ENVIADO ESPECIAL A DOHA - A derrota para a Croácia decretou a eliminação precoce do Brasil na Copa do Mundo do Catar, nas quartas de final, e pode ter sido a última partida de Neymar pela seleção brasileira em um Mundial. Será caso ele cumpra a promessa de não mais disputar o torneio da Fifa.
“A cabeça ainda está quente, não estou raciocinando direito. Se falar que é o fim eu estaria me precipitando. Mas também não garanto nada”, afirmou após o jogo. Abatido, disse não poder “fechar as portas para a seleção brasileira”, mas também não garantir que vai continuar. “Falar que é o fim estaria me precipitando, mas também não garanto nada. Vamos ver o que acontece daqui para frente”.
Atrapalhado por lesões em suas três participações em Mundiais, o craque brilhou com um golaço na prorrogação, mas a seleção não sustentou o triunfo e levou um gol a três minutos para o fim do tempo extra. Nos pênaltis, Rodrygo e Marquinhos erraram e o camisa 10, geralmente perfeito da marca da cal, nem chegou a bater.
Sem sucesso, ele tentou pela terceira vez liderar o Brasil ao sexto título mundial. Pode ter tido, portanto, a última oportunidade de imortalizar seu nome na história do futebol brasileiro. Ao final da partida, Neymar chorava em campo. Sentado no gramado, o craque brasileiro observava a comemoração dos atletas croatas e lamentava mais uma eliminação nas quartas de final. Ele foi acudido por outros jogadores da seleção brasileira.
Em 2026, Neymar terá 34 anos, idade suficiente para jogar o Mundial realizado nos Estados Unidos, Canadá e México. Poderia até disputar o torneio em 2030 também, considerando que hoje a carreira de um jogador é mais longeva do que no passado. Daniel Alves e Thiago Silva, por exemplo, têm 39 e 38 anos, respectivamente, e compuseram o grupo no Catar.
Dois dos maiores jogadores da história que Neymar poderia alcançar quando surgiu no Santos, Lionel Messi joga seu quinto e último Mundial com a camisa Argentina aos 35 e Cristiano Ronaldo fez o mesmo ao 37 por Portugal.
Ocorre que o astro da seleção brasileira e do Paris Saint-Germain afirmou no ano passado que a Copa no Catar seria a sua última porque não sabia se sua saúde mental suportaria mais a pressão de representar o Brasil.
“Eu encaro como a minha última Copa porque não sei se terei mais condições, de cabeça, de aguentar mais futebol”, havia dito Neymar à DAZN, em uma declaração vaga, sem se aprofundar. “Então, vou fazer de tudo para chegar muito bem, fazer de tudo para ganhar com meu país, para realizar o meu sonho desde pequeno. Espero poder conseguir isso”, prometera.
O atleta, aos 30 anos, 13 deles dedicados à carreira profissional de jogador, considera difícil continuar convivendo com os embaraços ligados à fama. Acha árduo, sobretudo, encontrar equilíbrio entre a jornada de atleta e a vida pessoal, de um astro seguido por milhões de fãs e questionado muitas vezes por ser adulado por seu entorno.
“Vida de atleta é muito difícil. A gente abre mão de muita coisa por um sonho que a gente tem”, explicou o jogador. Ao longo da sua trajetória, ele se revoltou com os ataques à sua família. “Não tem problema nenhum não gostar do meu futebol, falar que eu jogo mal. Quando atacam a mim e a minha família é o que me entristece”.
Um caminho para o atleta se livrar da pressão é se transferir para a MLS, a liga de futebol dos Estados Unidos, como ele mesmo sugeriu em bate-papo com Ronaldo Fenômeno. “É um campeonato curto. Tem três ou quatro meses de férias”, justificou aos risos.
O camisa 10 não deixou claro se irá se aposentar de Copas ou da seleção, no geral. Caso não mais volte a defender a camisa verde e amarela, perderá a oportunidade de ultrapassar Pelé e se tornar o maior goleador da seleção brasileira na história. Ao menos empatou com o Rei. Ambos têm 77 gols, mas nas contas da Fifa, que só considera jogos oficiais. Na contagem da CBF, Pelé tem 95.
As lesões foram seu maior obstáculo na perseguição à sexta estrela. Em 2014, foi alijado de seu primeiro Mundial, no Brasil, em razão de uma dura entrada cometida pelo colombiano Camilo Zuniga nas quartas de final e que o impediu de estar em campo no vexatório 7 a 1 imposto pela Alemanha.
Quatro anos depois, já atleta do Paris Saint-Germain, o craque brasileiro jogou a Copa da Rússia com dores oriundas de uma ruptura dos ligamentos do tornozelo, sofrida com a fratura no quinto metatarso do pé direito, meses antes do torneio começar. Além disso, foi ridicularizado e virou alvo de gozações por ter se atirado no gramado repetidas vezes. Houve até quem tivesse contado quanto tempo, no total, o jogador passou deitado no chão durante a competição.
No Catar
Neymar até cumpriu o que havia prometido. Começou o Mundial catariano em sua melhor versão, saudável e em seu auge técnico depois de marcar 15 gols e dar 12 assistências nas 20 partidas que fez pelo PSG antes da Copa.
Uma lesão ligamentar no tornozelo direito na estreia da seleção diante da Sérvia lhe tirou dos dois jogos seguintes contra Suíça e Camarões e lhe fez reviver dramas do passado.
A contusão impediu que ele pudesse brilhar como sua preparação sugeria. A entrada que recebeu do zagueiro sérvio deixou seu tornozelo inchado e a mente, enfraquecida. Saiu de campo chorando, amparado pelo médico Rodrigo Lasmar, e com a memória em sua cabeça das outras lesões.
“Vai doer, mas eu tenho certeza que vou ter a chance de voltar porque eu farei o possível pra ajudar meu país, meus companheiros e a mim mesmo”, escreveu o craque brasileiro no dia seguinte à pancada no tornozelo.
Em vez dos gramados nos treinos e jogos, Neymar passou a frequentar a sala de fisioterapia do hotel, onde fez um trabalho de recuperação três vezes por dia durante oito dias, até voltar a calçar as chuteiras, treinar com bola e ser confirmado por Tite para enfrentar a Coreia do Sul nas oitavas no jogo em que apareceu de cabelo platinado. Também teve febre durante o tratamento. Nada, porém, que o abalasse.
Tite, minutos depois de ver seu principal jogador abatido, disse que Neymar ainda jogaria a Copa no Catar. Ele estava certo. O esforço do jogador foi determinante para que ele reforçasse a seleção diante dos sul-coreanos. O camisa 10 fez bem o seu papel e marcou o primeiro gol no Catar. De pênalti, quase que fez o goleiro implorar. Contra a Croácia, colocou a bola debaixo do braço e anotou um lindo gol após tabela com Paquetá. O time, porém, levou o empate no fim da prorrogação e caiu nos pênaltis.
Caso não mais jogue um Mundial, Neymar deverá passar o bastão para Vinicius Junior. O jovem de 22 anos é hoje a principal liderança técnica da seleção depois do craque do PSG. Está acostumado a lidar com a pressão desde antes de atingir a maioridade. Aos 18, transferiu-se para o Real Madrid. Quatro anos depois, fez o gol do título da Champions League.
“Eu acompanhei toda a carreira do Ney. Ele sempre foi o meu maior ídolo. Sempre quis estar perto dele, fazer as coisas que ele fazia em campo”, disse Vini Jr antes do jogo. “Com o passar do tempo, foi virando um amigo e hoje é um irmão que me dá muitas dicas. Todo jogo, antes de começar, ele tira toda a responsabilidade de cima de mim. Estar junto com ele é viver um sonho que nem todos podem viver”.
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