Aos 13 anos, a estudante Isabelly Valdevino já demonstra certa habilidade no Free Fire, um dos jogos de celular mais populares do mundo. Aos 15, Carlos Eduardo Santos, o Cadu, é conhecido entre os amigos como “lenda” do mesmo game. Moradores da Rocinha, maior favela da América Latina, Isabelly e Cadu veem no jogo mais do que um lazer; entre um comando e outro na tela do celular, eles enxergam aí uma boa perspectiva para o futuro.
Os dois fazem parte do projeto Gaming Parque, uma iniciativa voltada à capacitação de jovens em jogos para celular. Instalada na sede da Associação de Moradores da Rocinha, na zona sul do Rio, a iniciativa é coordenada pela medalhista olímpica Adriana Samuel.
Prata em Atlanta-1996 e bronze nos Jogos de Sydney quatro anos mais tarde, Adriana deixou as quadras de areia em 2001 e passou a desenvolver e atuar em projetos sociais anos mais tarde, em especial voltados ao vôlei e ao judô. Há dois anos, em jantar entre amigas, surgiu a ideia de pensar algo no mundo dos eSports.
“A gente decidiu pelo mobile, que é mais democrático”, conta.“Por mais vulnerável que seja a família, mesmo que ela não tenha muitas condições, um celular todo mundo tem. Eu vejo isso nos meus outros projetos, estou sempre em comunidades que têm essa carência muito grande, e todo mundo tem um celular.”
Com pouco mais de dois meses de existência, o Gaming Parque já reúne as 80 crianças dos 8 aos 17 anos que Adriana previa para o projeto - e há ainda uma extensa lista de espera. “Com dois dias de inscrição, já havia 300 crianças interessadas.”
Mais do que simplesmente jogar pelo celular, a iniciativa busca capacitar as crianças para a disputa de torneios ou para, quem sabe, virarem streamers - que é como são chamados os jogadores que fazem transmissão de partidas via internet. As duas atividades ganharam muito espaço nos últimos anos e movimentam milhões - de pessoas e de dólares - mundo afora.
ATIVIDADES
O Gaming Parque da Rocinha tem aulas todas as tardes, com diferentes turmas. Às segundas e quartas, os alunos jogam Free Fire, enquanto terças e quintas são dedicadas ao Clash Royale e Brawl Stars, outros dois games muito badalados pelos adolescentes. Às sextas, os alunos têm aulas de inglês, e desde junho há turmas aos sábados voltadas ao design de games.
“A gente pode descobrir talentos ou mesmo transformá-los em grandes jogadores. Temos cases e mais cases de meninos que saíram de comunidades e se transformaram em grandes streamers”, ressalta Adriana.
Cadu espera se transformar em um desses cases no futuro. Ele virou a “lenda do Free Fire” porque já coleciona títulos em competições, duas delas disputadas na Cidade de Deus e outra no Jacarezinho, ambas comunidades pobres do Rio. “O projeto vai abrir portas para mim e me dar mais habilidade no jogo”, considera o menino. “Pretendo criar um time aqui da Gaming Parque e seguir em frente com ele.”
Além de Adriana, outras seis pessoas atuam no projeto, entre monitores, professores e responsáveis pelo espaço. A iniciativa conta com recursos da Light e da Lei Estadual de Incentivo ao Esporte. O patrocínio foi utilizado para a aquisição dos celulares - que ficam sempre na sede do Gaming Parque -, computadores e manutenção do espaço.
Por ora, o projeto está previsto para durar até março do próximo ano, mas Adriana tem esperanças de que ele se prolongue e cresça para outros lugares. “Quem sabe a gente consiga levar bases para outras comunidades e, daqui a três ou quatro anos, criar uma competição entre elas”, almeja a medalhista olímpica.
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