Ronaldo e Valladolid: fracasso em campo faz torcida perder paciência e pressiona finanças do clube

Em quatro temporadas, time violeta foi rebaixado duas vezes no Campeonato Espanhol e vê seus torcedores apontarem dono brasileiro como grande culpado

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Foto do author Marcos Antomil
Atualização:

Ronaldo nunca se distanciou do futebol. Nem mesmo ao pendurar as chuteiras. O ex-camisa 9 da seleção brasileira teve experiência como acionista do time americano Fort Lauderdale Strikers, que já fechou as portas e não foi para frente. Mas a experiência que o fez vestir de vez a cartola foi comprar o Real Valladolid, da Espanha, e também o Cruzeiro. No clube espanhol, no entanto, os resultados esportivos deixam a desejar e têm pressionado as finanças nas últimas temporadas. Ronaldo Fenômeno é apontado por parte da torcida como responsável pelo fracasso do time.

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No início de junho, o Valladolid perdeu uma batalha parelha com outros clubes de média e pequena expressão da LaLiga, que organiza o futebol da Espanha, e acabou rebaixado para a divisão de acesso. O clube apostou algumas fichas em algo pouco comum na Europa: a troca de treinador. Saiu Pacheta e entrou um velho conhecido da torcida do Cruzeiro, o uruguaio Paulo Pezzolano, que havia se desligado da equipe celeste pouco tempo antes dizendo que precisava descansar.

Agora, Pezzolano terá missão semelhante à que assumiu no Cruzeiro em 2022: levar o Valladolid de volta à divisão de elite do Campeonato Espanhol. Ronaldo se tornou sócio majoritário do time de Castilla y León em setembro de 2018. Atualmente, ele possui cerca de 73% das ações do clube. Recentemente, foi noticiado pelo site espanhol Relevo que ele teria interesse em se desfazer do Valladolid, fato negado pelo próprio dirigente em coletiva de imprensa após a confirmação do descenso para a Segunda Divisão.

Ronaldo prestou esclarecimentos em coletiva de imprensa após o rebaixamento do Valladolid. Foto: Nacho Gallego/ EFE

Não pensei em venda. Obviamente, o mercado está bastante quente, mas não sairei do Valladolid até que o tenha deixado no lugar onde quero deixar. Falhar no trajeto, para nós que vivemos do futebol e aprendemos com ele, é algo normal. A única coisa que não passa pela minha mente é baixar a cabeça e desistir.

Ronaldo Fenômeno, acionista majoritário do Real Valladolid

Valladolid tem histórico de idas e vindas para a elite. Com Ronaldo, cenário não mudou

Sob a gestão de Ronaldo, o Valladolid já caiu duas vezes no Campeonato Espanhol. Mas há de se compreender qual a estatura do time no futebol local. Entre todas as suas participações na elite, a melhor colocação que já terminou foi um quarto lugar na temporada 1962-63. Num recorte menor, dos últimos 20 anos, o time teve como melhor resultado um 13º lugar na temporada 2019-20, já com Ronaldo em seu comando. Nesse mesmo período, o Valladolid passou 11 anos na Primeira Divisão e nove na Segunda.

“Clube-empresa não é sinônimo de sucesso esportivo, mas deve ser de gestão responsável. E os clubes ligados ao Ronaldo têm bons profissionais na estrutura e são organizados. Mas, às vezes, o resultado no campo não acontece. Aí entra um ponto muito importante do processo e um alerta para os novos gestores das SAFs no Brasil: o gerenciamento de expectativas. O torcedor imagina que um fundo de investimentos chega e tudo se transforma, quando, na verdade, é apenas o início do processo. Que normalmente será mais lento e difícil do que se espera”, afirma Armênio Neto, especialista em negócios do esporte e sócio-fundador da Let’s Goal.

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Logo que chegou ao Valladolid, Ronaldo foi ousado e afirmou que queria ver o time brigando por uma vaga na Champions League em cinco temporadas, desde que pudesse “reestruturar o clube e fazer todos os investimentos que estamos planejamento.” Isso ainda não aconteceu. Os rebaixamentos, porém, estão adiando os sonhos do Fenômeno. As finanças estão melhores do que quando ele assumiu, mas elas ficam fragilizadas com as perdas decorrentes de jogos e temporadas fracassadas. O novo rebaixamento coloca Ronaldo na mira dos torcedores.

“A torcida tem ficado muito desiludida com Ronaldo. O Real Valladolid já era um clube instável antes de Ronaldo e continua sendo com ele no comando, mas essa instabilidade ainda piorou: nunca antes em sua história havia subido à Primeira Divisão para ser rapidamente rebaixado na temporada seguinte, como aconteceu agora. Ronaldo já quis profissionalizar a entidade alvivioleta, mas com ele no comando foram tomadas decisões muito polêmicas, como a mudança unilateral do escudo, que prejudicaram a imagem do presidente e dos dirigentes, que não são muito abertos para ouvir a voz dos fãs neste assunto ou para corrigir no momento”, afirma o jornalista Arturo Posada do periódico El Norte de Castilla.

Paulo Pezzolano deixou o Cruzeiro, assumiu o Valladolid, mas foi incapaz de levar o time do rebaixamento. Foto: Cesar Manso/ AFP

Novo rebaixamento pressiona finanças do Valladolid e reduz expectativas

De acordo com o Diário de Valladolid, o time da cidade precisou pedir um empréstimo ao banco OLB Bank de 10 milhões de euros, cerca de R$ 52 milhões. O clube deu à época explicações sobre seu fluxo de caixa e que se tratava de uma operação comum. Na primeira metade da temporada 2022-23, o Valladolid fechou em déficit de 10,6 milhões de euros, novamente por questões de fluxo de caixa, falta de venda de jogadores e o recebimento de direitos de televisão apenas no segundo semestre.

A temporada 2021-22 também foi negativa nos números da equipe, que a encerrou o ano esportivo com déficit de 5,2 milhões de euros. Por causa do rebaixamento, LaLiga ainda repassará ao time, na próxima temporada, 10,3 milhões de euros, que servem como um paraquedas para ajudar o Valladolid no baque financeiro que representa o descenso. A lógica é a mesma do descenso no futebol brasileiro. O time rebaixado terá menos visibilidade, valores por direitos de transmissão e receitas de bilheteria. Embora diga ser “normal” essa situação no futebol, Ronaldo e seus pares no Valladolid ainda não acharam um caminho para fortalecer o time e colocá-lo no prumo. Por ser uma pessoa pública, seu nome é sempre apontado antes dos demais.

No mesmo balanço financeiro divulgado em dezembro de 2022, o Valladolid apresenta uma dívida de curto prazo de 1,3 milhão de euros (R$ 6,8 milhões), enquanto a dívida de longo prazo é de 25,7 milhões de euros (R$ 134 milhões), valores inferiores se comparados ao Cruzeiro, cuja dívida total é de R$ 1,052 bilhão. Ponto positivo para o Valladolid é a transparência. Todos os dados estão disponíveis em seu site e podem ser acompanhados de perto por torcedores. Em breve, o time de Ronaldo deve divulgar o balanço completo da temporada 2022-23.

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Antes mesmo de Ronaldo chegar, o Valladolid foi um dos clubes que optaram pelo mecanismo de recuperação judicial, ganhando desconto em suas dívidas e maior prazo para pagar as despesas restantes. O próprio fair play financeiro rígido, adotado pela Liga Espanhola, faz com que a direção dos clubes tratem as contas com rédeas curtas, não podendo fazer loucuras sem ter garantias de que arcará com aquele gasto ou investimento. O rebaixamento também acarretará em perdas, por exemplo, dos direitos de transmissão. Portanto, o Valladolid deve reduzir suas expectativas de gastos e focar em ampliar a receita de outras formas.

Ronaldo negou interesse em vender suas ações do Real Valladolid. Foto: Nacho Gallego/ EFE

O objetivo é voltar à Primeira Divisão, temos de recuperar a estatura que o clube merece. Vamos fazer uma equipe com a qual as pessoas sonhem e se identifiquem novamente. Temos de voltar, não importa como. Quero ver um vestiário com a responsabilidade de devolver o clube para onde ele merece estar.

Fran Sánchez, diretor esportivo do Valladolid

Torcida do Valladolid não mostra satisfação com Ronaldo

Entre modernização de escudo e quedas para a Segunda Divisão, há muitas críticas de torcedores à forma como Ronaldo conduz o Valladolid. Antes mesmo de o rebaixamento ser concretizado, o Fenômeno foi alvo de protestos na cidade.

Em janeiro, após o atacante brasileiro Vinícius Júnior, do Real Madrid, ser alvo de racismo por parte de torcedores do time violeta, Ronaldo condenou os ataques, os quais chamou de “repugnantes e vergonhosos”. Dias mais tarde, faixas foram espalhadas pela cidade com críticas ao ex-camisa 9. “Ronaldo defende o Real. Madrid? Valladolid!”, dizia um dos cartazes. “Queridos reis magos: devolvam nosso escudo. Fora interesses alheios”.

“A imagem de Ronaldo não é das melhores em Valladolid. Ele dá sinais de desapego e pouco é visto pela cidade e pelo próprio clube, imerso como está em outros projetos. Tudo mudará se Ronaldo conseguir festejar uma nova subida à Primeira Divisão de forma rápida e impulsionar esportivamente o Real Valladolid para que se consolide na elite. Só assim ele poderá deixar o legado que deseja”, afirma Posada, repórter do jornal El Norte de Castilla.

Ronaldo ainda tem como meta apresentar melhorias no Estádio José Zorrilla, onde o Valladolid manda seus jogos. O local é de propriedade do poder municipal e recebeu partidas do Mundial de 1982, envolvendo França, Checoslováquia e Kuwait. Em março, foi anunciado um investimento de 40 milhões de euros pelo clube para reformar o estádio. Novos vestiários, áreas vips, cobertura e a remoção do fosso entre o gramado e as arquibancadas estão no projeto.

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“Continua em andamento também o projeto de construção do Centro de Treinamentos no entorno do estádio, embora este assunto tenha sofrido problemas administrativos. Ronaldo também conseguiu quebrar o recorde de sócios nas últimas temporadas, e o público tem respondido com muito colorido no José Zorrilla. Porém, ao final, o grande termômetro da situação de um time como o Real Valladolid passa pelo seu momento esportivo”, pondera Posada.

A mudança de comando na prefeitura de Valladolid, que passou das mãos do socialista Óscar Puente para Jesús Julio Carnero, do Partido Progressista, porém, deve ditar novos rumos na relação entre o clube e o poder municipal. O novo prefeito tem um projeto ambicioso de remodelação do estádio e espera contar com a iniciativa privada e o clube para colocá-lo em prática nos próximos anos.

O ex-prefeito Puente, no entanto, não conteve as palavras ao comentar sobre Ronaldo após a queda do Real Valladolid. “Estou muito triste, não pelas palavras de Ronaldo, porque sou torcedor do Valladolid desde que me lembro. O Ronaldo de hoje não me surpreende”, iniciou Puente. “O grande problema de Ronaldo é que ele realmente não sabe onde está. Ele não conhece nem o país em que mora nem a cidade em que desembarcou. Na Espanha, o que ele quer não é possível.”

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