho bem objetivo, trazendo os árbitros, a CBF, as federações, os Ministérios do Esporte e do Trabalho, outros parlamentares, entidades privadas e advogados, para que a gente consiga rapidamente chegar a um modelo que garanta a valorização e a proteção dessa profissão tão importante”, diz Romário. “O tema é complexo. Não há unanimidade nem mesmo entre os árbitros, e a dificuldade maior é saber quem seria o empregador central e como se daria esse arranjo com as demais instâncias, arcando com os custos totais ou não”, completa o senador.
Dedicação exclusiva
Entre os convidados para o debate está Leonardo Gaciba, ex-presidente da Comissão de Arbitragem da CBF e atual comentarista dos canais ESPN. Com mais de 15 anos dedicados ao apito, ele argumenta que a profissionalização já existe, e o que falta é a sistematização de como realizá-la — trabalho de carteira assinada, por exemplo. O gaúcho conta que exerceu a função de maneira exclusiva durante a carreira. “Não há condições de ser um árbitro de ponta no Brasil e conciliar outro trabalho. A alta exigência exige dedicação exclusiva.”
Fernanda Colombo, ex-árbitra e criadora de conteúdo digital, acredita que uma mudança na legislação, com árbitros tendo direitos garantidos, aumentaria os acertos em campo do profissional pela possibilidade de trabalhar exclusivamente com isso. Ela conta que precisou conciliar a carreira na arbitragem com o trabalho dando aulas de natação, hidroginástica e personal.
“Perdi muitos dias de trabalho devido às viagens que a função de árbitro exige e, com isso, acabei perdendo meus empregos. Era completamente inviável. A arbitragem nunca me deu garantia de nada, sempre foi uma escolha arriscada”, conta.
A Inglaterra é o único país onde a arbitragem é profissionalizada, com uma estrutura que disponibiliza preparador físico, psicólogo, médico e fisioterapeuta aos juízes. Em Portugal, apenas árbitros com escudo Fifa podem aderir à profissionalização. A federação do país limita o número argumentando os altos custos com encargos trabalhistas.
Pressão na arbitragem
Atualmente, árbitros que cometem erros graves em partidas do Brasileirão são “rebaixados” para as Séries B e C, onde as remunerações são inferiores. Outros são afastados, ficando consequentemente sem receber, e passam por uma reciclagem até serem readmitidos aos sorteios das equipes de arbitragem. Entre os argumentos a favor do projeto no Senado é de que a profissionalização amenizaria a pressão sofrida pela arbitragem no Brasil, contribuindo para o seu aprimoramento. Gaciba rechaça a tese e acredita que a pressão será a mesma ou ainda maior.
“O simples, e importante, fato de ser CLT trará segurança aos árbitros que vivem na incerteza de escalas, mas não tem relação nenhuma com desempenho por si só. Erros acontecem em toda parte e de todos tamanhos. A diferença é como estes erros são abordados. Toda a arbitragem mundial precisa de melhoria, a brasileira não está fora deste contexto”, diz.
Fernanda Colombo também acredita que a pressão sobre os árbitros será maior e cita uma cobrança desigual feita atualmente pelo fato de jogadores e treinadores serem profissionais, enquanto a arbitragem ainda é “amadora”. “Dentro das condições que são dadas aos árbitros e como o ecossistema do futebol no Brasil reage, nossos árbitros são muito bons. Eles lidam com todos os tipos de pressão possíveis, dentro e fora de campo, sempre com a insegurança de não saber se vai ou não apitar no próximo mês”, comenta.
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