Kelvin Hoefler, do skate, ganhou a primeira medalha do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio, tirou o zero do quadro de medalhas e reforçou a expectativa que existe em torno dessa modalidade. Nas previsões mais otimistas, a delegação nacional poderá subir algumas vezes ao pódio e ter grande contribuição do skate no quadro de medalhas. Neste domingo, o skatista ficou com a prata na prova de street. "O skate me abraçou. É para essa geração que está vindo aí".
Na grande final, Kelvin obteve nota de 36,15. Só ficou atrás do japonês Yuto Horigome, com 37,18. O americano Jagger Eaton, com 35,35, ganhou o bronze. Os outros brasileiros na disputa foram Felipe Gustavo e Giovanni Vianna, que não avançaram.
"Se não fosse o vento do local da prova, daria para ter ficado com o ouro. Isso foi um empecilho para mim naquele momento", disse o brasileiro, que dedicou seu pódio a duas mulheres, sua mulher Ana Paula Negrão e a skatista Pâmela Rosa, que estava no local e festejou muito a conquista do amigo. "Liguei para minha mulher e choramos juntos. Essa medalha é para o skate do Brasil", disse, emocionado.
Hexacampeão mundial, Kelvin Hoefler vive em Los Angeles, na Califórnia, mas cresceu no litoral paulista. Ele é de Vicente de Carvalho, na periferia do Guarujá (SP), e começou a praticar a modalidade aos 9 anos na cozinha da casa da mãe. Vendo o jeito do filho para a coisa, o pai passou a incluir alguns obstáculos no trajeto até a garagem, passando pela sala. O menino foi se desenvolvendo.
Quando tinha 13 anos e já estava ganhando prêmios relevantes para um adolescente em competições, como moto ou carro, seu pai o chamou para conversar sobre o sobre o futuro. Questionou se era aquilo mesmo que ele queria, deu total apoio, mas já mostrou que ele precisaria ser competitivo para ter sucesso. Então todos os dias, após sair do trabalho como policial militar, ele levava Kelvin para uma pista de skate.
Crescendo com regras mais rígidas em casa, o garoto foi se aperfeiçoando e, em 2014, decidiu se mudar para Los Angeles, onde teria muito mais facilidade para treinar por causa da abundância de boas pistas de skate nos Estados Unidos. "Vi que lá era o lugar ideal, com ruas lisas e a cada esquina tinha um skatepark perfeito. Sabia que era um local para eu evoluir na modalidade e chegar ao patamar dos americanos", lembra.
No principal mercado do skate no mundo, ele começou a se enturmar e teve ajuda de muita gente. Acabou alugando uma cozinha na casa de uma amiga, onde morou até juntar mais dinheiro dos campeonato e conseguir comprar sua própria casa. Todo o esforço foi recompensado no Japão e ele se tornou o primeiro medalhista olímpico do Brasil no skate. E também o primeiro nesta edição dos Jogos entre os atletas do Time Brasil. A expectativa é que o COB traga para casa 20 medalhas em Tóquio.
"Eu cresci tendo muitas dificuldades. Agora acho que estou em um sonho. É muito bom ver a galera incentivando e torcendo pela gente. Aqui não tinha pública, mas sempre que dava pegava o celular e via as pessoas dando apoio nas redes sociais", afirmou. Ele contou que teve apoio da amiga e skatista Pâmela durante a competição. "É bom ter alguém vendo de fora e te dando umas dicas."
Sucesso do skate
A estreia do skate no programa olímpico evidenciou o que se imaginava desse esporte que sempre foi sinônimo também de estilo de vida. Atletas festejando manobras ousadas de rivais, apoio moral nos erros e festa na pista de street construída especialmente para competição olímpica. Na disputa, os atletas representaram o que têm de melhor no espírito olímpico.
"A gente é amizade. Eu queria ver o Nyjah acertar, queria ver o Angelo Caro acertando. É uma grande família", revelou Kelvin, citando o skatista dos Estados Unidos, Nyjah Huston, e que era favorito, mas ficou fora do pódio, e ainda o representante do Peru, de quem é amigo. "O Kelvin é um irmão, um grande atleta e grande pessoa", elogiou Caro.
Ele reforçou a importância da entrada da modalidade no programa olímpico. "Pulamos muitas pedras que apareceram no caminho e agora a Olimpíada está abrindo muitas portas. Nosso esporte precisa crescer mais e nossa presença aqui é importante. Seremos exemplos para as crianças", disse.
Já Nyjah concordou com seu adversário e comentou mais sobre esse espírito olímpico dos skatistas. "Se a gente vê alguém fazendo uma manobra incrível, vibramos. Isso faz parte do nosso esporte. Acho que a entrada do skate no programa olímpico trouxe uma grande competição e um alto astral para o evento. É incrível estarmos aqui e finalmente ter a chance de estar no grande palco. Eu disputo competições profissionais há 15 anos e, embora tenha tido muitas vitórias e muitos grandes momentos, nunca estive em um palco tão grande."
Anos atrás, alguns competidores da modalidade condenaram a inserção da modalidade no programa olímpico sob o argumento de que ela perderia sua essência. Mas não foi isso que ocorreu, pelo contrário. Os esportistas viram os contratos melhorar, empresas fora do esporte passaram a investir também e todos os melhores do mundo se esforçaram para conseguir vaga nessa estreia no Japão.
"As pessoas precisam aprender que há muito mais no skate do que apenas competir. É todo um estilo de vida. Para mim, é muito mais do que um esporte. Acho que tecnicamente agora você pode chamar isso de esporte porque estamos na Olimpíada, mas, para mim, também é um estilo de vida. É sobre ir lá fora, se divertir e viver livre", disse Nyjah.
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