Ketleyn, da passarela para o olimpo

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Por Redação
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Ketleyn Quadros ganhou sua primeira medalha não olímpica aos 6 anos. Menina pobre de Ceilândia, maior das cidades-satélites de Brasília, sonhava com a carreira de Gisele Bündchen. Num dos concursos dos quais participou, ganhou o primeiro lugar no quesito simpatia. O prêmio foi um buquê de flores e um frasco do perfume Giovanna Baby. Ainda não imaginava que um dia ganharia um bronze olímpico vestindo um quimono de judô, do outro lado do mundo. Para ganhar os flashes de Pequim, porém, precisou percorrer um longo caminho, pontuado por dificuldades financeiras. No mesmo clube do Serviço Social da Indústria (Sesi), onde participava de concursos de beleza e simpatia, Ketleyn mudou radicalmente sua trajetória, trocando as passarelas pelos tatames, aos 8 anos. Foi por puro acaso. A mãe, Rosa (apelido para Rosemary), havia passado horas na fila do Sesi para matriculá-la na natação. Mas, como era uma das modalidades mais requisitadas, só restava vaga para o judô. Rosa resolveu, então, pôr a filha para aprender a luta, enquanto esperava uma vaga na natação. A vaga até veio, seis meses depois. Mas aí já era tarde: Ketleyn havia se apaixonado pelos tatames. Desde então, acumula duas centenas de troféus e medalhas, que dividem espaço com bibelôs imitando porcelana, enfeites de Natal e imagens de Nossa Senhora Aparecida, espalhados em estantes e cantos da modesta casa de três quartos de dona Marilda, de 80 anos, avó da judoca. Foi lá que Ketleyn nasceu, criou-se e viveu até se mudar, há dois anos, para Belo Horizonte, onde treina profissionalmente pelo Minas Clube. Até 2007, Ketleyn vivia com apenas R$ 400 mensais de ajuda de custo - o clube arca com despesas como moradia, alimentação, atendimento médico e a faculdade de Educação Física. Desde o início de 2008, quando conquistou a vaga para as Olimpíadas, Ketleyn recebe R$ 3,5 mil da Confederação Brasileira de Judô. "O governo deveria investir mais em esporte. Tudo em esporte é caro", observa o assistente social João, um dos seis tios de Ketleyn. Para financiar as primeiras viagens de competição da judoca, a família fez rifas, pediu ajuda a comerciantes de Ceilândia e até vendeu televisão e som. Também foi com uma vaquinha que Rosa conseguiu ver de perto o sucesso de Ketleyn em Pequim. A ajuda indispensável veio da amiga Antonia, considerada por Ketleyn sua madrinha de crisma - sem tempo para freqüentar a igreja, a atleta não conseguiu receber o sacramento. Antonia, professora de Geografia, e Rosa arrecadaram R$ 10 mil com comerciantes e outros conhecidos. Graças às colaborações, mãe e madrinha conseguiram embarcar para Pequim, de onde só regressaram na última quinta-feira, dia 21. "Até de trem-bala eu andei", conta a entusiasmada Rosa, segurando o buquê de flores agora murchas recebido por Ketleyn com a medalha de bronze, no dia 11. "Tinha de trazer esse buquê. Vou guardá-lo para sempre", diz Rosa, sem parecer sentir a diferença de 11 horas de fuso horário que separam a China do Brasil. Com 57 quilos distribuídos em 1,65 m de altura, Ketleyn sempre foi vaidosa. Talvez por influência da mãe e do pai, Kleber, também cabeleireiro, a judoca dedica especial atenção ao cabelo, tratado cuidadosamente com a técnica da escova progressiva. Vão longe os tempos dos cachos arrumados chamando a atenção na menina franzina que desfilava pelos salões do Sesi. Prestes a completar 21 anos, Ketleyn tem namorado, também atleta (joga futsal). O rapaz mora no Sul do País. "Ela nunca foi namoradeira", revela a avó Marilda. KATHLEEN TURNER Primeira filha de Rosa, Ketleyn ganhou esse nome em homenagem a Kathleen Turner, famosa por filmes de aventura, como Tudo por uma Esmeralda, e sensuais, como Corpos Ardentes. O pai viu um desses filmes e se apaixonou pelo nome da atriz. Mas o escrevente do cartório de Ceilândia resolveu aportuguesar o nome, surgindo "Ketleyn". "O pai queria mesmo um nome que começasse como K, como o dele", conta Rosa, que se separou de Kebler quando a menina tinha 2 anos. Daí o motivo de a judoca considerar ter "dois pais": o biológico, Kleber, e o que a criou, Wilson, vendedor de material de construção, também já separado de Rosa. Ketleyn costuma a visitar a família uma vez por mês - por causa das Olimpíadas, não vai a Ceilândia há três meses. quando aparece, é recebida com festa pelas irmãs - Aline, de 14 anos, e Maria Eduarda, de 1 ano, a mãe, a avó, primos, tios e vizinhos. Tem sempre à sua espera uma travessa de lasanha, seu prato predileto. "Se deixar, ela come a travessa sozinha", afirma Rosa. A rotina espartana da atleta só é quebrada pelas rodas de pagode e forró, uma das maiores paixões da judoca. "A Ketleyn adora dançar. Quando fez 15 anos fizemos um churrasco com pagode para ela", lembra Rosa. Na longa trajetória até o Olimpo, Ketleyn sempre teve o apoio integral da mãe. Rosa é uma das principais incentivadoras da judoca. Os tios de Ketleyn e a avó Marilda, que recebe R$ 415 de aposentadoria, nunca mediram esforços para o sucesso da menina. Com o dinheirinho contado de dona Marilda e a renda de cerca de R$ 1,5 mil obtida por Rosa como cabeleireira, compraram quimonos, alimentaram e treinaram Ketleyn durante dez anos. Há dois, a família não precisa mais dar dinheiro à judoca.

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