Mulher, nordestina, cadeirante, gay e pentacampeã parapan-americana: prazer, Edênia Garcia!

Especialista nos 50m costas, nadadora falou em entrevista ao Estado pela primeira vez sobre sua orientação sexual

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Por João Prata
Atualização:

Edênia Garcia, 32 anos, é uma das principais referências da delegação brasileira em Lima. Pentacampeã parapan-americana nos 50m costas, coleciona mais de 300 medalhas ao longo da carreira, segundo as contas infalíveis de sua mãe. A longa experiência deu bagagem para encontrar atalhos em busca de melhor performance na água e também equilíbrio no momento de se posicionar.

Além de passar muitas horas de seu dia a contar ladrilhos no fundo da piscina, ela é palestrante e luta por diretos iguais. Mulher, nordestina, nascida no Crato, interior cearense, e cadeirante por problema congênito, ela falou ao Estado pela primeira vez sobre sua orientação sexual.

Edênia Garcia vai em busca do quinto ouro em Parapans. Foto: Daniel Zappe/Exemplus/CPB

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"Meu posicionamento é muito em causa própria. Procuro não criar polêmicas, ser sutil. A gente percebe o grupo que pertence. Sou LGBT, compartilho algumas coisas, mas não chego gritando que sou LGBT. Minha sexualidade não diz respeito a todo mundo. Meu posicionamento não é de enfrentamento a nada. Tento educar aqueles que não têm conhecimento nenhum da causa, da comunidade. Quero que entendam e conheçam e vejam que não há nada de diferente. Ser diferente é normal. Ninguém é igual", disse.

Edênia também comentou as mudanças que precisou fazer ao longo da carreira por causa da evolução da doença congênita, a atrofia fibular muscular, que afeta até a maneira como respira, o diferente ponto de vista de quando estreou em Mar Del Plata-2003 para agora em Lima. Depois de conquistar o ouro na capital peruana nos 50m costas ela agora vive a expectativa de se tornar tetracampeã mundial - ela compete dia 15 em Londres na mesma piscina em que faturou a prata na Paralimpíada de 2012. 

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O que mudou no esporte paralímpico de sua estreia para agora?

Comecei muito jovem. Ver essa transformação é interessante. Tem gente muito forte competindo hoje, batendo o recorde da Américas todo dia. O cenário mudou completamente. Está bem mais profissional e eu fico muito feliz de ainda estar na ativa e ver toda essa transformação.

Como que a experiência ajuda a seguir em alto nível?

Experiência conta muito. Consigo ter mais autocontrole, saber o que é prioridade. Na Vila, o refeitório tem todo tipo de comida. A gente sabe o que priorizar para comer, como descansar. O legal é perceber que vai adquirindo essa experiência e usá-la a nosso favor.

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Edênia Garcia na comemoração de seu ouro no Parapan de Toronto. Foto: Washington Alves/MPIX/CPB

Como você era em Mar Del Plata-2003?

Sempre tive muito claro o que tinha que fazer. Mas não tinha muita noção do que priorizar. Por exemplo, a Vila é muito bonita, então saía para andar, me cansava e não chegava 100% para a prova. Quando você é jovem quer aproveitar tudo, quer ver tudo e hoje é diferente, consigo ter essa ideia muito clara de prioridade.

O que precisou mudar por causa da evolução do seu problema?

A minha voz está um pouco mais fraca. Estou tratando as dores no diafragma com osteopatia, que ajuda a soltar musculatura. Minha síndrome é na parte digital periférica e ela vai centralizando. Estava sentindo dor para respirar, usando muito o peito, estava machucando muito. Tenho feito alongamentos e não fico muito sentada. Com o esporte de alto rendimento essa evolução da doença é mais rápida. E eu não sabia disso até dois anos atrás. Estou com 32 anos, com a idade a tendência é diminuir treino e aumentar a intensidade, priorizar a qualidade e o descanso.

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E qual a sensação de ser pentacampeã?

É o quinto título. Meio absurdo pensar na caminhada até chegar aqui. Vim para a primeira vez no Parapan como S3. Essa prova é meu xodó e conquistar o ouro é muito importante para mim. Tive um quadro de pânico nos 50m livre aqui e por isso nadei tão. Estamos começando a trabalhar isso. Dos 50m livre para agora controlei a ansiedade para ganhar a medalha. Agora é me concentrar para buscar o tetra do Mundial.

Você costuma se posicionar nas palestras e nas redes sociais. Outro dia escreveu: não podemos naturalizar o absurdo.

É muito comum hoje em dia ver o racismo, o preconceito, a homofobia sendo tratado de uma forma comum por algumas pessoas da nossa sociedade. A gente tem que estar seguro do que é certo e errado. Se o que é errado passar a ser certo a gente vai deixar de viver em sociedade. A gente vai regredir, nos tornar primitivos. Temos que tomar muito cuidado com as palavras e atitudes para não machucar o outro. 

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O que te incomoda hoje?

Sou LGBT e procuro me posicionar quanto a isso. É a primeira vez que falo sobre isso em uma entrevista. Meu posicionamento é não deixar que o ódio tome conta da gente e isso se tornenatural. Tem de defender a humanidade nas pessoas. Entender que se o outro está ali tem que respeitar. Venho do esporte paralímpico que a gente trabalha a inclusão desde o início, desde a sua raiz. Então, se eu deixar que o preconceito entre em mim, vou na contramão do que vim fazer. Venho do movimento que prega igualdade, respeito. Não podemos naturalizar o absurdo, esse discurso do ódio.

Acha que estamos evoluindo nessas questões?

O diálogo melhorou muito. A gente fala abertamente sobre vários temas. O diálogo aumentou, mas tem uma parcela da população que ainda carrega um preconceito. Porque não conhece, não convive. Dá para entender esse preconceito. O que eu defendo é que todos estejam abertos ao novo. Temos que avançar na questão do acolhimento às minorias também.

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Mulher, nordestina, cadeirante e gay...

Pois é... Meu posicionamento é muito em causa própria. Procuro não criar polêmicas, ser sutil. A gente percebe o grupo que pertence. Me identifico como LGBT, compartilho algumas coisas, mas não chego gritando que sou LGBT. Minha sexualidade não diz respeito a todo mundo. Você percebe que faz parte de um grupo e identifica as dificuldades que há nele para existir e então começa a se posicionar. O meu posicionamento não é de enfrentamento a nada. É para que apenas as pessoas entendam o que significa a nossa vivência no mundo. Quero que as pessoas vejam nosso modelo, nossa visão. Meu posicionamento é de tentar educar aqueles que não têm conhecimento nenhum da causa, da comunidade. Quero que entendam e conheçam e vejam que não há nada de diferente. Ser diferente é normal. Ninguém é igual.

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