Indícios de retorno de russos ao esporte internacional reacendem o debate sobre sua exclusão

Thomas Bach, presidente do COI, disse que o esporte precisa encontrar uma maneira de construir a paz e a comunicação. Suas organizações estão dizendo: ‘Ainda não’

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Por Matthew Futterman / The New York Times
Atualização:

Aqui estão duas questões que não vão embora nos esportes internacionais: os atletas russos e belarussos devem ser autorizados a competir? E, se não, por quanto tempo eles devem continuar na Sibéria esportiva?

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Essas questões ganharam uma nova urgência este mês, pois as competições de esportes de inverno recomeçam pela primeira vez desde o início do ano, quando essas duas nações foram eliminadas após a invasão da Ucrânia pela Rússia. O Comitê Olímpico Internacional (COI), geralmente avesso a conflitos, chegou a instar os diversos esportes a excluir russos e belarussos, mas formulou essa recomendação como uma maneira de impedir que os governos nacionais se intrometam nos esportes negando vistos para atletas desses países.

Pouco se pensou em quanto tempo as proibições, ou a guerra, poderiam durar. A Olimpíada de Inverno em Pequim haviam acabado de terminar. Faltam mais de dois anos para os Jogos de Verão de 2024 em Paris. A Fifa, órgão que dirige o futebol mundial, rapidamente expulsou a Rússia das eliminatórias para a Copa do Mundo, marcada para começar no Catar em 20 de novembro. Os principais esportes internacionais de verão, como natação e atletismo, barraram russos e belarussos de seus campeonatos mundiais.

Mas o calendário esportivo está se aproximando dos Jogos de Paris, e as competições classificatórias para o evento estarão em pleno andamento no ano que vem. Esse prazo, combinado com o grande objetivo do COI de buscar a paz por meio do esporte - e o objetivo mais prático de preservar seu relacionamento com a Rússia, poderoso parceiro olímpico - faz com que os líderes da organização se deparem com um problema que não tem resposta fácil: como parar de punir os atletas pelas ações de seus governos e como fazê-lo em meio a uma guerra crescente?

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Os esforços para encontrar uma solução, no entanto, também estão se chocando contra os sentimentos de líderes esportivos de países frustrados com a Rússia por causa da guerra e ainda irritados com anos de violações de doping que corromperam sucessivas competições.

“Como pode uma federação nacional competir normalmente depois de invadir um país e explodir seus centros de treinamento?”, disse Max Cobb, secretário-geral da União Internacional de Biatlo, cujo conselho no mês passado votou esmagadoramente para reafirmar seu veto à participação russa e belarussa.

Nem todos os esportes seguiram esse rumo. A federação internacional de boxe votou recentemente para se mover na direção oposta, suspendendo suas proibições. No sábado, porém, a federação internacional de esqui seguiu o biatlo e votou em sua reunião de outono para dar seguimento à proibição de atletas da Rússia e de Belarus, “com o devido respeito à integridade das competições e à segurança de todos os participantes, e em linha com as recomendações do COI”, disse a organização em comunicado.

Atletas russos participam dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, em Pyeongchang Foto: Eric Gaillard / Reuters

De acordo com a TASS, agência de notícias estatal da Rússia, o ministro do Esporte do país, Oleg Matytsin, disse que a decisão privaria “os fãs de esportes de uma disputa espetacular pelas medalhas e os atletas de uma competição séria. Os esquiadores russos são os mais fortes do mundo, sem eles qualquer competição internacional perde sua relevância, torna-se menos interessante e emocionante, e os resultados no placar são visivelmente inferiores que os anteriores”.

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Na ausência de uma política global sobre a participação da Rússia e de Belarus, há uma confusão de regulamentos, que vão ficando mais complexos a cada semana, com poucas pessoas sabendo exatamente quem poderá competir nos próximos meses.

Na maioria dos chamados esportes olímpicos, como biatlo, esqui cross-country e patinação artística, as nações classificam um certo número de atletas (e equipe de apoio) com base no desempenho geral do país durante as temporadas anteriores. Os atletas competem como parte dessas equipes. Essa dinâmica quase não permite separação entre atletas e seus países, justificando aqueles que apoiam punir Rússia e Belarus ao barrar a participação de seus atletas.

Na quarta-feira passada, porém, em um discurso na Coreia do Sul aos líderes dos comitês olímpicos nacionais de dezenas de nações, Thomas Bach, o presidente do COI, pediu às autoridades esportivas que não permitissem que a guerra prejudicasse a missão da Olimpíada, mesmo à medida que a Rússia aumentava seu bombardeio implacável de infraestrutura e alvos civis.

“Escolha o caminho da unidade e da paz”, afirmou Bach em uma reunião da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais.

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Bach insistiu que, como a invasão russa violou tanto a trégua olímpica quanto sua carta, especialmente com a recente anexação ilegal de quatro regiões ucranianas, as sanções devem permanecer. Isso inclui proibições de competições na Rússia e em Belarus e a aparição de bandeiras, hinos e autoridades desses países. Mas seu discurso também parece lançar as bases para o dia em que atletas russos e belarussos poderão competir novamente, talvez antes mesmo do fim da guerra.

“Os atletas nunca devem ser vítimas das políticas de seu governo”, disse Bach no início do discurso. Mais tarde, acrescentou: “O esporte olímpico precisa da participação de todos os atletas que aceitam as regras, mesmo e principalmente se seus países estiverem em confronto ou em guerra”, disse Bach. “Uma competição entre atletas de países que pensam da mesma forma não é um símbolo inequívoco de paz”.

Como quase sempre, porém, Bach deixou a decisão final para as respectivas federações esportivas. As palavras de Bach tiveram peso neste fim de semana, quando o conselho executivo da federação internacional de esqui se reuniu para decidir qual seria sua política.

A federação de esqui já reservou vagas para atletas e treinadores russos e belarussos. Mesmo esses movimentos preliminares irritaram certos membros. Os órgãos nacionais de esqui da Noruega e da Finlândia entraram com um pedido conjunto para que a federação proibisse representantes russos e belarussos de futuras reuniões. A Noruega abandonou as sessões em que participaram autoridades desses países.

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O conselho da federação internacional de luge votou no mês passado para continuar a suspensão de atletas russos e belarussos. Assim como o esqui, o órgão que rege a patinação mundial reservou cotas para Rússia e Belarus, mas não mudou sua postura e continua a barrar os russos, que estão entre os melhores patinadores artísticos do mundo. Nenhum russo ou belarusso participou do primeiro grande evento da temporada, o Skate America, em Boston, neste fim de semana, para grande desgosto desses países.

“O lema: ‘O esporte está longe da política’, não está mais funcionando”, disse a treinadora russa Tamara Moskvina, nesta semana, em mensagem direto de São Petersburgo, onde dirige uma escola de patinação. “Claro, tenho certeza de que o bom senso vai voltar a aparecer e a proibição será removida em breve”.

Russos e belarussos foram autorizados a jogar tênis, embora não como parte de uma seleção nacional ou com qualquer bandeira ou nome de país associado aos nomes dos jogadores, mesmo que jogadores da Ucrânia tenham falado sobre a raiva e a mágoa que sentem quando os russos jogadores os evitam.

Russos e belarussos também continuaram jogando em organizações profissionais como a Liga Nacional de Hockey e as principais ligas de futebol. Nesses esportes, os atletas são basicamente contratados independentes.

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A entidade que rege o judô também votou pela permissão de atletas russos e belarussos em seu campeonato mundial em Tashkent, Usbequistão, no início deste mês, mas apenas sob bandeira neutra. Em resposta, as autoridades russas anunciaram que boicotariam o evento. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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