Um dia antes de conquistar o bronze na Olimpíada de Tóquio, o judoca Daniel Cargnin foi conhecer os anéis olímpicos e tirar uma fotografia próximo aos cinco arcos coloridos entrelaçados no Japão. Era um momento de reflexão. Ele havia passado semanas difíceis, horas sem beber água e sem comer nada para perder peso e se enquadrar na categoria meio-leve.
A medalha de bronze veio no Japão e balançou seus pensamentos. Ele quase desistiu, mas decidiu trocar de categoria no judô: do meio-leve (até 66kg) para leve (até 73kg). Com isso, Cargim deu fim ao seu sofrimento e parou de brigar com a balança quando precisava bater o peso para lutar nas competições.
Por outro lado, teve de conviver ainda com um período difícil de adaptação e passou a enfrentar oponentes mais altos e mais fortes do que ele, que mede 1,68m. “Foi bem desafiador tanto na parte física quanto na parte psicológica”, admite o atleta ao Estadão. Mas as limitações o judoca brasileiro tem compensado com dedicação. “Eu aceito algumas coisas e cresço em outras. O que não pode faltar da minha parte é vontade”.
Cargnin suplantou as intempéries e os rivais e a mudança de peso se mostrou acertada em sua escolha. O judoca gaúcho natural de Porto Alegre e criado em Canoas ganhou cinco medalhas lutando na nova categoria, a primeira delas o bronze no Grand Prix de Zagreb, em julho do ano passado. “Essa medalha me deu confiança”, afirma.
Depois, o brasileiro faturou mais um bronze no Mundial em Tashkent, no Uzbequistão, em setembro, foi campeão do Open Pan-Americano em Córdoba, na Argentina, em novembro, levou o ouro no World Masters em Jerusalém, em Israel, em dezembro, e, no início deste mês, conquistou a prata no Grand Slam de Paris. Os resultados expressivos lhe catapultaram ao quarto lugar no ranking mundial e fizeram com que deixasse de ser aposta e virasse realidade entre os judocas da categoria leve.
“Acredito sempre que hoje eu sou um Daniel melhor que o do ano passado, mas espero que em 2024 ainda consiga ser um Daniel melhor do que o de hoje”, diz. “Já estou com uma confiança mais elevada para as competições. Já estou com peso mais estabelecido para a nova categoria. Tenho tudo para conseguir mais resultados”.
As medalhas também elevaram sua autoestima, fortaleceram seu psicológico, antes abalado, e ajudaram a encontrar sua melhor versão. “Quando aceitei que tenho algumas limitações, acho que foi o momento em que meu judô disparou. Porque ali que tu brigas com um aspecto de ego, o aspecto de entrar numa humildade e de se conhecer”, reflete o judoca.
Se havia incertezas antes de Tóquio e poucos conheciam Cargnin, agora, mais maduro, confiante e com medalha olímpica na bagagem, o gaúcho crê ser possível faturar o ouro olímpico em Paris-2024. “Vou lutar para ser campeão olímpico em Paris e não só por mim, mas para minha família, para a torcida brasileira. O judô brasileiro merece isso. Faz bastante tempo que a gente não tem um atleta masculino campeão olímpico”, constata.
Incentivo da mãe
O último judoca brasileiro campeão olímpico foi Rogério Sampaio, ouro nos Jogos de Barcelona, em 1992. Se Cargnin subir no lugar mais alto do pódio, além de quebrar o tabu de 32 anos sem título para a modalidade masculino, poderá receber o que a pandemia lhe tirou em Tóquio: um abraço da mãe, Ana Rita.
“Eu lembro quando saí do tatame, eu olhei para arquibancada e imaginei como seria a sensação dela ali vendo um filho medalhista olímpico. Agora tenho na minha cabeça que vou conseguir mais uma medalha em Paris, desta vez com a minha mãe na arquibancada”, diz.
Ana Rita é a maior incentivadora do filho no esporte. Foi ela que, na infância, o levava à escolinha do Grêmio para os treinos de futebol e à academia de judô. Até que pediu que o filho escolhesse uma modalidade. Ele optou pela Sogipa, clube que defende até hoje, e se tornou um dos principais judocas do Brasil com o auxílio da mãe, que fazia todo o cronograma de treinos e competições do filho.
“Quando luto com os atletas que vejo que são mais fortes do que eu fisicamente, o que me mantém na luta é que tenho a força das pessoas que amo junto de mim, como a minha mãe”, diz, com os olhos marejados. “Ela fazia mil coisas para me criar. Trabalhava, estudava. É um tipo de luta diferente, mas que espelha e me dá um brilho no olho. Sei que numa decisão aquilo ali vai contar”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.