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Por liviooricchio

Olá amigos. Já escrevo aqui da sala de imprensa de Magny-Cours, na França. No vôo para cá redigi, indignado, o texto abaixo. Só agora consegui colocar no ar. Nos falamos ainda hoje.

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Petrolina, em Pernambuco, está à nossa frente, voamos no primeiro nível da rota para Paris, 30 mil pés. Já sobre o Atlântico, quando o Airbus A330 estiver mais leve, atingiremos a altura principal do vôo, 33 mil pés, cerca de 10 mil metros. Agora meu relógio indica 21h55 de terça-feira, 26 de junho de 2007.

Decolamos de Cumbica com uma hora e cinco minutos de atraso, motivo de celebrações efusivas entre os passageiros. Uma vitória! No país de Renan Calheiros, presidente do Senado - imagine -, experimentar pouco mais de uma hora de espera além do previsto nos aeroportos equivale a ser escolhido, uma deferência de alguém, dentre milhares de infortunados.

Mas, como toda conquista, essa também não caiu no colo assim, sem querer. Foi o resultado de imensos e desgastantes esforços. Não tem lá muito a ver com Fórmula 1, ao menos diretamente, mas como este é um espaço para conversamos sobre as aventuras vividas nas viagens necessárias à cobertura do evento, acho que cabe a narrativa, ainda que excessiva na pessoalidade. Vale também em razão de o problema atingir, há mais de um ano, milhares de cidadãos, como eu, que passam boa parte da vida dentro de aviões e aeroportos.

Leiam, se tiverem a mesma paciência que eu e muitos outros indivíduos desenvolveram, e digam o que pensam. Desde já agradeço. Olha, as tais das aventuras no deslocamento para as provas da França e da Inglaterra começaram cedo.

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Explico tudo. Como o vôo 8098 da TAM sairia às 19h10...calma, usei o futuro do pretérito...achei por bem apressar-me ao máximo para bater continência à atendente do check-in às 16 horas. Não cumpri o planejado, à custa de abdicar de atividades que desejava, por apenas 10 minutos. Nada mal também. 16:10 e lá estava com o repórter Felipe Motta, da rádio Jovem Pan, na fila do check-in.

Sua extensão era tal que solicitei a ele manter-se onde estava que eu me informaria se estávamos mesmo certos. Filas daquele tamanho são prerrogativas da fiscalização de segurança e do controle da Polícia Federal, os dois próximos desafios depois do check-in. O maior de todos eles, a incerteza do vôo, tão presente hoje em dia, parecia esconder-se.

Mas como nunca se pode pôr a mão no fogo na aviação do ministro Waldir Pires, colocar as barbas de molho é prudente e aconselhável. Voltando...não é que a concorrência entre Infraero, Polícia Federal e companhias aéreas se estabeleceu de vez em Cumbica? Sim senhor! Ao menos na TAM. Seus passageiros para o exterior também podem sentir as emoções de horas a fio em pé para conseguir retirar seus cartões de embarque e despachar as malas.

O que eu estava pensando, hein? Imaginar que teria para deliciar-me apenas as filas do controle de bagagem de mão e dos passaportes? Já estava ficando sem graça. Era mesmo preciso inovar. Fiquei sabendo que, apesar de jornalista, encontro-me desatualizado. Esse bônus aos passageiros da TAM vem sendo oferecido há um tempinho já.

16h10 na fila de check-in. 17h10, ainda na fila do check-in. Velocidade de deslocamento: 50 metros por hora. Nada a ver mesmo com a da Fórmula 1, não? Estimada, por favor. Não fui lá medir com meu palmo de 25 cm. Outra meia hora, 17h40, e apenas nos aproximamos dos balcões, agora plenos no campo de visão.

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Turbulência. Não, lá não. Lá o céu está sempre encoberto. Aqui mesmo. Se não pedirem para fechar o laptop seguirei com o texto. Descorrer sobre o episódio me está fazendo bem. Lembra quando lhes disse que determinadas ocasiões desejo tanto dividi-las com vocês que os coloco ao meu lado, ali na hora. O texto, depois, nada mais é que um retrato dinâmico daqueles momentos.

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Que o Estado do presidente Lula respira dificuldades estruturais na sua aviação não é segredo. Mas com a Infrazero responsabilizando-se por várias das áreas, o que se poderia esperar? Fala-se tudo e mais um pouco da estatal, que conheço dos meus tempos de aviação. Aposto que boa parte das acusações procede. E não é pouco. Explica parte dessa loucura toda!

Já que hoje estou falador, vou contar: meu primeiro emprego foi na aviação. Enquanto estudava na Universidade de São Paulo, a partir do fim dos anos 70, trabalhei na Varig, em Congonhas, por bons cinco anos. Era o dia inteiro na USP e das 18 à meia-noite no aeroporto. Enveredar pelo tema aviação, portanto, não me é algo assim distante. Esse contato com o setor prosseguiu na minha profissão. Há 17 anos cubro a Fórmula 1 e vôo, em média, 200 mil milhas por ano, ou cerca de 550 horas.

Queria deixar claro, porém, outro aspecto do caos mais no solo que no ar: as companhias aéreas têm, também, uma responsabilidade grande no drama vivido pelo Brasil, com desdobramentos impensáveis na sua economia, para não mencionar o profundo desrespeito que representam os desgastes e constrangimentos experimentados por seus cidadãos. Mas não surpreende.

Na terra do senador Joaquim Roriz e do ministro Paulo Medina, do Supremo Tribunal Federal - que Deus nos proteja -, não se observa nem mesmo o mais elementar dos direitos. O direito à vida. O que representará, então, um indivíduo não ter como regressar à casa, não poder ser assistido pelo especialista, ser impedido de definir um negócio, perder dias das férias com a família ou precisar reprogramar seu plano de cobertura jornalística? Coisa pequena, senhores. Mais: "coisa desprezível".

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O ocorrido hoje em Cumbica, apesar de representar nada perto que já vivi em outras circunstâncias, pode ser qualificado. Estou dando nome aos bois. Fatores externos à companhia aérea, sempre na ordem da argumentação, não parecem caber agora. Havia uma fila de centenas de passageiros para os vôos internacionais da TAM. O check-in é comum a todos. A empresa, como a maioria, separa o atendimento entre os passageiros não freqüentes em seus vôos e os com cartão de fidelidade. Perfeito.

Só que apenas três dedicadas e prestativas moças atendiam aos passageiros comuns. Por vezes quatro. Contei seis posições de atendimento vazias. Num período de alta densidade de tráfego como o em curso, aquela foi a única razão de termos de esperar mais de duas horas, no relógio, para realizar o check-in. E depois suportar os desagradáveis e comprometedores desdobramentos.

Perguntei a uma das meninas o que havia acontecido com os demais atendentes? Sem saber mais como explicar-se para tantos passageiros que, da mesma forma, questionavam, disse-me: "Foram jantar." Foi sua maneira de procurar dizer: "Eu não tenho nada com isso, por favor, estou fazendo até mais do que posso." Sabia que não era o caso de terem abandonado o posto, por acompanhar, chocado, à distância, o descaso da TAM com a delicada situação: 100 metros de fila para o check-in por falta de atendentes.

Entrei em contato com a redação do Estadão e solicitei o telefone da assessoria de imprensa da companhia aérea. Anaí Guedes (creio ser essa a grafía) me atendeu. Perguntei a razão de existirem tão poucas pessoas destinadas ao primeiro serviço da empresa no aeroporto: o check-in.

Interessada em prestar os esclarecimentos solicitados, Anaí argumentou que a TAM deslocara parte de seus atendentes para resolver outros problemas, como os decorrentes do cancelamento do vôo do dia anterior a Paris. Mas espera aí, passara-se já um dia do cancelamento e ainda existiam tantas pendências que justificassem fazer todos comprometerem seus vôos também?

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Sim, porque quando conseguimos chegar à fila do controle de segurança, depois de mais de duas horas para o check-in, já era 18h20 e o nosso cartão de embarque dizia que deveríamos estar no portão 7, para o vôo 8098, às 18h05. Como não demoraríamos menos de 40 minutos da fila da segurança, perderíamos o vôo. Eu e tantos outros passageiros.

Saí da fila e regressei à TAM para perguntar o que fazer. Disseram-me que a empresa aguardaria até que todos os atendidos com cartão de embarque se apresentassem para o vôo. Ah, tentaram mudar meu vôo original para outro mais tarde, 23 horas, a exemplo do que ocorreu com vários passageiros. No fim a moça me informou que eu estava dentre os que permaneceriam no vôo onde tinha reserva. Só faltava essa também.

Repare que são incertezas de toda natureza. Ter uma reserva e a passagem na mão não significa mais muita coisa. Não é garantia de nada. Que os aviões podem apresentar problemas técnicos e atrasar vôos é normal. Mas quando se trata do Airbus A330, em uso há pouco tempo, e seu histórico de eficiência, atribuir ao aparelho os freqüentes atrasos e até cancelamentos é não cumprir com a verdade. Convive-se com a mentira na TAM com a maior naturalidade. Impressionante!

Ano passado, no mesmo itinerário, São Paulo-Paris-São Paulo, houve um atraso de cinco horas na ida e outras cinco ou seis na volta. Viajava também para cobrir o GP da França. A explicação da TAM foi espetacular, tanto em Cumbica como no aeroporto Charles de Gaulle: um urubu entrou na turbina. Se tivessem combinado não teria dado tão certo. Estava com o repórter da Folha de São Paulo, Fábio Seixas, e tivemos um ataque de riso. Em uma semana, a TAM teve duas aeronaves, na mesma rota, que sugou urubus! Em 30 anos de aviação não havia visto isso.

Eu e o Fabio Seixas procuramos verificar se quando seus aviões chegam ao solo o pessoal de terra coloca carniça no bocal das turbinas. Não vimos, mas estamos até hoje desconfiados. A TAM e sua função ecológica: alimentar urubus! Depois um supervisor da empresa nos procurou onde nos puseram para aguardar o vôo, no aeroporto de Paris, sem cadeiras para todos - repito, seis horas de atraso -, para dizer que a história do urubu não era bem assim. Compreenderam que havia pegado mal. Mas não se preocuparam em nos contar o real motivo. A verdade sempre nos leva a algum lugar.

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Para quem cresceu tão extraordinariamente como empresa, pela competência, visão e arrojo de seus administradores, sem falar do sensacional trabalho no Museu Asas do Sonho, que tive o imenso prazer de conhecer e me deliciar, ver a TAM descuidar-se de quase detalhes diante da magnitude dos problemas da aviação - ter agentes suficientes para atendimento no check-in - coloca em xeque sua capacidade de dar seqüência ao notável avanço realizado desde sua criação. Há um nítido descompasso entre uma e outra era de sua rica e bela história.

Peço desculpas pela extensão do texto, mas, como lhes falei, sinto-me mais aliviado. É muito, mas muito descaso com todos! Antes de a companhia aérea sair atribuindo aos outros a responsabilidade por seus desserviços, seria mais profissional, honesto e funcional se equacionasse suas dificuldades. E nem é tão complexo assim.

Nem todas soluções para a crise no setor aéreo dependem de ações do governo, são tão inviáveis e demandam tempo excessivo para serem atingidas como essas empresas gostam de apregoar. Em muitos casos a questão é puramente gerencial e de responsabilidade da companhia. Como hoje. Assumir isso seria um passo importante para aliviar as graves tensões experimentadas por quem necessita voar nesse mundo da fantasia chamado Brasil.

Abraços e lá da excitante Magny-Cours, em meio a plantações de girassol e criação de gado charolês, trarei mais notícias. Agora da Fórmula 1.

Abraços!

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