Dívida é uma das palavras repetidas com frequência no futebol brasileiro. Ainda que não explique tudo, é por meio dela que é possível compreender os motivos para a origem de uma crise nos clubes. Corinthians, por exemplo, já ultrapassou a marca de R$ 1 bilhão em dívidas – se aproxima do segundo bilhão – e vive um mau momento nos bastidores e em campo nos últimos ano; Palmeiras, por sua vez, domina os últimos anos – ao lado, principalmente, do Flamengo – e apresenta redução das dívidas.
É disso que trata o Relatório Convocados 2024, produzido pelo economista Cesar Grafietti em colaboração com as empresas Campo de Ação, Sport Track e Outfield. Alguns dos pontos trabalhados no relatório são as dívidas dos clubes e o tempo que cada um levaria para sanar esses débitos, de curto e longo prazo. É um exercício que leva como base as receitas em determinado período e possibilidade de que 20% destas fossem voltadas exclusivamente para as dívidas.
Nisso, o Corinthians é o clube com a maior dívida do Brasil, pelo menos até 2023 – já que o relatório faz um apanhado do último ano. Assim, ainda não é possível medir o impacto da gestão Augusto Melo sobre o clube. Com a dívida da Neo Química Arena contabilizada, o total saltou para R$ 1,89 bilhão.
O Corinthians sinaliza uma tendência do futebol brasileiro em 2023: o aumento das dívidas, da maioria dos clubes. Somada a dívida dos 20 times da Série A no último, o aumento foi de 38%, totalizando R$ 11,7 bilhões. Dos 20 times da Série A no último ano, apenas sete (Atlético-MG, Vasco, Athletico-PR, Palmeiras, América-MG, Cuiabá e Goías) tiveram uma redução das dívidas.
Mesmo sem contabilizar o débito da Neo Química Arena, este valor total das dívidas da Série A revela a tendência no futebol brasileiro, aponta Grafietti, ao Estadão. “Clubes saudáveis investindo em contratações de atletas, e clubes em dificuldades aumentando sua exposição a dívidas fiscais são dois fatores que explicam o aumento das dívidas.”
Os quatro clubes com maiores dívidas (Corinthians, Botafogo, Atlético-MG e São Paulo) fecharam parcerias recentes com novos patrocinadores másters (todos de casas de apostas esportivas). Essa fato indica que esses montantes não são impeditivos para que empresas busquem os clubes para expor suas marcas.
“No futebol, especialmente para um clube que possui uma base de consumidores tão relevante como a do Corinthians, com aproximadamente trinta milhões de torcedores fiéis, que têm esse relacionamento quase monográfico com o clube, o Corinthians acaba tendo uma capacidade de geração de receita a curto, médio e longo prazo que faz pensar ser possível reestruturar e pagar essa dívida. Isso faz com que a empresa Corinthians, dentro do modelo associativo atual, ainda seja viável financeiramente”, afirma Pedro Oliveira, sócio fundador da OutField.
Tempo para sanar as dívidas
A começar pelo Corinthians, se utilizasse 20% da receita gerada na última temporada, o clube levaria mais de dez anos para liquidar os débitos. Já com base no resultado financeiro médio dos últimos cinco anos – que considera o período da pandemia –, este prazo aumenta para 13,8 anos.
“Corinthians gera muita receita, seus custos nem são tão elevados, mas suas dívidas são caras e acima do ideal em termos de capacidade de pagamento. Um clube nessa situação não pode contratar atletas caros, nem mesmo pensar em contratá-los. E é fundamental reestruturar os passivos da arena, com alternativas de mercado, como venda de parte do negócio para um fundo imobiliário”, aponta o economista sobre os caminhos a serem tomados pelo clube alvinegro.
Por outro lado, o Corinthians precisa se reforçar para melhorar a situação no Campeonato Brasileiro – pelo menos é o que considera a diretoria. No novo acordo de patrocínio máster, firmado com a Esportes da Sorte, R$ 57 milhões serão destinados exclusivamente para a contratação de um “jogador de impacto”. Ao todo, o acordo entre a marca e o clube pode chegar a até R$ 309 milhões, considerando cláusulas e metas a serem atingidas.
À distância, o Corinthians observa São Paulo e Palmeiras, com dívidas de R$ 856 milhões e R$ 466 milhões, em melhores cenários, nos aspectos financeiro e esportivo. Ambos conquistaram títulos em 2023 e levariam menos de dez anos para sanar suas dívidas, caso utilizassem da estratégia proposta pelo economista. O clube de Leila Pereira precisaria de apenas 2,8 anos, enquanto o time tricolor, 6,3 anos.
Outros clubes que se destacam positivamente nesse quesito são o Fortaleza (1,3 ano) e Flamengo (1,5 ano). Do lado inverso, os cinco times, que precisariam de mais tempo para liquidar esse valores, são SAF: Botafogo, Cruzeiro, Atlético-MG, Bahia e Vasco. Isso indica que, nestes casos, os novos donos precisam reforçar equipes e até reconstruí-las.
“Como este é um processo ainda recente, e entendo que em fase de acomodação, acho mais prudente esperar pelo menos mais um ano para uma avaliação precisa. A expectativa é de que essas dívidas mais elevadas sejam acomodadas com algum aumento de receita e com aportes de capital”, aponta Grafietti.
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