O corpo de Gabriela Anelli Marchiano, torcedora do Palmeiras de 23 anos morta no entorno do Allianz Parque após ser atingida no pescoço por estilhaços de uma garrafa de vidro arremessada por um flamenguista, foi velado e enterrado nesta terça-feira, 11. O velório no cemitério Memorial Parque Paulista, em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, começou às 6h e o corpo foi sepultado perto das 13h. A primeira parte da cerimônia foi reservada a amigos e familiares.
Em um cortejo incomum, torcedores da Mancha Alvi Verde e de outras organizadas homenagearam Gabriela com bandeirões, fogos e cantorias. O corpo da jovem palmeirense foi levado em um carro em um trajeto curto, feito em menos de dez minutos, enquanto torcedores tremulavam bandeiras ao lado. O caixão esteve todo o tempo enrolado em uma bandeira verde e branca.
Os torcedores acenderam sinalizadores, soltaram rojões e cantaram o nome de Gabriela ao fim do trajeto. A pedido da família, o hino do Palmeiras foi cantado em uníssono antes de a palmeirense ser enterrada.
Um dos tios dela, Bruno Tadeu Anelli, fez um discurso pedindo paz, empatia e reflexão e suplicou para que os torcedores não se vinguem do responsável pela morte da jovem. Depois disso, Gabriela foi enterrada sob cantoria e aplausos de todos os presentes
Depois, às 10h30, o portão foi aberto também para não convidados e pessoas comuns que se sensibilizaram com a morte trágica da menina no último sábado. O velório reuniu muita gente, incluindo torcedores do Palmeiras e membros de todas as organizadas ligadas ao clube, que vestiam trajes alusivos às torcidas. Muitos também foram ao cemitério com a camisa do Palmeiras.
A jovem fazia parte da Mancha Alvi Verde, principal uniformizada palmeirense, e namorava com um integrante da Porks, outra uniformizada do time. Ela estava perto da sede da Porks, em um dos acessos ao Allianz Parque, na rua Padre Antônio Tomás, quando estilhaços da garrafa lançada por um torcedor do Flamengo acertaram a veia jugular de seu pescoço e a glândula tireoide.
Dor, desabafo e luto
“Esses malucos que fazem isso têm de pagar. É o que eu desejo”, desabafou o avô paterno da palmeirense. Usando uma jaqueta da Mancha Alvi Verde, o pai da jovem, Ettore Marchiano Neto, contou que o Palmeiras “era a vida” da filha. “A balada dela era o Palmeiras. Meninas de 23 anos gostam de outras coisas, ela gostava do Palmeiras. Era apaixonada demais”, resumiu.
Ele e a mulher, Dilcilene Prado Anelli, acompanhavam a filha nas partidas do Palmeiras. Inclusive foram ao Allianz Parque no último sábado, quando Gabriela foi atingida gravemente pelo torcedor Leonardo Felipe Xavier Santiago, de 26 anos, que estava por conta própria na torcida do Flamengo. “Vou continuar a fazer o que fazia com a Gabriela. Quando eu pisar lá no estádio, em cada canto, vou lembrar dela. A gente chegava juntos, ia embora juntos. Vou continuar o que ela queria, o legado dela”, afirmou o pai.
“Desde pequena até os 23 anos. Gabriela sempre foi muito carinhosa, extremamente família, muito apegada aos avós”, detalhou o tio, Bruno Tadeu Anelli, outro a se revoltar com a violência no futebol, que, desde janeiro deste ano, já vitimou oito torcedores no País. “Estádio é um lugar em que não deveria haver violência, mas a sociedade está doente, precisando de cura”.
Legado
A mãe, Dilcilene Prado Anelli, foi quem mais conversou com os jornalistas. Emocionada e também vestida com trajes da Mancha Alvi Verde, ela defendeu a organizada da qual a filha fazia parte e avisou que continuará o legado da filha. “A Gabi amava a torcida e eu vou continuar o legado dela”, declarou. Um dia antes, ela disse que a filha participava de ações beneficentes com a torcida em datas especiais, como Páscoa.
“Dói muito. Nunca imaginei ver minha filha na UTI e depois em um caixão. Quando vai a ficha, me dá um desespero, mas a força que vem lá de cima é muito grande”, continuou a mãe, para quem a segurança do jogo “foi bem falha”. “Isso tem de parar. Tem de ter mais amor ao próximo. Não estamos falando de futebol, estamos falando de vidas”.
No local, familiares, amigos e torcedores do Palmeiras prestaram suas últimas homenagens. Foi possível ver ao menos 20 coroas de flores ao lado do caixão de Gabriela.
Tragédia no entorno do Allianz Parque
O crime aconteceu por volta das 17h45 do último sábado, dia 8, isto é, mais de três horas antes do início do jogo entre Palmeiras e Flamengo, na rua Padre Antônio Tomás, entre os portões C e D - o D é o que dá acesso aos torcedores visitantes. Havia uma proteção de metal para separar os flamenguistas dos palmeirenses, mas ela não foi suficiente para evitar a morte da torcedora. Uma outra pessoa também foi ferida pelos estilhaços de vidro.
Segundo o delegado César Saad, que investiga o caso, o autor do crime é Leonardo Felipe Xavier Santiago, de 26 anos, torcedor do Flamengo. Ele teve a prisão preventiva decretada pela Justiça nesta segunda-feira, dia 10, e vai responder por homicídio doloso, quando há a intenção de matar.
Conforme disse ao Estadão, Saad, que é titular da Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva (Drade), Leonardo Felipe atirou a garrafa no momento em que a divisória de metal que separava a torcida local da visitante foi aberta para a passagem de uma viatura da Guarda Civil Metropolitana.
Gabriela foi socorrida no posto de atendimento do Allianz. Ao ser constatada a gravidade dos ferimentos, ela foi encaminhada à Santa Casa, onde ficou internada e passou por cirurgia. A palmeirense teve duas paradas cardiorrespiratórias, ficou em coma induzido e morreu na madrugada de segunda-feira.
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