Isaquias Queiroz tem mais de 10 medalhas em Mundiais, é o segundo maior medalhista olímpico da história do País e um dos principais atletas que o Brasil já produziu. Mas nem o canoísta escapou de críticas, cobranças e xingamentos. Aconteceu em 2023, quando ele havia deixado claro que tiraria um tempo para descansar com a família na Bahia.
Nesse mesmo ano, ele foi ao Mundial sem expectativas, porque não havia treinado, e terminou a competição sem medalhas. Depois disso, afirmou ter experimentado pesadas críticas, algo até então inédito em sua carreira. “Já está velho, não presta mais, é estrela, não vai ganhar medalha, é uma porcaria, está se achando demais”, ele disse ter ouvido.
Mas o baiano de Ubaitaba não deu peso às críticas e provou que estava certo: a pausa em sua cidade natal foi fundamental para ele se recompor fisicamente e emocionalmente e o resultado apareceu no ano seguinte, em Paris-2024, onde o canoísta levou a prata e ganhou a sua quinta medalha olímpica do jeito que mais gosta, com uma arrancada nos 250 metros finais da prova. A medalha o tornou o segundo atleta brasileiro com mais pódios olímpicos, ao lado do ex-velejadores Robert Scheidt e Torben Grael.
“Foi o primeiro ano que aconteceu isso, que eu percebi essa questão. As pessoas não querem saber se você está bem, se está mal, só querem medalhas”, desabafa ele em entrevista ao Estadão. Carismático e sincero, o baiano de 30 anos não se importou com o que ouviu porque sabia que, retomados os treinos, os resultados viriam.
Quando você é uma Rebeca (Andrade) da vida, um Isaquias, está sempre ganhando medalhas e você não ganha, aí a cobrança é mais forte. Eu tinha deixado claro pra todo mundo: o resultado é reflexo sempre do que eu fiz no ano. Em 2023 fui descansar, fui pra Bahia aproveitar a família. Em 2024 treinei muito e ganhei a prata em Paris
Isaquias Queiroz, canoísta dono de 5 medalhas olímpicas
Isaquias falou com a reportagem no Sesc Pompeia, onde foi tietado por centenas de crianças e adolescentes e entrou na piscina para ensinar técnicas de caiaque e canoagem. Ele participou da semana Move, campanha latino-americana de promoção da prática de esportes e atividades físicas.
Foi só mais um compromisso profissional do astro da canoagem em meio a uma rotina de muitos compromissos comerciais, entrevistas, treinos e campeonatos, o que lhe deixou desgastado. Daí a razão de ter pausado por um tempo em 2023 e daí o motivo de querer, agora, um ciclo mais “leve e prazeroso” até os Jogos Olímpicos de Los Angeles, os últimos da sua vitoriosa carreira.
“Quero curtir mais a família, a canoagem, quero desfrutar um pouco mais dessa última jornada até Los Angeles”, argumenta. “Vou tentar que seja mais prazeroso. Claro que vou ter foco, mas preciso curtir um pouco mais os campeonatos e a vida para chegar menos estressado às Olimpíadas e, querendo ou não, mais preparado”.
Caso seja avalizado pelo COB, o plano é o seguinte, segundo o atleta: 2025 será tranquilo, sem tanto desgaste, 2026 um pouco mais forte e, em 2027, terá que aumentar o ritmo a um ano de sua quarta e última Olimpíada.
Se me garantirem que vou continuar tendo apoio independentemente dos resultados, vou conseguir dar uma maneirada para poder chegar bem para as Olimpíadas. Agora, se disserem não, que não vão garantir, vou ter que me dedicar ao máximo de novo. O problema disso é que chega no fim do ciclo estressado, tanto que você vê o atleta de alto nível às vezes abandonado, com problemas emocionais, reclamando que está ruim, está estressante, e ele quer dar uma pausa. Se a gente perde é crucificado e perde muito apoio
Isaquias Queiroz, canoísta dono de 5 medalhas olímpicas
A canoagem não é só o Isaquias
Isaquias está “de boa”, como diz, quanto ao apoio financeiro. Tem vários patrocínios e se consolidou como um dos importantes atletas do País. Mas ele se entristece com o fato de a canoagem não ter sido plenamente desenvolvida no Brasil. O motivo, avalia, é a visibilidade que as emissoras de televisão, sobretudo os canais abertos, não dão ao esporte.
“A canoagem é de fácil acesso, todos podem competir, mas não tem essa divulgação. É só a prova do Isaquias. Por mais que as pessoas me vejam, me reconheçam, a modalidade não cresce porque não tem visibilidade. Essa é a questão mais impactante”, opina o canoísta.
“Eu até cobrei o pessoal: gente, pelo amor de Deus, transmitam mais a canoagem, não é só o Isaquias não. Eu quero que vocês transmitam um caiaque feminino, uma canoa masculina, e que não seja só quando o brasileiro estiver na água. As pessoas têm que ver, têm que conhecer mais a modalidade. Na ginástica, não passam só a Rebeca, exibem desde a primeira até a última, a mesma coisa na natação. Essa questão de visibilidade depende muito das emissoras. Se nas Olimpíadas já são poucas provas transmitidas, imagina quando acaba”, constata.
É comum ele escutar até hoje que é maior que a canoagem brasileira. “Sou porque a canoagem está aqui (embaixo) e quando aparece o Isaquias a mídia coloca aqui (em cima). Eu quero que seja diferente, que a modalidade esteja aqui (em cima) e eu aqui (mais abaixo dela)”.
Futuro de Isaquias
Aos 30 anos, o baiano de Ubaitaba não pensa na aposentadoria nem faz planos profissionais para o pós-carreira. Se continuar no esporte, cogita ensinar o que há anos ele domina. “Talvez possa voltar como auxiliar para ganhar experiência”, especula.
“Atleta e treinador é a mesma vida, a mesma rotina. Se eu quero aproveitar a vida não vou poder ser treinador. No fim de semana o técnico às vezes não consegue nem sair porque tem que planejar o treino, lembra ele.
Mas já sabe o que fará depois de suas últimas remadas na água. “Depois da canoagem, quero tirar uns três anos e sumir para descansar”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.