Ken Swift nunca bateu uma bola de basquete ao som de qualquer ritmo. Nascido no Bronx, bairro mais ao norte da cidade de Nova York, ele nunca correu para touchdowns enquanto a música tocava. Tempos atrás, no final dos anos 1970, os esportes abasteciam um desejo importante por esforço e competição. O breaking preenchia um desejo maior e mais significativo.
“Esportes têm uma estrutura”, disse Swift durante entrevista recente pelo telefone. “Como era novo e havia acabado de nascer, o breaking trazia muita liberdade. Você podia dar seu próprio nome às coisas. Você podia ser parte de uma comunidade, construir sua reputação e receber créditos por isso.”
Swift é um dos construtores da cena do breaking. Como membro da Rock Steady Crew, ele foi inovador, inventando muitos dos movimentos que são parte dos fundamentos da nova dança que nasceu enquanto o hip-hop emergia em Nova York meio século atrás.
Ele esteva convicto ao longo das décadas, enquanto o breaking fazia seu caminho daquelas ruas até os Jogos Olímpicos de Paris-2024. É um dos elementos fundamentais do hip-hop? Indiscutivelmente. Uma forma de expressão valorizada? De fato. Uma forma de arte? Absolutamente.
Um esporte? Nunca.
A posição dele parece ter sido validada depois da inclusão do breaking na Olimpíada, ao mesmo tempo um grande momento de abertura e encerramento para o hip-hop.
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Fora aqueles mais conectados ao mundo da música e fanáticos por Olimpíadas, a maioria das pessoas dificilmente vai lembrar que o canadense Philip Kim levou a medalha de ouro dos b-boys e que a japonesa Ami Yuasa venceu entre as b-girls.
Em vez disso, a impressão duradoura do momento olímpico do breaking veio da apresentação realizada pela australiana Rachel Gunn, conhecida como Raygun. Ela caiu, sacudiu e se esparramou durante suas rodadas em Paris. Em certo ponto, imitou um canguru saltitante, gerando uma das imagens mais lembradas dos Jogos. Ela marcou zero pontos.
A exibição gerou piadas em programas de TV, inúmeros memes, inspiração para fantasias de Halloween e até uma comemoração durante uma partida de futebol americano.
Teorias das conspiração a respeito de como Gunn se classificou para os Jogos de Paris se espalharam tão rápido quanto os memes. Uma petição publicada no Change.org dizia que ela manipulou o processo de classificação para ir à Olimpíada. O Comitê Olímpico Australiano foi forçado a explicar publicamente o sistema de qualificação que levou Gunn à França.
Gunn, professora universitária na Faculdade de Artes da Universidade Macquarie em Sydney, comentou as críticas que recebeu durante uma entrevista pós-Olimpíadas ao Canal 10 da TV australiana.
Eu fiquei muito triste com o tanto de ódio que isso despertou”, ela disse. “E muitas das reações se devem também ao fato de as pessoas não estarem familiarizadas ao breaking e à diversidade de abordagens do breaking.”
Michael Holman está familiarizado. Ele visualizou há 40 anos o breaking como esporte olímpico . O fundador do influente New York City Breakers enviou uma solicitação de inclusão do breaking nas Olimpíadas antes dos Jogos de Los Angeles-1984. Ele imaginou a fusão das naturezas atléticas e artísticas da dança como uma combinação natural.
À medida que os Jogos de 2024 se aproximavam, Holman debateu com Swift, seu amigo de longa data, sobre se o grande momento do breaking no cenário internacional seria um sucesso. Holman esperava bons frutos; Swift estava pessimista.
Agora, meses depois de testemunhar o que ocorreu, Holman admite que talvez Swift estivesse certo. A decepção de Holman transpareceu durante entrevista por telefone.
“Imagine que alguém de alguma forma engane os oficiais, invada as Olimpíadas e consiga correr na final dos 100 metros de atletismo e, em vez de correr, pule em um saco de batatas como arte performática”, disse Holman.
“Gostaria que Raygun, quando fez aquela besteira e aquela zombaria, pelo menos tivesse feito isso por uma causa, para chamar atenção para algo”, ele acrescentou. “Foi uma arte performática para uma pessoa, e foi um verdadeiro tapa na cara.”
Os apresentadores de talk-shows que se esbaldaram em piadas sobre Raygun já haviam deixado o assunto de lado em setembro, quando a Federação Internacional de Dança Esportiva, órgão regulador do breaking, anunciou os rankings pós-Olímpiada.
De alguma forma, Raygun superou todas as outras b-girls; ela era a número 1 do mundo. A lista considerava eventos de todo o ano anterior. Classificatórios olímpicos e a própria Olimpíada não contaram para as estatísticas. Por isso, a pontuação zerada de Raygun não afetou sua classificação mundial.
O que será do breaking após momento olímpico virar piada?
Em novembro, Raygun anunciou a aposentadoria do breaking competitivo durante entrevista ao programa The Jimmy & Nath Show, da rádio australiana 2DayFM. “Eu ia continua competindo, com certeza, mas parece muito difícil para mim entrar numa batalha”, ela disse.
Embora Swift nunca tenha vislumbrado o breaking como sport, ele lamenta o momento perdido. Ele foi mentor de alguns competidores olímpicos.
O break evoluiu muito desde que Swift começou a girar em papelão no alto de Manhattan e no Bronx. Os b-boys e b-girls de hoje são mais diversos, atléticos e poderosos do que nunca.
Dominika Banevic, b-girl lituana de 17 anos conhecida como Nicka, ganhou uma medalha de prata com uma série de movimentos de arregalar os olhos. Victor Montalvo, um breaker de segunda geração conhecido apenas como b-boy Victor, ganhou uma medalha de bronze para os Estados Unidos com uma performance dinâmica.
A variedade e profundidade de talento mostrado em Paris não teria sido possível sem a o alcance e expansão do hip-hop primeiramente imaginado por garotos nova-iorquinos como Swift.
“Tudo isso foi ignorado, e fomos ridicularizados”, disse Swift. “Como nos anos 80, eles riram disso. ‘Oh, olhe para as crianças negras e latinas pulando por aí. Não é uma dança.’ Até que realmente entendamos a situação e a defendamos, isso vai continuar.”
Ele não está condenando Raygun. Breaking é um expressão do individualismo, uma explosão de personalidade. A australiana, disse Swift, expressou corretamente a dela.
O comitê organizador de cada país anfitrião das Olimpíadas sonha de acordo com sua própria visão. Em 2028, Los Angeles sediará as Olimpíadas pela primeira vez desde que Holman imaginou o breaking como esporte.
O programa de 2028 contará com esportes como lacrosse, críquete, squash e flag football. Breaking não será incluído, apesar da rica história do hip-hop da cidade. A decisão foi tomada muito antes da chegada de Raygun ao cenário internacional.
Alguns lamentam que o rap, um componente do hip-hop, tenha se tornado excessivamente comercial em sua marcha em direção à extrema popularidade. Swift espera que o mesmo não ocorra com o breaking.
“Nós estamos cometendo os mesmos erros em nossa cultura”, ele disse. “Nós estamos permitindo a apropriação, a exportação. Estamos tentando
“We’re making the same mistakes in our culture,” he said. “We’re allowing the appropriation, the exportation. Estamos tentando consertar isso para todos, exceto para nós mesmos.”
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