‘Ser filha do Pelé hoje é muito mais difícil’, afirma Flávia, um ano após a morte do pai

Uma das seis filhas do Rei do Futebol, que morreu dia 29 de dezembro de 2022, revela como tem sido o processo de aprendizado sem tê-lo por perto

PUBLICIDADE

Por Vagner Frederico
Foto: Leonardo Souza / Estadão
Entrevista comFlavia Arantes do NascimentoFilha do Pelé

Há exatamente um ano, o mundo da bola se tornava órfão da sua majestade, o Rei do futebol. Ou melhor, perdia o homem que deu vida e ajudou a eternizar um mito. Nesta entrevista exclusiva ao Estadão, Flávia Arantes do Nascimento, uma das seis filhas de Pelé, relembra os últimos dias que viveu ao lado do pai e exalta a humanidade de Edson Arantes dos Nascimento. Entre risos e choros contidos, Flávia revela as inúmeras batalhas que seu pai enfrentou contra diversos tipos de doenças, em seus últimos dez anos de existência, até perder a guerra contra um câncer de cólon, que lhe tirou a vida no dia 29 de dezembro de 2022. “Quando apareceu o câncer, em 2021, ele já tinha um corpo muito debilitado, que não comportava mais outra doença”, recorda.

Como tem sido para a família a ausência do Pelé? A gente sabe da comoção que tomou conta das pessoas que amavam o atleta... Mas como tem sido para vocês, filhos, estarem há um ano sem o Edson pai?

Eu gosto muito e acompanho a Ana Cláudia Quintana Arantes (médica geriatra, especialista em cuidados paliativos e suporte ao luto). Na verdade, é uma nova adaptação, sabe. Porque é o primeiro ano. O primeiro ano é muito difícil, porque é o primeiro ano sem ele no meu aniversário. O primeiro ano sem ele no dia dos pais. Então realmente é um aprendizado. A gente não tem mais a nossa validação dentro do olho dele, entendeu? É uma forma nova de conversar usando o coração. Não é fácil. Você começa da forma mais difícil (voz embargada)... Enfim, não é fácil. Eu acho que cada filho tem uma forma de sentir. Mas é uma adaptação, é um aprender a viver e tê-lo de uma outra forma. Eu falo, eu converso com ele, pelo coração. Ser filha do Pelé hoje é muito mais difícil porque a gente sempre foi muito low profile. Ele que era o cara, né? E aí a gente passou a ter uma exposição muito maior, né? Mas tenho uma gratidão enorme por ouvir das pessoas o quanto ele era humilde, o quanto guardam com carinho cada momento que tiveram com ele. É um acalento para o nosso coração. Tudo é um aprendizado. A gente está aprendendo a ter outra conexão com ele. Por outras vias.

O fato de Pelé ter sido uma figura pública, provavelmente o brasileiro mais conhecido no mundo, diminui um pouco o sofrimento de vocês que conviviam com ele? Afinal, o Pelé continua vivo no imaginário das pessoas. Ele é o Atleta do Século e, de alguma forma, é eterno. Pelé é eterno.

Então, tem um ponto muito importante e você falou muito bem. O Pelé é eterno, só que a gente perdeu o Edson e o Edson sempre foi muito pontual em deixar o Pelé fora de casa. Então, o Pelé realmente é isso, é do mundo, não tem família. Agora, o Edson era nosso e o Edson faz falta. A saudade é gigante! O que é gostoso é saber que, de alguma forma, a gente tem essa ligação (com o Pelé vivo), mas isso não ameniza a falta do Edson. É do Edson que a gente sente falta, a gente não conviveu com o Pelé, a gente conviveu com Edson.

E como era o Pelé, ou melhor, o Edson na intimidade?

Era muito divertido. Ele acordava e ligava o som, então a casa era sempre muito animada. Ele era uma pessoa que tinha muita atenção. São vários filhos de clãs diferentes. Então, ele sabia o que cada um gostava, o que cada um não gostava. Era muito cuidadoso com todo mundo e sempre querendo agradar. Ele era um pai, um avô que quando a gente ia para o sítio ou para a casa no Guarujá, ele levava tudo o que todo mundo gostava. Ele tinha o prazer de deixar todo mundo bem e isso é muito gostoso, né? Óbvio, falhou, teve falhas, como todo ser humano. A gente teve o humano daquela pessoa famosa, né? Tivemos uma ausência de pai em vários momentos. A gente gostaria de ter um pai numa formatura, num aniversário, e muitas vezes não tinha. Mas ele, de alguma forma, tentou fazer o melhor que podia. E acho que cada um de nós teve uma relação especial com ele e leva isso no coração.

O Edson reclamava da vida que o Pelé tinha? Me refiro ao assédio das pessoas nas ruas, dos compromissos intermináveis. Algo da vida que ele levava o incomodava de alguma forma?

E nunca vi meu pai reclamar de nada, diretamente. Da agenda e da quantidade de compromissos, de viajar pra lá e pra cá, de às vezes não estar num momento importante, um aniversário, alguma coisa assim... Isso dava a ele um olhar diferente, mas reclamar, de verdade, não. Ele sempre falava: ‘alguém tem de trabalhar muito nesta família’. Mas nunca como uma reclamação. Nos últimos tempos, ele dizia: ‘Eu já trabalhei bastante e não quero mais’. Mas não como uma reclamação, mas como uma colocação. ‘Já fiz tudo que eu podia fazer. Agora me deixe um pouquinho quieto’. Nessas últimas Copas do Mundo e na Olimpíada no Brasil (em 2016), ele não apareceu e a gente teve de respeitar porque daí já tinha as limitações físicas que ele enfrentou nos últimos dez anos.

Publicidade

Você foi uma das filhas mais próximas do Pelé nessa fase final da vida dele, especialmente quando ele passou a ter problemas para andar. Você é fisioterapeuta e participou do tratamento dele. Como ele lidou com essas limitações? No começo, teve de andar de bengala, depois foi para a cadeira. Como ele reagiu a isso, a essa transformação na vida dele?

Acho que por uma questão geográfica, eu fui uma filha mais próxima. Das meninas, eu era a única que estava no Brasil. Todas as minhas irmãs moram nos Estados Unidos e o Edinho sempre envolvido com as coisas do futebol. Acho que é bom pontuar isso. Agora, em relação às questões de saúde do meu pai, foi muito desafiador para ele. Ele foi um cara sempre muito saudável e então passou a se ver com algumas limitações. Não foi fácil, não foi uma coisa tranquila para ele. Na verdade, não é fácil pra ninguém. O envelhecer é muito delicado, você tem de ter até um preparo. Acho que isso foi mais difícil ainda para o meu pai, especialmente por essa grandiosidade que ele sustentou. Eu gosto de falar que o Edson parou a vida dele para deixar o Pelé viver. O Pelé é uma coisa que não tem explicação. Então, ele abdicou da vida dele, Edson, para viver a vida do Pelé. Então acho que essa questão da saúde, da parte física foi bastante delicada para ele, sim, entender as limitações é dentro de um cara que nunca teve limitação para nada. Não foi um processo fácil.

Flávia Arantes do Nascimento, uma das seis filhas de Pelé, revela como está sendo difícil o processo de aprendizado depois da morte do pai Foto: Leo Souza / Estadão

Em seus últimos compromissos, o Pelé compareceu de cadeira de rodas. Isso o constrangia?

Constrangia. Ele não reclamava, mas eu via uma certa reticência. E eu era uma das que falavam: ‘pai, olha só, você foi e ninguém falou da sua cadeira de rodas…' Mas o problema é que meu pai foi um cara muito independente e passar a ser dependente das pessoas, isso sempre incomoda. É difícil você ter de pedir ajuda para entrar e para sair dos lugares porque tem de segurar uma porta, porque está de andador. Em momento nenhum ele verbalizou isso. Mas quem o conhecia, quem convivia com ele, via que ele ficava incomodado, que ele não queria se mostrar daquele jeito. E eu sempre era uma que dizia: ‘pai, você pode fazer propaganda de cadeira de rodas. Aproveita. Nunca ninguém falou nada, todo mundo quer te ver.’ Mas ele tinha reticências. Então, mesmo não verbalizando, eu tinha certeza de que ele não gostava.

Como vocês receberam o primeiro diagnóstico de câncer e como o Pelé reagiu?

O primeiro diagnóstico foi exatamente em 2021, no segundo semestre (em setembro). Mas eu não me lembro se foi antes ou depois do aniversário dele (dia 23 de outubro). Naquele ano, ele já tinha feito um check-up em fevereiro e estava tudo bem. E aí nesse segundo check-up é que foi a grande surpresa. Foi diagnosticado o câncer no cólon.

Ele ficou sabendo do resultado do diagnóstico junto com vocês ou foi informado pela família depois?

Não, o doutor Fabio Nasri (endocrinologista e geriatra, do Hospital Albert Einstein, integrante da equipe médica que cuidou de Pelé), assim como toda a equipe, sempre colocou meu pai a par de tudo. E eu acho que o paciente tem de saber o que está acontecendo com ele. Então, meu pai foi comunicado assim que foi feito o exame.

E como seu pai reagiu a essa notícia? Ele ainda estava totalmente lúcido nessa época...

Completamente lúcido. Bom, é sempre um susto, né? Mas ele sempre foi extremamente colaborativo e disse: ‘Ok, o que tem de ser feito, doutor? Então, vamos fazer!’ Mas o câncer que ele teve era um câncer que não tinha dor, graças a Deus. Então, aí sim, começou um pouco a confusão. Ele sempre ouvia de outras pessoas que tinham câncer, com as quais conviveu (no hospital), reclamar de dor, e ele não tinha dor. Então, aí sim, para fazer as internações e o tratamento com quimioterapia, foi mais difícil. Porque como ele não tinha dor, ele falava: ‘Por que tenho de ir se não tenho nada? Eu já não fiz a cirurgia? Eu não tenho mais nada.’ Então, esse entendimento, esse ajuste, aí sim, foi uma certa briga.

Publicidade

Mas depois da primeira cirurgia para retirada do tumor parecia que o problema estava resolvido, certo?

Com certeza foi retirado. Só que você tem de fazer a quimioterapia para evitar que isso se desenvolva novamente. Então, ele fazia o tratamento todo mês e nos primeiros seis meses deu tudo certo. Só que chegou um momento, eu não me lembro exatamente a data, mas foi no início de 2022, que aí viram que (o tumor) voltou a crescer, houve uma metástase. E aí teve de mudar o tipo de medicamento. Ele fazia a quimioterapia, ficava ruim nos primeiros dias e quando ficava bem de novo, tinha de voltar para o hospital para fazer de novo. Então, tem todo um processo e o tratamento é chato. E aí ele dizia: ‘Estou me sentindo bem. Por que tenho de fazer isso?’ Fica uma dúvida do entendimento...

Quando vocês perceberam que a doença do seu pai era irreversível?

PUBLICIDADE

Na verdade, tenho de pontuar uma coisa. Antes da cirurgia, antes de aparecer o câncer, meu pai já tinha algumas questões. Ele já tinha uma pequena insuficiência cardíaca, ele não tinha um rim (Pelé perdeu um rim quando ainda era jogador). Quando ele fez a cirurgia do quadril para colocar a prótese, que não teve problema, absolutamente nenhum, foi descoberta uma doença autoimune que se chama miosite ossificante (doença genética rara que transforma músculos, ligamentos e tendões em osso, em decorrência de traumas ou lesões musculares) de causa inespecífica. Então, ele já tinha uma fraqueza muscular.

Essa doença provoca fraqueza muscular...

Provoca fraqueza, fraqueza nos músculos, perda de potência (muscular), o corpo vai atrofiando. Isso tudo foi em 2012, quando ele operou o quadril. Então, esse combo veio junto. Mas ele quis achar que tudo isso era culpa do quadril, mas não era, só veio junto com o quadril. E logo depois do quadril, se não me engano, um ano depois, ele teve de operar a coluna também. Ele tinha uma listese (deslocamento de uma vértebra da coluna) e teve de fazer uma artrodese (procedimento cirúrgico). Então, ele teve várias cirurgias pós o quadril e para ele era tudo o mesmo combo, mas não era. Eram coisas diferentes. Aí ele ainda teve pedra nos rins. Isso tudo enfraquece o corpo.

Foram várias batalhas...

Várias! Não era uma só. Então, quando apareceu o câncer em 2021, ele já tinha um corpo debilitado. Essa que foi a questão. E quando você faz uma quimioterapia, você debilita ainda mais o corpo. Nesse sentido é que acho que tinha um físico que não estava comportado para um câncer, entendeu?

E como foi o final dele, os últimos dias? Você percebia medo no seu pai, medo de morrer?

Quando ele internou, no dia 29 de novembro, não havia risco (de morte). Ele estava com uma infecção pulmonar. Foi uma sequela da covid-19 que ele teve um pouco antes, perto do aniversário dele (23 de outubro). Ficou uma tosse e essa tosse não melhorava e aí foram investigar. E quando investigaram, viram que ele tinha uma infecção respiratória, daí o doutor Fabio Nasri nos avisou que teríamos de interná-lo para tratar com antibióticos. Mas ele iria sair para o Natal, estava tudo certo para isso. Domingo (dia 18), acabou a Copa do Mundo e na segunda-feira eles (os médicos) começaram a falar: ‘Olha, tem mais um foco infeccioso e a gente não está sabendo aonde está esse foco.’ Na quarta-feira, eles falaram: ‘Ele não vai poder sair para o Natal.’ E aí sim, dessa quarta para sexta-feira (antevéspera do Natal), parece que baixaram todos os disjuntores do corpo dele e o rim começou a parar. Eu ainda questionei se poderia ser feita uma hemodiálise e me disseram que não por conta do estado dele. Na sexta-feira, os médicos disseram que não tinha mais volta e pediram para chamar todos os familiares (para o hospital) porque a previsão inicial era de que em 24 horas ele iria embora. Tanto que eu brinquei: ‘Poxa, pai! Você vai querer ir embora justo no aniversário de Jesus? Quer chegar em grande estilo, né?’

Publicidade

A essa altura você já falava claramente com o seu pai sobre o que estava para acontecer? Você não me respondeu se ele demonstrou medo de morrer...

Ah, sim, e brincando. Tinha de levar a situação de uma forma leve, sempre leve, eu acho que é isso. Você me perguntou se ele teve medo de morrer. No dia 10 de dezembro, a Kelly (uma das irmãs) chegou e a partir dali eu e ela ficamos direto no hospital. Então, a resposta é ‘sim’. Teve uma noite que a gente conversou muito e ele falou que estava com medo.

O que ele disse exatamente?

Só disse que estava com medo mesmo. Meu pai nunca falou de morte. Ele odiava esse assunto. Ele não foi no enterro do meu avô (João Ramos do Nascimento, o Dondinho, falecido em 1996). Ele não foi no enterro do irmão (Jair Arantes do Nascimento, o Zoca, falecido em 2020). Ele brincava que só iria no enterro dele. E foi mesmo. Não foi no enterro de nenhum amigo e de ninguém da família. São histórias que ele tinha dentro dele. Ele não falava de morte. Era um tabu pra ele.

Ele esteve lúcido até o final?

Sim. Estava lúcido e sempre falando em melhorar. Ele acreditava que iria dar a volta por cima. Mas teve esse único momento lá no hospital que ele falou do medo. A gente teve conversas durante as madrugadas que eram conversas de alma, tanto comigo quanto com a Kelly. E a gente dizia: ‘pai, não precisa ter medo. Você vai encontrar seu pai, vai encontrar o seu tio (Jorge do Nascimento, falecido em 2019, irmão da mãe de Pelé, dona Celeste). Vai ser maravilhoso, vai cuidar melhor da gente de lá.’

O Edson era religioso?

Muito, muito religioso, principalmente nestes últimos anos. A minha avó (a mãe de Pelé, dona Celeste Arantes do Nascimento, que vive em Santos em estado vegetativo, aos 102 anos) era muito religiosa, católica. Nestes últimos anos, meu pai assistia a missas todos os dias. Ele tinha a hora de fazer a oração dele. Durante toda sua vida, ele manteve a ligação dele com Deus.

Como está a relação entre vocês, filhos. A morte do seu pai provocou algum tipo de aproximação dentro da família? Já é público que vocês reataram com os filhos da Sandra, os gêmeos Gabriel e Octávio.

A gente procura ser unido, cada um no seu lugar, né? Metade da família mora nos Estados Unidos, dentro do possível a gente se mantém próximos, temos um grupo de WhatsApp. Mas assim, são clãs diferentes e cada um com as suas dinâmicas. Mas a gente procura se manter sempre próximos. Todo mundo conversa, todo mundo sabe o que está acontecendo, mais ou menos, um com outro, dentro do que é viável. A gente se mantém unido, mas é diferente, né? Muito era ele que fazia a união. Na verdade, desde que eu estou na família, a gente teve um único encontro, todos os filhos e netos juntos, só não os filhos da Sandra. Isso aconteceu de 2018 para 2019 e foi muito legal. Mas a gente se mantém próximos. Graças a Deus não tem briga, não tem desavença.

Publicidade

E como é a relação de vocês com a viúva do seu pai, a Márcia Aoki?

Sempre foi boa. Não temos absolutamente nada a falar (risos).

Essa questão da herança do seu pai está bem resolvida entre vocês?

Tudo tranquilo. Está correndo como tem de correr, dentro da Justiça, de um processo normal de inventário.

Você e a sua irmã Kelly têm um projeto social com o nome do seu pai destinado ao esporte? Conta um pouco sobre isso.

Isso, na verdade, é um instituto que já existe nos Estados Unidos e a gente quer trazer aqui para o Brasil. A ideia aqui é fazer um novo instituto, pois a gente não tem recurso próprio para ser fundação. Inicialmente, o grande objetivo é validar os projetos. Na verdade, Arantes do Nascimento é o selo de garantia de projetos sociais relacionados ao esporte. Isso tudo tem de ser muito bem estruturado porque é uma coisa séria. A gente tem muito respeito pelo que a gente quer fazer e pelo que a gente quer deixar. Então, assim, não é de qualquer jeito que a gente vai montar. É o nome dele que está por trás e eu quero trabalhar com gente séria, com gente competente. Quero fazer um trabalho super honesto. Exatamente como é o Arantes Nascimento, um nome forte que não pode ter um mínimo de erro, então isso tem de ser devagar. Eu acredito que, agora no próximo ano, consiga ter espaço para cuidar um pouco mais disso, mas vai sair.

Seu pai guardava alguns objetos de valor histórico da carreira dele na casa do Guarujá, onde ele morava. O que foi feito deles?

Na casa da Resedá (rua do primeiro endereço de Pelé no Guarujá) tinha um salão com peças da história da vida dele inteira. Mas aí parte disso foi para o Museu Pelé (em Santos) e outra parte foi com a venda da marca para o Paul Kemsley (empresário inglês, que em 2012 comprou a Prime Licenciamentos e transferiu para a sua empresa, a Sports 10, os direitos globais de marketing da marca Pelé). Houve um leilão também de algumas dessas peças, mas agora eu não me lembro qual foi a data. Enfim, não temos mais nada disso.

O Santos foi rebaixado no Campeonato Brasileiro pela primeira vez, em 111 anos de história. Não sei se você entende a importância disso para um clube desse tamanho. Como você acha que o Pelé se sentiria com isso se estivesse vivo? Ele vinha sofrendo com o Santos nos últimos anos. Era um torcedor fanático?

Fanático, fanático eu acho que ele não era. Mas ele acompanhava, sim. Ele gostava. Não tem como, né? Ele adorava o futebol. Eu acho que ele ficaria muito triste. Mas vou dar minha opinião como filha dele. A era Pelé se encerra junto com ele. Ele foi e levou tudo. Para mim, é muito claro que precisa ter uma nova fase do Santos, desde o Santos enquanto espaço, da nova Vila (Belmiro). Sei que isso é muito delicado de falar, existem outras opiniões. Mas acabou a era Pelé. Isso não vai ser esquecido jamais. Mas é preciso construir uma nova história para o Santos. Por isso que o Santos foi para a segunda divisão, sabe? É uma coisa de energia. Ele levou, ele foi embora e levou.

Publicidade

E esse rebaixamento do Santos aconteceu no campeonato que homenageou o Pelé…

Exatamente. Então, eu acredito muito em energias, em ciclos, e para mim isso é muito claro. Acabou esse ciclo. A gente tem de ter um ciclo novo, um estádio novo, uma Vila nova. Nada vai apagar toda a história, não tem de se apagar. Mas tem de fazer uma nova história. É muito curioso. Eu não acredito em coincidências. Eu acho que as coisas são totalmente sincrônicas. Então, tem um dedo dele aí.

Para terminarmos, me fala sobre o livro infanto-juvenil que acaba de ser lançado em homenagem ao aniversário da morte do seu pai: “Dico: o menino que morava no coração do Pelé”.

Esse livro é a coisa mais linda. Voltando aquilo que te falei logo no início da entrevista, o Pelé é gigante. Pelé não é de ninguém, Pelé não tem família, Pelé é do mundo. Só que o Edson abnegou a vida dele exatamente por esse cara. A humanidade do Pelé é o Edson. Então, a gente tem de falar do Arantes do Nascimento. A gente tem de falar do menino que prometeu para o pai que venceria uma Copa do Mundo (aos 10 anos, em 1950, Pelé presenciou seu pai chorar pela derrota da seleção brasileira para o Uruguai, em pleno Maracanã, na final da primeira Copa do Mundo disputada no Brasil, e prometeu que ajudaria a seleção a vencer uma Copa quando se tornasse jogador de futebol). Foi ali que tudo começou, entendeu? Imagina, ele tinha 10 anos, não tinha a menor consciência do que iria acontecer com a vida dele. Então, ele faz uma promessa de amor. E quando o Celso (Celso de Campos Júnior, autor do livro) trouxe essa ideia, eu amei porque tenho um podcast, Legado do Rei, que tem essa ideia inicial, trazer essas histórias do Edson, da vida por trás do Pelé. De quem vivia a vida que não era do Pelé. Então, quando o Celso trouxe essa história, eu fiquei apaixonada, porque ele fala lúdico. Ele fala do Edson, fala do Edson criança. É um livro para ser contado de pai para filho, para que o pai leia e conte as histórias de como surgiu esse Pelé, de como aquele menino pequeno começou a projetar o Pelé lá na frente. É uma homenagem para o Edson e eu fiquei super encantada porque sem o Edson o Pelé não existiria.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.