PARIS - A medalha inédita do judô por equipes – categoria disputada desde Tóquio-2020 – marca o melhor desempenho da delegação brasileira em uma modalidade, superando Londres-2012. Com um ouro (Beatriz Souza), prata (Willian Lima) e dois bronzes (Larissa Pimenta e por equipes), se despede de Paris com quatro pódios. Há 12 anos, o Brasil também teve quatro medalhas com o judô, mas nenhuma prata. Rafael Silva, o ‘Baby’, e Mayra Aguiar são os medalhistas remanescentes daquele ano presentes na delegação de Paris.
Com o desempenho em Paris, o Brasil chega também a 28 pódios da modalidade desde Munique-1972, quando Chiaki Ishii conquistou a primeira medalha para o País. Nenhum outro esporte rendeu tantas vitórias ao Brasil quanto o judô. Atletismo e Vela, com 19 cada, são as outras modalidades que tentam acompanhar o judô no quadro de medalhas. Em Paris-2024, 44% das vitórias vieram das mãos dos judocas. Incluindo o primeiro – e único – ouro até aqui, com Beatriz Souza. Ela eliminou favoritas ao título para quebrar o jejum do País na França.
O principal destaque do Brasil na conquista do bronze na Arena do Campo de Marte foi Rafaela Silva. Depois de vencer duas lutas, sendo uma a que garantiu o pódio para o País, a experiente judoca falou sobre sua redenção após ter perdido a disputa individual por uma decisão polêmica da arbitragem e revelou que torceu para ser sorteada e voltar ao tatame na luta final.
Leia também
“Saí bem chateada na disputa individual. Depois que perdi a única coisa que pude fazer foi impulsionar meus companheiros de time. A gente sabia quão especial seria ganhar essa medalha. Eu sabia da minha importância para a seleção”, iniciou Rafaela. “Sou muito competitiva. Eu torci para ser escolhida no sorteio. Fiquei mentalizando 57kg (peso de sua categoria na disputa por equipes), queria lutar de novo. Conquistar essa medalha simboliza um legado que deixamos para novas gerações do judô”.
O desempenho do judô em Paris surpreende à primeira vista, após maus resultados no Mundial da categoria, em Abu Dabi. O Brasil ficou sem pódios pela primeira vez desde 2009. Por uma própria decisão da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), que optou por poupar os principais atletas da categoria, visando a Olimpíada. Rafaela, Baby e Mayra Aguiar foram alguns dos atletas que não viajaram ao Oriente Médio.
Aos 32 anos, Rafaela quer chegar a Los Angeles em 2028 em uma função diferente na seleção brasileira, sem deixar o tatame. Campeã olímpica na Rio-2016, ela diz que não se vê como líder do grupo, mas tem consciência da relevância que terá na formação de novos talentos do judô. “Não me coloco como grande líder. Vou continuar até Los Angeles. Terei um papel diferente agora na seleção”.
Situação semelhante vive Ketleyn Quadros, 36, que soma seu segundo bronze olímpico. A judoca não pensa em aposentadoria do esporte e prevê uma conversa com a família para decidir seu futuro. “Vou sentar com a minha família. Não cheguei aqui sozinha e não vou tomar essa decisão sozinha. A gente também passa por dramas. Perdi minha avó em janeiro... O judô aqui exige 100% de dedicação. O judô é transformação. Cada resultado é uma resposta que te faz amadurecer. Judô não tem fim, é como um videogame que sempre tem um próximo nível. O grande desafio é entender isso. Quando desce do pódio já começa um outro ciclo”.
Diferentemente das disputas individuais em que ganhando ou perdendo as lágrimas se tornaram protagonista das entrevistas, o que se viu no rosto dos judocas brasileiros foram largos sorrisos. “Caí emocionada, mas não caía uma gota (de lágrima)”, apontou Rafaela. Medalhista de ouro, Beatriz Souza explica o porquê de a disputa por equipes ter uma aura diferenciada.
“É a magia olímpica. O judô é o esporte do inesperado. Temos de nos preparar para viver cada momento. Foi o dia de se entregar pelo outro. É uma loucura a disputa por equipes. Tem uma energia surreal. Sentir a entrega do outro judoca por mim para conquistarmos juntos uma medalha. Essa união mostra o que o judô é. Não interessa quem é o adversário, a categoria. Se tivesse de lutar com o masculino faríamos do mesmo jeito”, afirmou Bia.
Ketleyn também valoriza o que gerações anteriores fizeram em prol do judô, especialmente para as mulheres. “Onde existe amor existem sacrifícios. São 30 anos no judô. Formamos uma tribo e convivemos com nossos ídolos. Isso nos torna um grupo único, com a soma das nossas histórias e experiências. Nossas ex-atletas plantaram e estamos colhendo agora. Sou muito grata de fazer parte da história do esporte que mais traz medalhas para o Brasil”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.