Olimpíadas 2024: cavalos do hipismo podem valer R$ 18 milhões e recebem tratamento especial; veja

Animais que podem valer milhões de euros contam com equipes multidisciplinares e passam por inspeção veterinária antes e após competir em Versalhes

PUBLICIDADE

Foto do author Marcos Antomil
Atualização:

VERSALHES - Os Jogos Olímpicos de Paris têm sido marcados por polêmicas envolvendo o hipismo, modalidade que compõe o programa olímpico desde 1900 e esteve ausente em apenas duas edições (1904 e 1908). A cada ciclo, o tema gera debate e novas questões envolvendo o bem-estar do animal são levantadas para aperfeiçoamento da prática esportiva.

João Victor Oliva em ação com o cavalo Feel Good durante a prova de adestramento. Ao fundo, o Palácio de Versalhes. Foto: Luis Ruas/CBH

PUBLICIDADE

Em Tóquio-2021, três casos relevantes reacenderam a discussão sobre a participação de cavalos em competições. A treinadora alemã Kim Raisner foi expulsa após ser vista agredindo um cavalo que participou de prova no pentatlo moderno. Antes, o cavalo Jet Set, montado pelo suíço Robin Godel, foi sacrificado aos 14 anos por ter sofrido uma ruptura ligamentar na pata dianteira direita que o deixaria manco durante atividade do cross-country no concurso completo de equitação (CCE).

Casos de sacrifício de equinos acontecem quando há lesões nos membros inferiores por serem de extrema dificuldade de recuperação completa. Na região mais próxima aos cascos, os cavalos não têm tantos músculos, apenas ossos, tendões, nervos e vasos sanguíneos. Como pesam mais de 500kg, corridas e saltos causam grande impacto. Se uma pata sofrer uma grave lesão, o cavalo tem de se sustentar em outras três, o que acarretará em outros problemas severos. Uma possibilidade é o desenvolvimento da laminite, uma inflamação das partes moles do casco que causa fortes dores. Diante das circunstâncias, cabe ao veterinário e ao tutor do animal avaliar qual a decisão correta para evitar que o animal sofra.

À época, também repercutiu a imagem do cavalo Kilkenny, com sangramento na narina e persistindo na prova de saltos sob o comando do irlandês Cian O’Connor. Quando algo assim acontece, a atividade deve ser interrompida imediatamente pelo próprio cavaleiro ou pela organização.

Às vésperas do início dos Jogos Olímpicos de Paris, a multicampeã olímpica Charlotte Dujardin foi suspensa pela Federação Equestre Internacional (FEI) e desistiu de disputar o evento após um vídeo gravado há quatro anos vir à tona e mostrá-la chicoteando um cavalo.

Publicidade

Antes da prova de adestramento do CCE das Olimpíadas de Paris, o brasileiro Carlos Parro foi advertido pela FEI por ter causado “desconforto desnecessário” à sua égua Safira durante treinamento preparatório ao induzi-la a fazer um movimento em que deixa o pescoço flexionado para baixo, com a testa apontada para o solo. Essa posição do pescoço prejudica a respiração do cavalo e é proibida.

Quais são os cuidados que o cavalo recebe antes, durante e após as provas de hipismo?

A reportagem do Estadão acompanhou de perto o procedimento feito pela equipe veterinária que atende o conjunto formado pelo cavaleiro brasileiro João Victor Oliva, filho da ex-jogadora de basquete Hortência, e o cavalo Feel Good na prova de adestramento dos Jogos de Paris, em Versalhes.

“Um veterinário do evento mede, com um termômetro, a temperatura do animal antes e após a prova e dá uma indicação para nós. A temperatura normal de um cavalo vai até 38,5º. Durante o exercício, eles superam essa temperatura. Por isso, após a prova, posicionamos os cavalos sob a tenda, com ventiladores e com água com gelo. A frequência cardíaca e a temperatura são aferidas por esse veterinário e quando recuperam o padrão, o cavalo é liberado para ir para a baia. Depois de resfriar o cavalo, fazemos uma sessão de gelo, damos comida e água”, explica o veterinário Henrique Macedo, que afirma que para o bom desempenho na modalidade está diretamente associado aos cuidados com os cavalos.

João Victor Oliva leva o cavalo Feel Good para inspeção veterinária em Versalhes. Foto: Luis Ruas/CBH

“A gente só consegue alta performance se pensar no bem-estar animal, com ele saudável e feliz. Antes das provas, todos os cavalos têm acesso, duas ou três vezes por dia, a uma área para gramear e fazer caminhadas para não ficarem o tempo todo presos na baia. O treinamento é feito em uma ou duas sessões diárias de 30 minutos a uma hora, dependendo do temperamento e da modalidade”, disse o veterinário.

Custo, tempo e transporte são desafios no hipismo

O brasileiro Yuri Mansur, que compete nos saltos, recepcionou sua égua, Miss Blue, na terça-feira, em Versalhes. Ela veio da Holanda de caminhão, em um trajeto de seis horas. No primeiro contato, a preocupação se dá com uma eventual agitação do animal. “Por não estarem em casa, os animais ficam mais curiosos. É um dia para fazer as coisas com calma para deixá-los se ambientar”.

Publicidade

Com a Miss Blue, Mansur estima um gasto mensal entre (R$ 15 a 18 mil, na cotação atual). “É um cálculo difícil de se fazer, porque há muitas variáveis. Com 2,5 a 3 mil euros por mês é o que gastamos com o cavalo, incluindo alimentação, medicação e fisioterapia”. Um cavalo desse nível, no auge de sua capacidade, pode ser comercializado por pelo menos três milhões de euros (R$ 18 milhões).

Miss Blue desembarca de caminhão em Versalhes após viagem de seis horas, com origem na Holanda. Foto: Luis Ruas/CBH

PUBLICIDADE

Mansur planeja competir com Miss Blue até as Olimpíadas de Los Angeles, em 2028. Depois, a égua deve ser utilizada para reprodução, dada a alta demanda já a esta altura por seus embriões. Ele é sócio proprietário do animal junto com Thalita Olsen, que adquiriu a égua, nascida no Brasil no haras Rosa Mystica - que fica em Salto de Pirapora -, com quase dois anos de idade.

Para competir em alto nível no hipismo, cada conjunto conta com uma vasta equipe multidisciplinar, em que a forma como se dá o contato diário com o animal se torna crucial para obter bons resultados. “Muitos cavalos não chegam a um nível desses. Eu mesmo domei o Feel Good. Cada equipe tem ferrador, veterinário, nutricionista, cuidadores, fisioterapeuta, treinador e cavaleiro. São muitas pessoas à volta para fazer um trabalho de alto nível. Minha rotina de treinos com esse cavalo é diária, com variação das atividades para não causar lesão. Diariamente, monto de sete a nove cavalos”, conta Oliva, que competiu em três Olimpíadas, em cada uma com um animal diferente.

Feel Good nasceu na Alemanha e fica com Oliva em Portugal. Para chegar à França, o cavalo foi transportado em um caminhão. O cenário é o mesmo em praticamente todas as competições feitas na Europa. Caso haja longas distâncias que não possam ser percorridas por rodovia, o animal é levado de avião, realizando pausas para não elevar o estresse e manter os cuidados de alimentação.

Calor pode afetar o desempenho do cavalo no hipismo?

Sob o sol escaldante de Versalhes, a maioria dos cavaleiros apontou o calor como um complicador no desempenho da prova de adestramento. Oliva reforçou a tesa, mas preferiu se esquivar ao ser questionado sobre a responsabilidade da organização em pensar em uma prova em espaço coberto e climatizado.

Publicidade

“Eles têm pessoas para pensar nisso. Minha função aqui é competir. O evento está bem organizado. Foi o primeiro dia que fez calor. É difícil planejar as coisas com antecedência sem saber as condições do tempo no futuro”, argumentou Oliva. O veterinário de sua equipe que horários em que a temperatura está mais amena são preferíveis para competições de hipismo. “A gente tem algumas provas indoor, principalmente na época do inverno. No verão, as provas são feitas ao ar livre, mas normalmente em horários mais frescos do dia”, avalia Macedo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.