Os nobres (mesmo) membros do Comitê Olímpico Internacional começaram a torcer o nariz para o Brasil bem antes de os Jogos do Rio começarem. Reclamaram, muitas vezes com razão, das condições das áreas de competição, exigiram uma série de mudanças e desconfiaram que os ginásios, quadras e estádios não estariam prontos a tempo. Na chegada ao Brasil, a chiadeira foi com as condições da Vila Olímpica ainda semipronta ou, segundo as informações do prefeito Eduardo Paes, saqueada após ter sido entregue em perfeitas condições. Mal ou bem, o sucesso da belíssima festa de abertura e o início das competições sem maiores incidentes - apesar de uma piscina verde aqui, uma fila grande ali, uma pintura escorregadia acolá - fizeram com que os Jogos ganhassem seu curso normal. Mas nem tanto.
Foi a bola começar a rolar, os golpes, braçadas, saltos e corridas começarem a ser dados para surgir um estranhamento com a torcida na chamada “família olímpica”. Acostumada a sediar Jogos no hemisfério Norte, com poucas passagens abaixo da linha do Equador e, pela primeira vez, na nossa América do Sul, teve uma surpresa. A torcida brasileira torce! E, incrível, a favor dos brasileiros e, mais incrível ainda, quer que o adversário se ferre. E para isso vaia, xinga, grita, reclama do juiz. Tudo o que estamos acostumados a ver no dia a dia de nossos estádios de futebol. Normal. Ou não?
Nos Jogos Pan-Americanos, realizados no Rio no ano de 2007, um atleta canadense, eliminado de uma prova no recém-inaugurado Engenhão, levantou os braços esperando aquele aplauso de despedida tradicional nas provas de atletismo. Tomou uma vaia que o deixou desconcertado. Por quê? Deve ter se perguntado. Simples: as informações que circulavam é de que a grande meta do Brasil naqueles Jogos era superar o Canadá no quadro de medalhas. E, como em toda competição que é disputada no Brasil, nossos atletas teriam o apoio de milhões de pessoas naquela “corrente pra frente”. O apelo foi atendido.
Agora é a mesma coisa. O Brasil se planejou para ficar entre os 10 primeiros no quadro de medalhas. A TV solta todo o tempo o chamamento para a torcida, para o patriotismo, para o apoio aos atletas brasileiros que jogam “em casa”. Então a torcida faz a sua parte e pressiona como pode os adversários. Não só os rivais diretos do chamado Time Brasil, mas aqueles que, normalmente, os brasileiros gostam de pegar no pé. Os todo-poderosos americanos e nossos vizinhos e eternos rivais, os argentinos. Desta vez com um acréscimo: os russos, que chegaram manchados por denúncias de doping. Estes têm sofrido.
Claro que o brasileiro não está muito acostumado a certos esportes que exigem silêncio e concentração em alguns momentos. É o caso do tiro esportivo e do tiro com arco (no popular, arco e flecha). Na natação, quando os atletas sobem ao bloco nos instantes que antecedem a largada, precisam de concentração total. Depois vale tudo, assovios, gritos para apoiar seu favorito. No tênis, o comentário é que a torcida mais parece de Taça Davis. Mas não é tênis também? De qualquer modo, mais do que o apoio aos brasileiros, o que incomoda é a vaia. Para os representantes da nobreza europeia que comanda o COI, elas contrariam o espírito esportivo. O porta-voz da entidade, Mark Adams, foi transparente ao repórter Jamil Chade: “É importante educar um pouco fora da cultura do futebol”.
Há exageros. Um brasileiro e um argentino se engalfinharam na arquibancada do vôlei de praia em um confronto entre os dois países, por exemplo. E algumas escorregadas em esportes que exigem silêncio e concentração (o que é facilmente contornável com anúncios pelos alto-falantes). Mas, no todo, a torcida “à la Brasil” faz da maneira que sabe. Apoia os brasileiros e pressiona os adversários. E o fair play, bem...Não dá para ter tudo.
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