Naiana Oscar A turbulência que se seguiu ao rebaixamento dos títulos do Tesouro americano no início da semana soou como um déjà-vu da crise de 2008. A redução da nota dos Estados Unidos pela agência de risco Standard & Poor's chegou a ser comparada à quebra do banco Lehman Brothers, que foi o estopim da crise anterior. No Brasil, as semelhanças vão além: há um clima geral entre empresários, banqueiros e investidores de que, novamente, a recessão atingirá o País como uma "marolinha" - referência ao que o presidente Lula disse, há três anos, sobre a intensidade da crise por aqui. "Temos 60% do PIB brasileiro ligado ao consumo interno, que aparentemente continua num ritmo razoável", diz Patrick Ledoux, sócio no Brasil do fundo de private equity Actis. "Nosso apetite continua igualzinho." Em 2008, o colapso no sistema financeiro americano secou a oferta de crédito internacional e o impacto foi sentido aqui imediatamente. O presidente da Caloi, Eduardo Musa, diz que, naquela ocasião, os impactos foram visíveis e instantâneos. "Em setembro, às vésperas do Natal, clientes cancelaram pedidos e nós interrompemos a fabricação de bicicletas nas fábricas", lembra Musa. "Desta vez, a crise nem chegou a ser mencionada no setor de vendas. Não se fala nisso." A incerteza parece ainda não ser maior do que a confiança das empresas em seus caixas e na economia brasileira. O presidente da construtora mineira MRV, Rubens Menin, diz estar preocupado, mas otimista. "Estamos numa situação muito melhor do que quando a crise bateu em 2008", afirma. "Naquele momento, para se ter uma ideia, a MRV tinha em caixa R$ 150 milhões. Hoje temos R$ 1,2 bilhão." Nas próprias corretoras de valores, o clima é diferente. Os telefonemas de clientes, principalmente do investidor pessoa física, dobraram nos dias que se seguiram ao rebaixamento dos Estados Unidos. "Mas não foi só pânico, como em 2008. Temos muita gente querendo aproveitar a oportunidade para investir", diz Adolpho Mayer, operador da corretora XP Investimentos. "Como a primeira crise não foi aquilo tudo que diziam que ia ser, o investidor está mudando o comportamento agora." Embora de longe se pareçam, há um consenso entre economistas de que se tratam de eventos distintos, por serem de naturezas diferentes. Em 2008, a recessão começou de baixo para cima, com o estouro de uma bolha de títulos imobiliários nos Estados Unidos, que evoluiu para um colapso do sistema financeiro e causou uma imediata interrupção das linhas de crédito internacionais. "Com a perda de credibilidade do sistema, perde-se o elo entre micro e macroeconomia. Estivemos muito perto de uma ruptura", diz Ernesto Lozardo, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O que impediu essa quebradeira na economia mundial ajuda a explicar a origem da crise que se escancarou na semana passada: na época, os bancos centrais assumiram o prejuízo, colocando trilhões de dólares no mercado para financiar os bancos e resgatar o setor o privado. "O caminhão de dívida das empresas virou um caminhão de dívidas dos governos", explica o economista chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. Na lista dos países com alto risco de calote, Itália e Espanha já são tratadas na imprensa internacional como equivalentes ao Lehman. "Se lá atrás o subprime foi irresponsabilidade do sistema americano, agora temos uma irresponsabilidade do sistema fiscal europeu", diz Lozardo. Face pública Para Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, é na face pública da crise que está concentrada a gravidade deste segundo evento. "É de um potencial sério, porque agora é um problema dos governos", afirma. As instituições financeiras na Europa estão fortemente expostas à dívida soberana e do setor privado, o que gera ainda mais apreensão. "Os bancos podem ser o canal de transmissão para a economia real de toda essa dificuldade", explica Meirelles. O economista Nouriel Roubini escreveu na semana passada que é "simplesmente uma missão impossível" evitar uma nova recessão. "Até o ano passado, as autoridades políticas podiam tirar um coelho da cartola para acionar uma recuperação econômica", diz. "Agora, não há mais coelhos a serem mostrados."
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