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Quanto impacto o gramado sintético tem sobre o resultado do jogo e desempenho dos times?

Atlético-MG irá se juntar a Botafogo, Palmeiras e Athletico-PR no grupo dos clubes que mandam suas partidas no campo artificial; em média, aproveitamento das equipes cresceu após a implementação

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Foto do author Murillo César Alves
Atualização:

A discussão sobre grama natural e sintética continua acesa no futebol brasileiro. Athletico-PR, Palmeiras e Botafogo adotaram o equipamento em seus estádios; a partir de 2024, o Atlético-MG irá acompanhar os rivais e instalar o gramado artificial na sua recém-inaugurada casa, a Arena MRV. Em meio a elogios, críticas e os debates entre os torcedores, surge um questionamento: qual é a diferença que o gramado sintético pode ter no resultado de uma partida?

A partir da próxima temporada, 20% dos clubes da série A mandarão suas partidas em estádios com gramados sintéticos. É uma tendência que foi iniciada pelo Athletico-PR, em 2016, ao instalar o ‘tapetinho’, como foi classificado pelos rivais, na Ligga Arena, novo nome da Arena da Baixada. Há alguns aspectos que fazem com que os clubes optem pelo uso desse recurso artificial: o excesso de jogos na temporada; o uso do estádio para outros eventos, como shows; e o custo para se manter uma grama natural.

Palmeiras acompanhou o time paranaense em 2020; o Botafogo, após vender sua Sociedade Anônima do Futebol (SAF) para John Textor, alterou seu gramado nesta temporada. Tanto o Allianz Parque quanto o Nilton Santos recebem uma série de shows de artistas internacionais todos os anos. Em novembro, ambos receberam espetáculos da banda mexicana RBD e da cantora americana Taylor Swift. Além de conseguir preservar seu estádio e lucrar com uma arena multiuso, o gramado sintético se mostra como um adversário para as equipes visitantes.

Athletico-PR e Botafogo melhoram desempenho

Levantamento do Estadão considera os resultados de cada uma das equipes na última e primeira temporada após a implementação do gramado sintético. Nos números, tanto Athletico-PR quanto Botafogo aumentaram exponencialmente seus aproveitamentos jogando em seus domínios. Em 2016, o clube paraense saltou de 63,9% de aproveitamento para 79,8% – crescimento equivalente a 25% nos pontos ganhos. Naquela temporada, a equipe garantiu inclusive a classificação para a Libertadores de 2017 e perdeu apenas duas partidas; em 2015, haviam sido quatro derrotas.

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O mesmo vale para o Botafogo. Em 2022, teve um desempenho medíocre sob seus domínios: 49,5% de aproveitamento, com 13 vitórias e 12 derrotas; nesta temporada, desde abril, quando foi inaugurada a nova grama sintética do Estádio Nilton Santos, teve 100% de aproveitamento no primeiro turno do Campeonato Brasileiro, que alçou o time à liderança isolada e o mantém na disputa pelo título. Até o início da 35ª rodada, o clube conquistou 66,7% dos pontos disputados – a maioria dos tropeços se deu na Copa Sul-Americana.

O Botafogo planeja construir um CT, que ainda precisa de aprovação da Prefeitura do Rio e não tem local definido. Ele contará 19 campos, espaço integrado para time profissional, equipes de base e ala voltada para treinamentos do Lyon. Enquanto o projeto não sai do papel, o elenco treina no campo anexo ao Estádio Nilton Santos, que teve a implementação da grama sintética recentemente.

O mesmo vale para o Athletico-PR. No CT do Caju, onde o elenco realiza seus treinamentos, há um gramado sintético, com as dimensões oficiais da Arena da Baixada, para que a equipe realize os trabalhos táticos e técnicos, com o mesmo equipamento utilizado em seu estádio.

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Além do aumento no aproveitamento, a média de gols por partida também sofreu uma alteração, de uma temporada para a outra. O Botafogo saltou de 1,27 para 1,78 tento marcado por partida; o Athletico manteve números semelhantes (1,5 gol por jogo, em média).

Palmeiras teve queda, antes de soberania

Na contramão, o Palmeiras foi o único dos três clubes que observou uma queda em seu aproveitamento após a instalação do gramado sintético. Em 2019, conquistou 78% dos pontos; na temporada seguinte, a primeira com o novo tipo de grama, 70,4%. A mudança foi aprovada pelo então treinador Vanderlei Luxemburgo. No CT do Palmeiras, há três campos: dois com a grama natural e uma artificial.

Assim como Botafogo e Athletico-PR, o Palmeiras mantém os treinamentos em todos os campos, para que o elenco não perca o ritmo de jogo nos demais tipos de gramado. Foi uma exigência do próprio Luxemburgo, quando ainda era treinador do time em 2019 e acompanhou a transição para o gramado artificial.

Apesar da queda no aproveitamento, foi na temporada de 2020 que o time teve o melhor ano de sua história recente: a tríplice coroa, com título do Campeonato Paulista, Libertadores e Copa do Brasil; no ano seguinte, repetiu a dose, com o bicampeonato da competição continental. Em 2022, outra conquista Estadual e o Brasileirão, o primeiro desde que Abel Ferreira assumiu o comando da equipe. O ataque se tornou uma arma letal da equipe, de 1,89 para dois gols por jogo, em média.

Tipo de grama

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No aspecto esportivo, o gramado artificial tem as mesmas dimensões do natural. Desde 2016, a CBF padronizou as dimensões do campo de jogo em 105 metros de comprimento por 68 de largura, que acompanha a métrica utilizada na Copa do Mundo de 2014, ocorrida dois anos antes no Brasil. Com os jogadores correndo em média 11 quilômetros por partida atualmente, somado ao excesso de jogos, o campo passou a ser mais castigado e, por isso, precisa ter poder de regeneração acelerado, visando o confronto seguinte. O que os diferencia é o tipo da grama e sua altura.

A Ligga Arena, conhecida antigamente como Arena da Baixada, teve o piso artificial implementado em 2016, com uma tecnologia chamada Lesmo HD. Segundo a Italgreen, empresa responsável pela aplicação, trata-se de um enchimento de “grânulos orgânicos composto de uma combinação de elementos naturais e eco-compatíveis”, mas também pode ser descrito como fibra de coco. O gramado do Athletico precisa ser irrigado com mais constância para manter a umidade. Ele conta com 62 milímetros de altura, 12 a mais do que a grama do Palmeiras, por exemplo.

A instalação da grama sintética pelo Athletico Paranaense ocorreu, segundo o clube, por causa da baixa umidade do ar de Curitiba, o que dificulta a manutenção da grama natural, e também pela intenção de utilizar a arena para shows e eventos. Foi este último argumento que fez a WTorre, responsável pela operação do Allianz Parque, estádio do Palmeiras, optar pelo gramado artificial, visando conciliar a agenda de shows com o calendário do futebol e economizar na manutenção do campo.

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O material sintético utilizado no gramado do Allianz desde 2020 se chama elastômero termoplástico (TPE). São partículas cilíndricas de até cinco milímetros de comprimento. A base do piso é uma tela de polietileno e propileno. Os tufos de grama são entrelaçados três vezes no suporte, para dar segurança. São necessários cerca de 30 blocos de piso, cada um medindo cerca de quatro metros de largura por 78 metros de comprimento. Diferentemente da Ligga Arena, abaixo dos blocos há uma manta de amortecimento de espuma (shockpad) feita na Alemanha.

O Botafogo foi quem inaugurou seu campo sintético mais recentemente, em abril deste ano. Assim como no Allianz Parque, o Estádio Nilton Santos conta com uma manta de amortecimento, mas a tecnologia do gramado, até então inédita no Brasil, é feita com fios mistos, com a parte interna mais rígida e externa mais flexível, com um acabamento em cortiça. Segundo a Total Grass, responsável pelo trabalho, o composto garante maciez, menor retenção de calor e mantém a umidade por mais tempo. Os jogadores não reclamam.

“A colocação do gramado sintético seria a solução para todos os estádios no Brasil, e digo isso com propriedade não apenas pela questão da qualidade, mas também porque está provado que nossas arenas não comportam a quantidade de jogos que o calendário brasileiro proporciona. É impossível comparar com a Europa, por exemplo, onde os clubes jogam apenas uma vez por semana, ou às vezes nem isso”, explica Sergio Schildt, presidente da RECOMA, empresa especializada em pisos, infraestruturas e construções esportivas.

Aumento de lesões?

Em 2010, o Internacional enfrentou o Chivas Guadalajara na decisão da Libertadores. A partida de ida, no Estádio Omnilife, no México, contou com um fator até então inédito: um gramado 100% artificial dos mandantes. Os jogadores brasileiros destacaram à época as diferenças para o campo natural: jogo mais rápido, bola pulando mais alto e chuteiras presas na borracha que serve de solo.

O último ponto, que foi motivo de críticas do elenco colorado há 13 anos, é o que mais preocupa os atletas profissionais atualmente. Além do ritmo diferente – o Allianz Parque, por exemplo, é irrigado antes das partidas para preservar a umidade do gramado e tem como consequência um partida mais veloz –, jogadores e comissões técnicas apontam que há um maior risco de lesões nesse tipo de grama, quando comparada àquela natural.

“Pode ser coincidência, mas na minha opinião, sem atingir de maneira alguma as equipes que têm esse tipo de gramado (artificial), até porque trabalhei no Athletico Paranaense, uma equipe que tem esse gramado, e de maneira ou de outra fui beneficiado naquele período, mas acho muito desigual jogar em um gramado natural e depois jogar em um gramado como esse”, afirmou Dorival Júnior, após derrota no clássico para o Palmeiras por 5 a 0 no Brasileirão. Na ocasião, Lucas Moura saiu ainda no primeiro tempo com uma lesão na coxa.

Lucas Moura se lesionou em partida contra o Palmeiras no Allianz Parque. Foto: Alex Silva/ Estadão

Não há um consenso na área médica quanto à maior incidência de lesões em gramados artificiais quando comparado ao natural. Em maio, a revista científica inglesa The Lancet analisou mais de mil estudos sobre o tema para concluir que não há uma correlação entre o sintético para o aumento de lesões. Inclusive, de acordo com a publicação, a incidência de problemas físicos nos campos artificiais é menor quando comparado ao natural – 14% inferior, em média.

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“A incidência global de lesões no futebol é menor em relva artificial do que em relva. Com base nestas conclusões, o risco de lesões não pode ser usado como argumento contra a relva artificial quando se considera a superfície de jogo ideal para o futebol”, apontou o estudo. No entanto, isso não significa que os atletas que não estão acostumados ao campo sintético não corram riscos.

“No gramado sintético, o pé dos atletas ficam mais presos junto ao campo. Não há a mesma maleabilidade que em gramados naturais”, explica, ao Estadão, Luiz Felipe Carvalho, ortopedista que já tratou lesões de Rodrigo Dourado e Ferreirinha. “Nestes casos, o pé fica preso e o corpo ‘roda’ por cima do joelho.” O ideal seria que os clubes treinassem em ambos os tipos de gramado – como é o caso de Botafogo, Palmeiras e Athletico-PR – para que os jogadores se acostumem ao campo.

O que falam os atletas, técnicos e clubes?

Mesmo sem comprovação científica, diversos jogadores se colocam contra o sintético. Desde que chegou ao País, Luis Suárez sofre com problemas no joelho. A condição fez com que Grêmio e jogador entrassem em um acordo para que ele não atue em campos de campos artificiais. As dores no joelho também reduziram seu acordo com o time gaúcho. Ele assinou até dezembro de 2024, mas vai embora ao término deste ano. Enquanto permanece no Grêmio, Suárez joga sob única condição: em estádios com grama natural ou que não sejam 100% sintéticos.

Luis Suárez não entra em campo quando o Grêmio joga em gramados artificiais. Foto: Ricardo Moraes/Reuters

A história foi confirmada pelo treinador gremista em entrevista coletiva após a partida. “Porque ele não gosta e não pode, por causa do joelho, jogar no gramado sintético não dá. É uma decisão do clube tomada lá atrás (reservar o estádio para o show). Com uma vantagem grande na tabela, você acha que ninguém vai encostar, mas é um problema do Botafogo. Se fosse no Nilton Santos, o Suárez dificilmente jogaria porque é sintético”, afirmou o treinador.

O Flamengo, enquanto instituição, também é contra o gramado sintético. “Só para deixar de novo clara a questão do sintético e a posição do Flamengo: o clube é contra os gramados sintéticos. A gente entende que é outro esporte jogado nele”, afirma Marcos Braz, vice-presidente de futebol do Flamengo. “Pela nossa experiência de pós-jogo, é prejudicial à saúde dos jogadores. O departamento médico pode falar melhor isso. O prazo de recuperação do sintético é muito maior. Você tem uma série de intercorrências depois de jogador no sintético. Somos terminantemente contra.”

Fora do Brasil, também não há um consenso. A partir da temporada 2025/2026, o Campeonato Holandês irá proibir que os clubes mandem suas partidas em estádios com gramados sintéticos. Nas principais ligas da Europa, não é permitido a grama artificial, mas em competições do Leste Europeu, como Rússia e Ucrânia, ele é utilizado, devido às baixas temperaturas e umidade no inverno.

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