O racismo foi um dos temas mais presentes no mundo esportivo nos últimos anos. Foram muitos os casos de discriminação, desde o caso da judoca Rafaela Silva até o goleiro Aranha, passando por flagrantes atitudes racistas dentro e fora de campo na Europa. E os jogadores brasileiros são alguns dos mais atingidos. Como reação, surgiram diversas manifestações contra o racismo. O piloto Lewis Hamilton e os jogadores da NBA protagonizaram os casos mais visíveis.
Para a professora Djamila Ribeiro, especialista no assunto, estas manifestações são importantes para trazer o racismo aos holofotes. Mas não são o suficiente. “É importante se manifestar em jogos, por dar visibilidade ao tema, mas acho que é importante para, além disso, tomar ações concretas”, disse a filósofa em entrevista ao Estadão.
Djamila é a principal referência de um curso sobre racismo que o Comitê Olímpico do Brasil (COB) vai lançar no dia 6 de abril. Ela montou uma apostila, junto com o professor Tiago Vinícius, que será a base do curso, obrigatório para atletas que pretendem disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio, neste ano. Sobre o curso e sobre o tema do racismo, ela conversou com a reportagem. Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista:
Você já havia dado curso semelhante para outras entidades esportivas?
Não. É a primeira vez que dou um curso assim tão específico, voltado para o esporte. Já tinha falado sobre isso na minha coluna na revista CartaCapital, sobre o goleiro Barbosa. E também tinha falado sobre a Serena Williams, em artigo publicado no meu livro “Quem tem medo do feminismo negro”. Mas nunca tinha dado um curso na área esportiva.
Você ouve ou recebe relatos sobre episódios de racismo no esporte?
Sim, pelo fato de ter escrito sobre o Barbosa. E acompanho outros casos, como aconteceu com o goleiro Aranha. É uma área que acompanho bastante. O caso do ginasta Ângelo Assunção, que abordamos na apostila. Citamos alguns exemplos. Há também os atletas que não foram reconhecidos.
Como assim?
Temos a invisibilidade que existe por conta do racismo. São grandes nomes, que precisaram batalhar demais para ter acesso a coisas que pessoas que vêm de outros grupos sociais conseguem mais facilmente. Abordo tanto sobre a denúncia da discriminação direta, mas também de como o racismo impede que certos nomes sejam reconhecidos devidamente.
Seu primeiro contato com o COB foi em uma Live promovida pela entidade no ano passado. Você obteve algum retorno depois?
Depois da Live foi quando surgiu o convite para fazer a apostila. Sentiram a importância de abordar melhor esta questão. Fiquei bastante feliz com o convite. Isso tudo refletiu a importância de debater o assunto de maneira mais consistente e deixando um material à disposição dos próprios atletas.
Qual é a sua opinião sobre as manifestações sobre racismo no esporte?
Acho muito importante quando os atletas se posicionam. Independente de serem atletas, são pessoas negras, que sentem na pele o que é o racismo. Acho importante também porque são pessoas muito conhecidas, que influenciam outras pessoas e jogam luz sobre estas questões. Seria até importante no Brasil cada vez mais existir este tipo de manifestação, como nos EUA, onde atletas, que são ídolos de várias gerações, se posicionam. Vejo como algo muito importante quando se posicionam, quando dizem que não vão entrar em quadra, quando tomam atitudes. Vejo como fundamental.
Como estes gestos, como ficar de joelhos ou estampar mensagens em camisas, podem ajudar a transformar a situação?
Estes gestos não são ações concretas no sentido de trazer uma mudança mais profunda. Mas elas jogam luz para a questão, faz com que as pessoas reflitam sobre isso. E talvez um atleta, quando se posiciona e é muito famoso, faz com que as pessoas cheguem até os ativistas e intelectuais que estão falando sobre isso. Isso dá visibilidade para o tema e isso é fundamental. Claro que tem atletas, que além de se posicionar desta maneira, tomam ações concretas. Pagam bolsas de estudo, nos EUA é comum. Muitos deles, como o LeBron James, tem projetos sociais. É importante se manifestar em jogos, por dar visibilidade ao tema, mas acho que é importante para, além disso, tomar ações concretas. Não ficar só na denúncia, sobretudo estas pessoas que tem condições econômicas mais favoráveis.
Qual seria a conduta adequada para o jogador de futebol diante das ofensas racistas?
Nestes casos sistemáticos, é preciso cobrar as autoridades responsáveis. Cobrar as confederações, as instituições responsáveis para que de fato se tomem medidas para que isso não aconteça. Não podemos de forma alguma naturalizar este tipo de situação. Se puder acionar judicialmente, é um caminho. Mas penso que também cobrar destas instituições que tomem atitudes, seja punindo jogadores que estejam tendo atos racistas, seja com campanhas educativas ou seja produzindo material sobre o tema, para que os atletas tenham acesso e tenham que fazer determinados cursos. São várias ações que podem ser tomadas para além da denúncia na rede social.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.