28/III/08
Ainda na Austrália, no início do mês, um amigo, o jornalista francês Patrick Camus, da revista Auto Hebdo, me falava do estado quase terminal de Jean-Marie Balestre. Hoje abro o site da revista Autosport e vejo que o ex-dirigente da FIA faleceu, aos 86 anos. Balestre era jornalista também e sua trajetória no automobilismo começou com a criação da revista
Balestre ficou famoso no Brasil não por ter peitado Bernie Ecclestone, em 1982, mas por ter feito Ayrton Senna pedir desculpas públicas em fevereiro de 1990. E se não o fizesse, não receberia a superlicença: o Mundial de 1990, acredite, começaria sem ele.
Senna foi chamado pelo presidente da FIA para dar explicações sobre o que dissera na definição do campeonato de 1989. O piloto da McLaren, desclassificado do GP do Japão depois de vencer, acusou a então Fisa, a divisão esportiva da FIA, de ter agido em favor de Alain Prost. A desclassificação de Senna garantiu o título a seu companheiro de McLaren.
O problema é que quando Senna pronunciou-se, diante do Conselho Mundial, presidido por Balestre, não só confirmou o que disse como ampliou as acusações. O presidente da Fisa afirmou primeiro a Senna e depois à imprensa que ele só correria em 1990 se se retratasse.
Senna, sentindo-se prejudicado pela decisão dos comissários, ordenados pelo próprio Balestre, acreditou que o mundo o apoiaria e quem recuaria seria Balestre. Ledo engano. Ron Dennis, sócio e homem que manda na McLaren até hoje, compreendeu que seu piloto não iria mesmo poder competir e começou um trabalho de convencer Senna a desculpar-se.
Foi só no fim da pré-temporada, naquela época se treinava com os carros novos bem menos do que hoje, que Senna encontrou uma saída para o impasse. Tinha toda a razão ao reclamar que fora "roubado" em Suzuka, o que o impediu de lutar ainda pelo título na etapa de Adelaide, Austrália, última do calendário. Mas sua forma de protestar, diante do Conselho Mundial, chocou Balestre.
O mais curioso é que cerca de dez anos mais tarde o próprio Balestre assumiu que favoreceu Prost com sua decisão. Prost comentou que a idade o deixara "louco". Senna havia se tocado com o francês e depois de empurrado pelos comissários, passou por dentro da chicane que antecede a reta dos boxes de Suzuka para retornar à corrida, ultrapassar Alessandro Nannini, da Benetton, e vencer espetacularmente.
Senna distribuiu um texto, duas semanas antes da abertura do campeonato de1990, redigido junto de Ron Dennis, auxiliado pelo jurídico da McLaren, em que reconhecia ter-se excedido e que "não houve interferência externa no resultado da prova". Só depois disso Balestre autorizou a emissão da sua superlicença. O durão Balestre deu um exemplo para a Fórmula 1 sobre quem mandava lá. Um piloto, quase um mito já, ou um simples dirigente, mas presidente da Fisa.
Bem, mas esse é apenas um aspecto da polêmica personalidade do homem que deixou sua marca no automobilismo, ovacionado por sua resistência à ocupação nazista e, ao mesmo tempo, acusado de ser um colaborador. Nunca ficou muito claro sua trajetória durante a Segunda Guerra Mundial. O que nunca ouve dúvida é que Balestre foi o primeiro a pensar, realmente, em aumentar a segurança da Fórmula 1.
Outra caracaterística, esta bastante saudável, de Balestre foi sua independência de Bernie Ecclestone. Fisa, a autoridade esportiva, presidida por ele e Foca, a Associação dos Construtores, de Bernie Ecclestone, eram entidades totalmente distintas. Cada uma defendia seus interesses visando o bem da Fórmula 1. Com a chegada de Max Mosley na presidência da FIA, em 1992, a autoridade esportiva e a responsável pela geração de receita e sua distribuição, a Foca, passaram a ser quase uma coisa só. A candidatura de Mosley para a presidência da FIA teve a inspiração de Ecclestone.
E é assim até hoje.
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