O beisebol viajou para o Japão 150 anos atrás, partindo do Maine

País comemora um século e meio da chegada do esporte neste ano

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Por Brad Lefton

Esta pequena cidade na Costa Leste pode reivindicar o título de ser um dos berços do beisebol. Mas Gorham, a cerca de 30 minutos de carro de Portland, não tem intenção de brigar com Cooperstown, Nova York.

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Gorham está contente com sua reivindicação mais modesta e muito mais surpreendente: ser o berço do beisebol japonês. Por mais improvável que pareça, as evidências são convincentes. O Japão está comemorando 150 anos de beisebol este ano, e os japoneses atribuem a um cidadão de Maine, Horace Wilson, a introdução do esporte no país em 1872.

Depois de deixar o Maine para lutar na Guerra Civil, Wilson se tornou um dos muitos forasteiros recrutados pelo governo japonês sob a Restauração Meiji para ensinar os costumes do Ocidente ao país que emergia de dois séculos de isolamento

Atribui-se a Wilson o ensino do beisebol em 1872 para seus alunos na Kaisei Gakko, uma precursora da Universidade de Tóquio. Essa versão da história foi reconhecida como oficial quando Wilson entrou no Hall da Fama do Beisebol Japonês em 2003, uma homenagem que começou em 2000 com um telefonema para os descendentes de Wilson, em Gorham, que os deixou boquiabertos.

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Mikio Mori, cônsul japonês, participou de homenagem do New York Mets em agosto. Foto: Vincent Carchietta/USA TODAY Sports

“É claro que a família sabia de Horace Wilson, mas ninguém fazia ideia de que ele tinha ido ao Japão”, disse Scott Balcomb, cuja esposa, Abigail, é bisneta do irmão mais novo de Horace Wilson, Elbridge Wilson.

Os Balcomb vivem na casa de fazenda branca onde Horace Wilson nasceu e foi criado. A Fazenda Wilson está na família desde que o pai de Wilson, Hubbard, a comprou em 1836.

“A verdadeira história para nós”, disse Scott Balcomb, “é que alguém nascido nesta fazenda chegou ao Japão em 1871. Isso por si só já era muito surpreendente, mas aí o representante começou a explicar que Horace é considerado o pai do beisebol no Japão e que eles queriam vir ao Maine nos conhecer e depois nos convidar para visitar o Japão. Nós não conseguíamos acreditar”.

Balcomb, junto com três descendentes de Wilson, foi levado ao Japão em 2000 e festejado durante uma campanha pelo reconhecimento do papel de Wilson. Três anos depois, Wilson se tornou o segundo americano e o terceiro estrangeiro sem ascendência japonesa a ser homenageado pelo beisebol japonês.

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A família recebeu réplicas de bronze da placa e do busto de Wilson que estão expostos no museu. Os objetos foram levados ao Maine, onde agora adornam a sala de estar, perto do quarto onde Wilson provavelmente nasceu.

Se Gorham tem um desafio sério à sua reivindicação de berço do beisebol japonês, esse desafio é de Kents Hill, uma cidade a cerca de 100 quilômetros a nordeste de Gorham que abriga a Kents Hill School, um internato fundado em 1824. Os registros escolares mostram que Wilson provavelmente se matriculou na instituição no outono de 1858, o que significa que ele teria se formado na primavera de 1862. Seus descendentes vivos acreditam que é mais plausível que ele tenha aprendido a jogar beisebol quando era aluno da escola.

Beisebol é um dos esportes favoritos no Japão. Foto: Kyodo/Reuters

Assim como os questionamentos à reivindicação de Cooperstown como o berço do beisebol americano, também se afirmou que Yokohama foi o local do primeiro jogo de beisebol do Japão, um ano antes de Wilson começar a ensinar o esporte a seus alunos. Em 1871, um jogo foi disputado entre marinheiros americanos e moradores locais, de acordo com relatos de jornais em inglês.

Ainda assim, Wilson e 1872 são considerados o início simbólico, como evidenciado pelas comemorações nos Estados Unidos e no Japão este ano. O Consulado Geral do Japão em Nova York comemorou o 150º aniversário com uma cerimônia antes de um jogo do New York Mets no Citi Field semanas atrás.

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Independentemente de qual versão é a mais precisa em termos históricos, o beisebol teve um impacto descomunal na cultura japonesa e nas relações EUA-Japão desde a Restauração Meiji.

Em 1915, com Wilson de volta aos Estados Unidos, foi criado o Campeonato Nacional de Beisebol do Ensino Médio. Hoje o campeonato é uma tradicional festa verão que envolve todo o país, com 3.782 escolas participando este ano. O time Sendai Ikuei da cidade de Miyagi foi coroado o 104º campeão em agosto.

O beisebol floresceu quase imediatamente como esporte amador, mas a formação de uma liga profissional ainda estava a uma década de distância quando Wilson morreu em São Francisco no ano de 1927. O precursor da Nippon Professional Baseball de hoje começou em 1936 com sete clubes, quatro dos quais ainda em atividade. Desde então, a NPB cresceu e hoje conta com 12 equipes divididas em duas ligas, com times desde a cidade de Sapporo, no norte, até a cidade de Fukuoka, no sul.

A qualidade do jogo japonês aumentou constantemente, com o país ganhando a medalha de ouro olímpica no beisebol em 2021 nos Jogos de Tóquio. O Japão também venceu as duas primeiras edições do World Baseball Classic, em 2006 e 2009.

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E os melhores jogadores do Japão têm se transferido para os Estados Unidos nas últimas décadas. Este ano, o outfielder Seiya Suzuki se tornou o 64º jogador do Japão a ser contratado por um time da liga principal, assinando um contrato de cinco anos e US$ 85 milhões com o Chicago Cubs.

O primeiro desses 64 jogadores a ganhar um prêmio de MVP nos Estados Unidos foi Ichiro Suzuki, que em agosto se tornou o primeiro jogador japonês a entrar no hall da fama de um time da liga principal. Em uma cerimônia pré-jogo em 27 de agosto em Seattle, Suzuki foi homenageado como o oitavo jogador a entrar no Mariners Hall of Fame. Ele é candidato para entrar no Hall da Fama do Beisebol em Cooperstown quando se tornar elegível em 2025.

Com a aposentadoria de Suzuki em 2019, Shohei Ohtani, do Los Angeles Angels, ganhou destaque como o mais talentoso jogador japonês em atividade no beisebol americano. Jogador polivalente, Ohtani foi o MVP da Liga Americana na temporada passada e é candidato novamente este ano.

Na sala de jantar da Fazenda Wilson, perguntaram a Abigail Balcomb o que ela achava que seu tio-avô Horace Wilson diria da capacidade de Ohtani jogar como rebatedor e também como arremessador.

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“Ah, acho que ele ficaria encantado”, disse ela. “Meus ancestrais adoravam quando os jogadores podiam fazer de tudo. Mas o que ele realmente gostaria de saber é como Shohei Ohtani vai na sala de aula. Mais do que tudo, acho que Horace gostaria de saber se ele era bom aluno”.

Mais um lembrete de que os primórdios do beisebol japonês têm origem em um professor americano, que ensinou o esporte a seus alunos 150 anos atrás.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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