Para estar focado apenas no futebol enquanto jogava e agora concentrado em seus negócios como empresário, Ronaldo Nazário tem em seu entorno dezenas de profissionais em quem confia. Viviane Leal, de 38 anos, é uma dessas pessoas. Ela trabalha há quase 20 anos com o ex-atleta e é cofundadora e CEO da R9 Gestão Patrimonial & Financeira, startup responsável por cuidar desde 2018 das finanças e patrimônios de jogadores de futebol.
Viviane trabalha com Ronaldo desde 2003. Fisioterapeuta por formação, não seguiu a profissão porque cruzou o caminho de Ronaldo quando tinha 19 anos, ainda na faculdade, e decidiu se aventurar ao mundo das finanças. "Eu era aluna de uma faculdade cujo prédio pertencia a Ronaldo. Lá eu conheci a equipe do Ronaldo e mudei minha carreira totalmente. Fiz MBA e vários cursos depois. Virei a chave e falei para mim mesma: 'é aqui que vou ficar'", conta a gestora ao Estadão.
Ela passou anos cuidando do dinheiro da família do Fenômeno. O escritório era um single family office porque só administrava as finanças da família do ex-atleta. Com a experiência que adquiriu nesse período, em 2018 ela propôs a Ronaldo transformar seu escritório pessoal em modelo de negócio, que virou um multi family office, isto é, passou a gerir o patrimônio e investimento de outros jogadores de futebol - e de suas famílias - de diferentes perfis.
"O Ronaldo tinha demandas para ajudar amigos jogadores. Eu percebi, ao longo desse tempo, que o trabalho havia virado um produto, um negócio. Tive um pouco de medo, mas virei a chave e percebi que dava para escalar. Fomos mergulhando em como a gente poderia replicar esse modelo com outros atletas que deu certo com o Ronaldo", explica Viviane.
"Eu piro no que faço. É muito bom você poder fazer movimentos grandes com os jogadores. Você percebe um cara muito tímido, encabulado, receoso, e depois ele sai daqui diferente. Esses 20 anos com o Ronaldo me fizeram aprender muito", emenda.
A empresa tem 16 clientes e R$ 1 bilhão sob sua gestão. O centroavante Arthur Cabral, ex-Palmeiras, o goleiro Cássio e o atacante Róger Guedes, ambos do Corinthians, são alguns dos assessorados pela R9. Gabriel Jesus foi cliente por anos, mas hoje é sócio de Ronaldo.
"Ele é muito parecido com o Ronaldo. É muito preocupado com a família. Fica pensando em como vai cuidar dos irmãos, da mãe. É um menino maravilhoso. Tenho uma seleçãozinha de atletas bem engajados", diz a profissional, ciente de que os jogadores de futebol estão cada vez mais interessados no universo das finanças, tanto que alguns, como Willian Bigode, hoje no Fluminense, são até sócios em consultorias de investimentos. Esse cenário é diferente do que encontrou quando ela começou sua trajetória na empresa do Fenômeno, atualmente dono do Cruzeiro e com a missão de tirar o clube da Segunda Divisão.
"Hoje atendo jogador que me pergunta quanto está o rendimento mensal, como está a carteira de aplicações... Nesse período de guerra, meu celular tocou muito", exemplifica. "Nunca tinha visto isso antes. E hoje vejo o jogador se interessar por economia, negócios. Mudou muito de como era antes".
A empresa é procurada por atletas em começo de carreira e também pelos que estão na iminência da aposentadoria. O número de clientes tem crescido especialmente por causa da "chancela Ronaldo", que faz o atleta perder a desconfiança e ter tranquilidade para deixar seu patrimônio ali, analisa Viviane. Ela frisa estar à frente de uma butique financeira que planeja crescer, mas com parcimônia, para não perder seu foco. "Não adianta termos muitos jogadores porque perdemos qualidade no atendimento, deixamos de ter atendimento personalizado se tiver um volume muito grande".
Quase 20 anos com Ronaldo
Ronaldo tornou-se empresário quando ainda jogava, em 1998. Foi dono de diversos empreendimentos. Viu alguns naufragarem, mas a maior parte de seus negócios prosperou. Segundo as pessoas com quem conviveu e convive, ele tem uma visão diferenciada econômica e financeiramente em relação à maioria dos jogadores de futebol. Ronaldo era craque em campo e, para Viviane, "fora da casinha" como empresário, inteligente para gerir o seu gigantesco patrimônio (não revelado) e o de outros atletas.
"Ele é muito plural, tem muitos negócios. Nunca foi "só" um jogador de futebol. Tem uma riqueza de informações sobre vários assuntos. É muito difícil encontrar um cara assim. Ele fala vários idiomas, sobre vários assuntos e teve a vida como a escola", detalha a sócia do três vezes eleito melhor jogador do mundo pela Fifa. "A bagagem dele é impressionante. Ele senta para jantar com qualquer pessoa, do Papa ao Brad Pitt".
Viviane avalia que Ronaldo é convicto e seguro de seus investimento. Foi assim, com segurança e convicção, que agiu antes de comprar o Cruzeiro, clube que o lançou aos 17 anos. Não consultou, segundo ela, ninguém, exceto a XP Investimentos, que intermediou o negócio.
"Ele bateu no peito falou: 'eu vou fazer'. Avisou a gente já quando o contrato estava pronto. Já estava tudo negociado", revela a gestora. "O Ronaldo tem dessas, de vez em quando aparece com novidades. E o Cruzeiro foi uma novidade bem grande".
Uma mulher num ambiente machista
Viviane diz não ter sofrido preconceito por ser mulher presente e ativa em um ambiente ocupado predominantemente por homens. Mas recebeu olhares de desconfiança no início da carreira, que afirma ter resolvido "mostrando muito trabalho". "Havia olhares de desconfiança em direção a mim, mulher, do lado do Ronaldo. Pensavam 'o que ela é dele? É uma amante dele?' Eram olhares pejorativos", recorda-se.
Embora admita que não há, ainda, igualdade entre homens e mulheres no ambiente corporativo, especialmente em relação aos salários, Viviane é otimista. Até porque a presença feminina é cada vez maior em vários espaços, inclusive no futebol.
"Sei que há muitos problemas, mas não fico sofrendo. Vou para frente e corro atrás", diz. "Estão surgindo várias mulheres no futebol ocupando espaços muito masculinos com barreiras para entrar. Não penso no quanto falta, mas no quanto foi percorrido e o quanto precisamos nos entregar. Existem caminhos que precisam ser percorridos, mas estamos avançando muito bem", opina.
A equipe da startup que fundou com Ronaldo e da qual é CEO conta com mais mulheres do que homens. Essa presença feminina tem sido fundamental para fazer as mães e as mulheres dos atletas entenderem com clareza o que é feito com o patrimônio de seus filhos e maridos.
"A gente lida e entende a família. Abrange todo o universo do atleta. A gente consegue, sendo mulher, estar no lugar das mulheres no entorno do jogador. Nós entendemos o que elas precisam. A depender do atleta, a gente escala uma mulher para ser gestora. Existe essa demanda", observa. "Uma coisa curiosa é que o atleta diz para gente que hoje não briga mais com a mulher. Eu chego em casa e está tudo ótimo. Não tem mais conta atrasada, não tem problema financeiro. Eles dizem que a gente entendeu perfeitamente o que queriam as mulheres".
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.