A disputa da Copa do Mundo na Rússia e a abertura do país para um batalhão de estrangeiros que jamais rumaria ao país não fosse pela realização do evento máximo do futebol deixará um legado que vai além do esporte e diz muito sobre o convívio em sociedade: o afeto pode superar qualquer barreira linguística.
Distanciada do turista ocidental por décadas de Guerra Fria e com um território gigantesco, a Rússia vai se abrindo ao mundo involuntariamente, com a realização de grandes eventos internacionais. Na área do esporte, Sochi, um balneário de pouco mais 400 mil habitantes, recebeu a Olimpíada de Inverno de 2016. Dois anos depois, é uma das 11 cidades-sede da Copa do Mundo, além de “quartel-general” das seleções brasileira e polonesa.
O evento é esportivo, mas a transformação globalizadora se dá na cultura e no cotidiano, ainda que ao jeito russo. Assim, o aplicativo para transporte individual mais recomendado é o Yandex, o serviço de mensagens instantâneas é o Telegram (criado no país); o VK, o Facebook russo, é a rede social mais utilizada e o letreiro e cardápio do McDonald’s são apenas em cirílico. Além disso, ainda se vê carros da marca Lada circularem pela cidade.
O complexo onde a seleção treina em Sochi conta com o Estádio Slava Metreveli, uma homenagem a um dos heróis da conquista do único título europeu da seleção da União Soviética. Foi em 1960, numa final contra a Iugoslávia, vencida por 2 a 1, no Parque dos Príncipes, e envolveu dois países que, 58 anos depois, não existem mais.
É, assim, agarrada ao passado e seus simbolismos culturais, que a Rússia se transforma. E com muita curiosidade. A presença de estrangeiros no país, algo raro até há alguns anos, chama a atenção e desperta o orgulho de quem recebe pela primeira vez e quer exibir o seu melhor, como em Sochi, onde o desenvolvimento chegou primeiro à infraestrutura, algo exposto nas largas rodovias, túneis e diversos viadutos.
E, claro, no moderno e tecnológico Parque Olímpico, que contempla o Fisht Stadium, fruto do mesmo avanço tecnológico que permitiu a ida do cosmonauta Yuri Gagarin ao espaço. Mas o uso reduzido dessas instalações é um problema que une a Rússia ao Brasil no desperdício de recursos com grandes eventos esportivos.
A proximidade não se resume a isso, pois Brasil e Rússia incrementaram o relacionamento nos últimos anos. Isso incluiu a assinatura de um acordo bilateral que permitiu o envio do primeiro astronauta do País ao espaço - Marcos Pontes. A presença da seleção em Sochi, onde Gagarin gostava de passar o verão, a colocou no mapa do torcedor, e trouxe para a Riviera Russa muitos brasileiros.
A partir disso, a união de desperdícios e estratégica se tornou afetiva. A declaração da nacionalidade brasileira no comércio, restaurantes ou hotéis desperta sorrisos, assim como a simples tentativa de se comunicar com simples expressões, como “bom dia” e “obrigado”. Como forma de retribuição, fazem o caminho oposto, tentando aprender as mesmas palavras em um idioma tão diferente como o português.
Quando essa barreira se torna intransponível, resta recorrer aos aplicativos de telefones celulares com tradução simultânea. Foi a partir dele que a reportagem do Estado recebeu o recado de que a recepcionista de um hotel em Sochi iria “sentir falta” dos brasileiros que seguiam para Rostov, onde cobriram o primeiro jogo da seleção na Copa, em um gesto enfático de empatia.
Cristiano Ronaldo, que também tem o português como língua materna, não precisou desse recurso para deixar sua marca em Sochi. Com três gols marcados no empate por 3 a 3 com a Espanha, fez história no Fisht Stadium. Está na memória, um sentimento difícil de traduzir, mas que traduz bem o cenário da cidade russa que expressa, à sua maneira, o carinho e receptividade aos visitantes.
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