Victor descarta ‘espanholização’ do futebol brasileiro: ‘Equilíbrio é pelo calendário’

Diretor da equipe mineira, a única nas semifinais de Copa do Brasil e Libertadores, compartilha com o Estadão sua visão sobre fair-play financeiro, competitividade do futebol brasileiro e relembra título do Paulista em 2005

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Foto do author Leonardo Catto
Foto: Pedro Souza / Atletico
Entrevista comVictor BaggyDiretor de futebol e ex-goleiro do Atlético-MG

Victor Baggy substituiu Rodrigo Caetano como diretor de futebol do Atlético-MG no começo de 2024, quando o então ocupante do cargo foi chamado para atuar na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Corria o Campeonato Mineiro, e o time se preparava para o restante da temporada.

Logo no começo, Victor precisou lidar com a necessidade de mudança. O clube tinha um desempenho abaixo do esperado com o técnico Felipão. O treinador classificou o Atlético-MG para a final do estadual, mas foi comunicado que não seguiria no cargo. Para o lugar dele, o clube buscou o argentino Gabriel Milito.

O time via sua hegemonia de quatro títulos seguidos ameaçada quando, no primeiro jogo da final e estreia de Milito, sofreu o empate do Cruzeiro nos minutos finais após ter aberto 2 a 0. Na segunda partida, porém, a equipe teve tranquilidade para anotar o penta.

Victor Baggy, ex-goleiro foi ídolo do Atlético-MG e hoje é diretor de futebol do clube. Foto: Pedro Souza / Atletico

Este foi o primeiro título de Victor como diretor, aos 41 anos. Como gerente, ele já havia participado da conquista do Brasileirão, Copa do Brasil, Supercopa e outros três estaduais. No gol do Atlético-MG, Victor viveu o momento mais vencedor da carreira, que começou no Paulista, com o qual ganhou o Brasil em 2005.

Único time brasileiro que está na semifinal de Copa do Brasil e da Libertadores, o Atlético-MG almeja uma conquista de maior expressão em 2024. Para Victor, isso significaria coroar o primeiro ano como diretor.

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A equipe começa a disputa pela final da Copa do Brasil contra o Vasco, nesta quarta-feira, 2, às 21h30 (de Brasília), na Arena MRV. A volta será na próxima semana, em São Januário. Já pela Libertadores, o adversário será o River Plate, com jogos em 22 e 29 de outubro, em Belo Horizonte e Buenos Aires, respectivamente.

Como foi o processo de transição do campo para os bastidores do clube?

Sempre foi uma preocupação que eu tive no período enquanto atleta fazer essa transição de pós-carreira. Eu me formei em Educação Física já pensando num plano B de carreira, porque, com 22 anos, você tem aquela incerteza se você vai chegar num nível de performance alto. Foi algo que eu sempre levei comigo ter essa formação acadêmica.

Enquanto atleta sempre busquei me informar, estudava, busquei literaturas específicas sobre gestão também. Fiz alguns cursos de gestão também dentro do esporte e de pessoas e noções de gestão. Você abre o leque para uma área mais executiva.

A minha decisão de parar foi muito atrelada também essa oportunidade de transição. Eu tinha uma proposta na época. Meu contrato estava vencendo aqui no Atlético. E o Rodrigo Caetano me chamou uma conversa dizendo que não continuaríamos. Isso eu já sabia, mas que ele precisava de um gerente, ele vinha chegando aqui no início de 2021.

Eu já tinha 38 anos na época e acho que foi um dos grandes pontos para tomar a decisão de encerrar minha carreira.

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Contar com Rodrigo Caetano junto deve ter sido facilitador, mas substituí-lo é mais difícil.

Então, foi um processo rápido, mas não pegou me pegou desprevenido porque eu já vinha me especializando, obviamente sem muita experiência também, mas até um dos das exigências que o Rodrigo me fez na época foi fazer o curso de executivo da CBF e assim eu fiz e sempre tive a referência dele para poder também, mesmo dentro da minha experiência poder adquirir conhecimentos específicos da função.

O fato de você ter uma ligação forte com o clube é um caminho que te abre. Isso é inegável. Mas, se você não estiver preparado, você não se sustenta. Uma coisa é você ser atleta, outra é estar preparado para assumir

Claro que ainda é tudo muito novo para mim. Tenho buscado aprender a cada dia. Eu tive um grande professor. O Rodrigo, se não é o principal nome da função hoje, é um dos principais.

Então aprendi muito nesse período de três anos no qual eu convivi com ele. E foi quase que um estágio. O fato de ele ter me indicado, ter validado a minha efetivação aqui me deu muita tranquilidade. Porque foi a palavra dele.

As decisões não são individuais, mas pouco deopis de você assumir houve a definição pela saída do Felipão. Como foi lidar com isso tão cedo?

Foi um desafio muito grande. Logo no início dessa jornada como gestor. Afinal de contas, o Felipão foi o treinador que me levou para Copa do Mundo 2014, né? E você tem que comunicar um treinador, um profissional desse quilate de uma saída, realmente foi um momento bem difícil, mas que se tornou menos traumático a partir da conduta do Felipão, que é uma grande pessoa, um grande caráter.

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A comunicação foi menos dolorosa, digamos assim, porque realmente ele tem muito caráter, tem muita experiência, não é algo novo na carreira dele. Internamente, houve entendimento de que era um momento de fazer esse movimento.

O Milito é um treinador muito bem-visto aqui dentro do clube, pela torcida também. Tem muita aceitação com os atletas e é um grande líder. Treinador muito organizado, muito competitivo, muito comprometido com o projeto esportivo do clube. Então também temos que dar todo valor ao trabalho que ele tem feito porque realmente é um dos principais nomes da função do futebol sul-americano.

Você acredita que a profissionalização do futebol passa por uma regulamentação das funções existentes no esporte?

O fato de os profissionais da área estarem buscando essa melhoria acadêmica, essa formação (colabora para a profissionalização), porque a gente via muito ex-atletas como treinadores que traziam para campo aquilo que vivenciaram durante suas carreiras como atleta. Isso por si só não garante sucesso. Não só como treinadores, mas em todo o departamento do futebol.

Entendo que a profissionalização dá ainda mais validação a importância do profissional não só do treinador, mas acho que é outro ponto que a gente vale citar também dos próprios árbitros, que hoje é um tema muito sensível, muito discutido.

É um movimento para termos mais credibilidade, obviamente, que nós não vamos sanar todos os problemas, mas te gera uma credibilidade maior, mas acho que é um caminho natural. Aos poucos vai ser pavimentado para regulamentação e sabendo da importância que a figura do treinador tem dentro de uma equipe de futebol.

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Goleiro foi um dos protagonistas da conquista da Libertadores do Atlético-MG, em 2013. Foto: Bruno Cantini/Atlético-MG

Dentro de campo, você acredita quando dizem que o Brasil pode viver uma ‘espanholização’, com equipes como Flamengo, Palmeiras e até o Atlético-MG se distanciando de outras?

Eu não colocaria hoje o Galo como uma potência financeira, porque a gente sabe que tem clubes hoje que tem orçamento gigantes dentro do futebol brasileiro. Mas o futebol brasileiro tem suas peculiaridades. É o único campeonato no mundo no qual você tem o líder perdendo para um time que está na zona de rebaixamento. E você tem 8, 9, 10 clubes brigando pela parte de cima da tabela.

O Fortaleza hoje é um grande exemplo de um time que tem efetividade financeira. Porque tem uma folha salarial muito abaixo de outras equipes e está brigando por título lá em cima.

É claro que há de se pensar num futuro numa questão do fair-play financeiro para continuar tendo esse equilíbrio. É um ponto acho que tem que ser discutido. Porque, senão, realmente a tendência, não é uma realidade, não é uma regra, mas é uma possibilidade de acabar a cada temporada tendo equipes com maior poderio financeiro. Em vantagens desportivas, não sei se no Brasil isso pode acontecer porque o calendário também propicia que clubes que têm um investimento menor possam brigar.

No Brasil você joga 70, 75 jogos. É impossível, mesmo com todo investimento que é feito, você manter um nível técnico alto, competitivo durante toda uma temporada. Então talvez haja esse equilíbrio muito pelo calendário também, mas é algo que realmente tem que ser debatido para termos uma questão financeira mais saudável para todo mundo.

Você surgiu para o Brasil com aquele Paulista do Vagner Mancini campeão em 2005. O que destaca daquele grupo?

Eu acho que, acima de tudo, a união e a humildade da daquela equipe. Tínhamos bons jogadores, mas jogadores em ascensão buscando o seu espaço dentro de futebol. De um grupo de 25, 28 atletas, nós tínhamos 18 que eram formados na base do Paulista. Claro que em gerações diferentes. Então, era os jogadores que tinham a fome necessária para querer vencer e buscar uma progressão em suas carreiras.

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E, assim, se eu falasse que nós acreditávamos, no início ali, que era possível ganhar a Copa do Brasil, eu estaria mentindo. Só que, a cada fase que nós fomos passando, fomos criando casca. Fomos amadurecendo e vendo que era possível. Tanto é que o Paulista, na sua campanha, só ganhou de times que estavam na Série A na naquele ano. Então, a cada jogo, nós crescemos num nível de performance e confiança, amizade e o sentimento de que dava para fazer o jogo.

O time do interior paulista passou por Cruzeiro, Internacional e Botafogo na Copa do Brasil 2005. Na final, venceu por 2 a 0 em casa e segurou o empate sem gols no Rio de Janeiro. Foto: Alaor Filho / Agência Estado

Eu tive a oportunidade de vivenciar várias equipes vencedoras. Todas tinham em comum sempre um ambiente de trabalho muito saudável. Claro que ninguém tá isento, tem alguns problemas de relacionamento ou alguma discussão pontual, mas sempre um ambiente no qual, quando você ganha, você pode ter certeza que é um ambiente no qual os jogadores gostam de estar junto. Era exatamente esse ponto que nós tínhamos de grande trunfo ali para poder superar as nossass dificuldades. Porque tinha uma estrutura modesta, né? Uma equipe sem muitas pretensões. Mas que conquistou respeito e admiração de todo mundo naquela oportunidade.

Não é mais tão comum uma equipe de menor expressão chegar assim.

Hoje, penso que, com aumento das cotas de premiação da Copa do Brasil, ela se tornou muito mais atrativa para os grandes clubes e é muito pouco provável, muito difícil, que uma equipe de Série B, ou uma equipe de menores expressão venha ganhar a Copa do Brasil.

O bom desempenho no Paulista levou você para o Grêmio e uma grande ascensão. Você chegou a ter propostas para a Europa. Por que decidiu não ir?

Eu já tinha construído uma história de identificação com o Grêmio na época. Dois anos seguidos como o melhor goleiro do Campeonato Brasileiro, com convocações e em vias de poder ser convocado para a Copa do Mundo de 2010. E quando a proposta chegou eu tinha essa ambição de poder ir para a Copa do Mundo. O Grêmio também reconheceu a importância, na época, que eu tinha para a equipe. Me ofereceu uma renovação de contrato que me fez sentido e até pelo meu plano de carreira de poder fazer parte de um elenco de Copa do Mundo facilitou a decisão.

Claro que o sonho de atleta é poder disputar grandes confissões internacionais, europeias. Talvez hoje já como ex-atleta é algo que eu sinta falta um pouco, de ter vivido essa experiência, mas não me arrependo das minhas decisões porque foram essas decisões que me levaram a poder conquistar grandes campeonatos, como a Libertadores aqui pelo Atlético. Então, sinto falta, sim. Arrependimento, não. Não acho que você não precisa sair do país para construir uma carreira vitoriosa.

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Você acha que hoje a seleção está bem servida de goleiros? Temos Alisson, Ederson...

A gente pode colocar também o próprio Bento que vem tendo convocações. O Everson aqui, que faz um grande trabalho. Enfim, nós temos aí pelo menos seis sete grandes nomes na posição Não acho que é um grande problema que o Brasil enfrenta. Hoje acho que o grande desafio é você conseguir criar um padrão, uma identificação do torcedor brasileiro com a seleção, mas é sabendo que é um grande desafio que o Rodrigo Caetano e o Dorival têm pela frente. A gente torce pela seleção, todos os jogos acompanham.

Victor integrou grupo da Copa do Mundo 2014 junto dos goleiros Júlio César e Jefferson. Foto: Wliton Junior/AE

No Atlético-MG você conviveu com Ronaldinho. Como era trabalhar ao lado dele naquele momento da carreira?

Foi um dos foi um grande privilégio de carreira poder conviver durante um ano e meio com o Ronaldo, que é um jogador excepcional. Dispensa comentários. E todo o treino era uma diversão, eu vou colocar diversão num bom sentido. Senão daqui a pouco dá conotação de bagunça, mas diversão no sentido de ver o que o Ronaldo fazia em campo, o repertório técnico dele, o domínio de bola. As assistências, os gols que ele fazia no nos treinos e nos jogos. Então para mim isso era um privilégio de poder ter vivido esse convivido esse período e ter ganhado junto com o Ronaldo porque é um ícone de futebol mundial, pela sua trajetória, pela sua capacidade e pelo seu carisma.

O Atlético é muito grato a tudo que ele fez aqui, eu sou grato a Deus por ter convido com ele nesse período e também com grandes jogadores, no grupo o qual nos possibilitou no sagrarmos campeões.

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