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Schürrle marcou dois gols no 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil. Foto: Eduardo Nicolau/Estadão
Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

Respeito, incredulidade e associação com geração derrotada: o 7 a 1 sob o ponto de vista dos alemães

Documentário mergulha nos insucessos da Alemanha depois de impor ao Brasil a mais vexatória derrota da história e conquistar o Mundial de 2014

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Foto do author Ricardo Magatti

Quando o placar mostrava 5 a 0 e os jogadores da Alemanha desceram ao vestiário, o técnico Joachim Low não se deixou levar pela empolgação. Olhou para seus atletas, pediu respeito à seleção brasileira e avisou que tiraria do jogo quem não mantivesse a seriedade no segundo tempo. Ele também lembrou à equipe que, um ano antes, em uma partida das Eliminatórias Europeias, os alemães venciam a Suécia por 4 a 0 e levaram quatro gols em 30 minutos.

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“A partida já estava ganha e o Löw pediu: ‘nós estamos aqui como convidados, fomos muito bem recebidos e alguns dos brasileiros são colegas de trabalho na Europa. Ao final espero que vocês se dirijam aos brasileiros com o respeito que eles merecem’”, relembra Leonardo Pietrobon Pereira, jornalista brasileiro que trabalhou em Nós, Campeões Mundiais”, o mais recente documentário sobre a conquista da Copa do Mundo de 2014, com especial atenção ao 7 a 1.

Os alemães seguiram à risca o que o comandante exigiu, fizeram mais dois gols e foram responsáveis por impor ao Brasil a derrota mais vexaminosa da história do esporte brasileiro. Durante e depois do 7 a 1, os alemães reagiram com sentimentos diferentes. Estiveram, claro, incrédulos pelo resultado e foram respeitosos com os atletas brasileiros e os torcedores que viram in loco o fracasso retumbante do time treinado por Luiz Felipe Scolari, que assistiu à beira do gramado a hecatombe esportiva que ressoa uma década depois com lembranças vivas nas memórias dos brasileiros.

“Ficámos felizes porque chegámos à final e não porque ganhamos de 7 a 1″, diz Benedikt Höwedes no documentário. “Eu não acredito que isso aconteceu”, soltou o meio-campista Bastian Schweinsteiger, um dos mais experientes daquele elenco, depois do jogo. “Ficamos nos perguntando o que tinha acontecido”, falou Thomas Muller, até hoje uma das estrelas do Bayern de Munique, em entrevista recente.

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Alemães reagiram com incredulidade e respeito durante e após o 7 a 1 sobre o Brasil Foto: Wilton Junior / Estadão

“Em respeito aos brasileiros, os jogadores mal comemoraram após o apito final”, recorda-se ao Estadão Tim Osing, jornalista alemão que trabalhou no documentário. “Os torcedores alemães, por outro lado, ficaram muito mais eufóricos. Todos se lembram de onde assistiram àquele jogo. Isso também está vinculado ao resultado da final. Se a Alemanha não tivesse vencido a Copa do Mundo, a partida de 7 a 1 seria diferente”.

Geração derrotada

Produzido pela NDR, emissora que pertence a ADR, primeiro canal de televisão da Alemanha, o documentário, composto por quatro episódios, narra as experiências da seleção alemã durante o torneio. Foram explorados tanto os sete jogos até o título como as histórias pessoais dos atletas que participaram da filmagem, casos de Bastian Schweinsteiger, Thomas Müller, Mario Götze e Benedikt Höwedes, este que voltou ao Brasil, revisitando locais icônicos daquela trajetória, como o Maracanã, o Mineirão e o Campo Bahia, centro de treinamentos da Alemanha em Santa Cruz Cabrália, no litoral Sul da Bahia.

A produção, diz Osing, foi idealizada para mostrar como a Alemanha alcançou a glória no Mundial do Brasil e o porquê de essa ter sido a última jornada bem-sucedida dos alemães em Copas.

Especialistas projetaram uma década de hegemonia dos alemães no futebol, mas, depois do título mundial no Brasil, a Alemanha entrou em espiral de queda e nada mais ganhou de relevância, apresentando em algumas situações um futebol pobre. Acumulou fracassos ao ser eliminada na primeira fase da Copa de 2018, na Rússia, e também quatro anos depois no Catar, com derrota para times asiáticos, de menor tradição. “Nas Copa da Rússia e do Catar, os jogadores mais jovens não se integraram bem aos campeões mundiais”, opina Osing.

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Após 7 a 1, Alemanha entrou em espiral de queda e nunca mais ganhou um título relevante Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

“Muitas vezes, erros significativos foram cometidos no momento do sucesso. Os dirigentes e a federação acreditavam que a seleção nacional era agora o auge do futebol, o que gerou disputas sobre o crédito pela vitória”, analisa Osing, segundo o qual o 7 a 1 não resultou em uma espécie de maldição.

Desde o título de 2014, a Alemanha só ergueu um troféu internacional: o da Copa das Confederações de 2017, um torneio de menor importância e que foi extinto em 2019. Havia a esperança de que a seleção europeia conquistasse a Eurocopa neste ano, em casa, diante de seus adeptos. Mas a Espanha surgiu no caminho e derrubou os alemães nas quartas de final com gol dramático na prorrogação. Uma geração de torcedores só conhece a Alemanha como derrotada, como estampou em sua manchete na semana passada a revista Fokus.

As frustrações em série afastaram os torcedores da seleção e desafiaram a Federação Alemã de Futebol (DFB), que decidiu apostar em estratégias de marketing para reaproximar o povo da equipe. Em 2015, os dirigentes criaram o apelido “Die Mannschaft” (O Time, em tradução livre) para se referir à seleção. O epíteto não colou entre os torcedores e foi abandonado em 2022. “Muito marketing, a marca era mais importante que o básico e os fãs de futebol alemães não gostam desse uso comercial do futebol”, explica o jornalista alemão.

Paraíso baiano impulsionou sucesso alemão

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No centro do gramado do Maracanã, os jogadores da Alemanha comemoraram a conquista do título mundial fazendo, em volta da taça, uma dança que aprenderam com os índios pataxós de uma aldeia no vilarejo de Santo André, em Santa Cruz Cabrália, na Bahia. Ela foi um símbolo da integração dos alemães com a cidade em que ficaram concentrados durante a Copa do Mundo. Cabrália nunca mais foi a mesma desde então. O Campo Bahia virou um resort de luxo, muito disputado, com diárias que chegam a R$ 20 mil.

“A equipe construiu uma forte ligação com os moradores do Campo Bahia e da tribo Pataxó”, afirma Osing. “O vínculo entre alemães e brasileiros foi significativo após a partida de 7 a 1, pois os jogadores alemães permaneceram humildes e empáticos, respeitando o impacto emocional no povo brasileiro”.

A Federação Alemã de Futebol deu apoio financeiro a um projeto social chamado Sonhos de Crianças, que promove melhorias na única escola de Santo André. Antes do início do Mundial, seis jogadores (Özil, Schweinsteiger, Podolski, Draxler, Ginter e Grosskreutz) visitaram a escolal. Dirigentes alemães também investiram em obras de infraestrutura em Santo André, além de bancar a reforma do campo do time amador do vilarejo.

“O povo brasileiro tratou os jogadores alemães com carinho pelo fato de que eles não se enclausuram no Resort Campo Bahia. Eles iam ao encontro das pessoas, passeavam pela cidade e jogavam futebol na praia, convidando os brasileiros a participar da brincadeira”, ressalta Pereira, jornalista brasileiro que trabalhou por três décadas na imprensa alemã e mora até hoje na Alemanha, na pequena Mölln, a 50 quilômetros de Hamburgo. No documentário, Höwedes joga bola na areia quente da Praia de Copacabana, no Rio, e é reconhecido por alguns cariocas.

O clima nem sempre foi harmônico entre os alemães e a população local. Moradores do acanhado vilarejo contestaram a demora na promessa de ajudar na reforma do campo de futebol da vila e protestaram contra os impactos ambientais provocados pela construção bancada por empresários alemães do resort que serviu de QG para a seleção tetracampeã mundial.

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