O texto da Medida Provisória que regulamenta as apostas esportivas no Brasil foi entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em meio à grande repercussão das investigações do Ministério Público de Goiás (MP-GO) sobre um esquema fraudulento envolvendo apostas esportivas em jogos das séries A e B do Campeonato Brasileiro de 2022 e do Paulistão e Campeonato Gaúcho deste ano. Trata-se de uma alteração na Lei 13.756, sancionada em 2018 por Michel Temer.
A proposta terá efeito imediato caso seja assinada pelo petista, mas precisará ser aprovada pelo Congresso para se tornar lei. Procurados pelo Estadão, especialistas comentam a medida e avaliam alguns dos principais pontos do texto. Uma das novidades é a participação, direta ou indireta, de “pessoa que tenha ou possa ter qualquer influência no resultado de evento real de temática esportiva objeto da loteria de apostas de quota fixa”. Isso inclui dirigentes e atletas, além da arbitragem.
Mariana Chamelette, Procuradora do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol Paulista e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, entende que a alteração é “fundamental” para manter a integridade esportiva. “Os regulamentos gerais de competição tanto da Federação Paulista de Futebol quanto da CBF já previam essa proibição, que agora deve ser regulamentada”, explica. “Ainda que a MP não preveja isso expressamente, a Fifa proíbe que os stakeholders do Esporte, ou seja, as pessoas que possam exercer influências em partidas, como dirigentes, detenham alguma participação em operadores de apostas”, ressalta.
Proprietários, administradores, gerentes e funcionários das próprias casas de apostas também estão proibidos de apostar, bem como menores de 18 anos.
A Medida Provisória também estabelece que as casas de apostas sejam impedidas de adquirir, licenciar ou financiar a aquisição de direitos de eventos esportivos para transmiti-los, distribuí-los ou reproduzi-los em quaisquer plataformas por qualquer meio ou processo. Segundo Mariana, este ponto é necessário para que o texto tenha, de fato, efetividade. “Este inciso é colocado para que seja interessante para o operador se licenciar e, além disso, haver fiscalização e vedação das plataformas que não são licenciadas.”
“Preservar a integridade do esporte deve ser uma das prioridades do governo e, por isso, as regras devem ser especialmente rigorosas e atentas às pessoas que possam ter algum grau de influência sobre o resultado das partidas”, diz Eduardo Diamante, especialista em Direito Desportivo, do escritório Carlezzo Advogados.
A Justiça de Goiás tornou réus 16 denunciados, incluindo sete jogadores. Os casos também são investigados pela Polícia Federal, que instaurou inquérito por determinação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, acatando um pedido da CBF. Grupos de apostadores cooptavam atletas para realizar ações em campo, como receber cartões deliberadamente, em troca de vantagem financeira de até R$ 100 mil.
O texto prevê que, caso haja evidência de manipulação de partidas ou fraudes semelhantes, o Ministério da Fazenda poderá determinar a imediata suspensão das apostas e a retenção do pagamento dos prêmios, bem como “outras medidas restritivas destinadas a evitar ou mitigar as consequências de práticas violadoras da integridade no esporte”.
“A questão de subordinar essas medidas de suspensão ao Ministério da Fazenda, embora seja uma prática clássica, com exemplo na Europa, não me dá certeza de que o órgão terá esse arsenal para fiscalizar e aplicar as penas do que uma autoridade desmembrada do Ministério, como uma agência reguladora do jogo”, pondera João Vitor Kanufre Xavier, mestre em direito financeiro e tributário pela USP (Universidade de São Paulo), sócio da Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.
“Temos exemplos bem sucedidos em Nevada, nos Estados Unidos, que iniciou com o órgão vinculado à Fazenda, mas depois virou um órgão regulador diferente, especializado e com instrumentos para fazer este tipo de fiscalização.”
Dinheiro em jogo
O governo espera arrecadar de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões com a medida. Segundo o Ministério da Fazenda, os ministérios poderão editar portarias com normas para criar mecanismos que evitem e coíbam os casos de manipulação de partidas de futebol. A ministro da Justiça, Flávio Dino, está empenhado em tratar o assunto com mãos de ferro. Ele usou a palavra “repressão” contra os envolvidos no esquema e bloqueio de bens.
“A implementação do projeto de lei das apostas esportivas tem o potencial de gerar uma fonte de receita considerável para o governo e criar novos empregos, enquanto também apresenta desafios significativos em termos de regulação e proteção dos consumidores, vez que expõe o mercado a novos riscos antes não considerados. Primeiramente, é importante entender que o jogo de apostas esportivas não é apenas uma atividade de lazer, mas uma indústria multibilionária, que já acontece por omissão no Brasil”, diz Matheus Puppe, advogado especialista em novas tecnologias e sócio do escritório Maneira Advogados.
“Cada um dos pontos do texto reflete uma abordagem cuidadosa e considerada para a regulamentação das apostas esportivas no Brasil. Eles visam maximizar os benefícios econômicos, ao mesmo tempo em que minimizem os riscos potenciais associados à atividade”, diz.
O dinheiro arrecadado com taxas e impostos será destinado a áreas como segurança pública, educação básica, clubes esportivos e ações sociais. De acordo com a Fazenda, do total arrecadado, 2,55% irão para o Fundo Nacional de Segurança Pública; 0,82% vai para a educação básica; 1,63% está destinado para os clubes esportivos; 10% seguirão para a seguridade social; e 1% vai para o Ministério do Esporte.
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