A Confederação Brasileira de Skateboarding (CBSk) acionou a Corte Arbitral do Esporte (CAS) em tentativa de voltar a ser o órgão responsável pelo skate brasileiro no âmbito olímpico, posto do qual foi retirada em 10 de janeiro deste ano, pela World Skate (WS), reguladora mundial do skate e dos esportes sobre patins. Ao Estadão, a CBSk disse ter a expectativa de que a decisão saia no máximo daqui a 45 dias. Além disso, está “analisando outras possibilidades” de reverter a situação. O tempo é curto, já que a Olimpíada de Paris-2024 começa dia 26 de julho.
A entidade brasileira perdeu a representação olímpica porque se opôs à WS, que pedia a fusão da CBSk com a Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação (CBHP). A federação internacional passou ao COB a reponsabilidade de gerir o skate do País até os Jogos de Paris, mas a CBHP foi designada para criar uma nova confederação, a “Skate Brasil”, que abrigaria o skateboarding junto aos esportes sobre patins. Diante deste cenário, a CBSk diz que deixou de receber recursos do COB e, nesta quarta-feira, colocou todos os seus colaboradores em aviso prévio.
“A Confederação Brasileira de Skateboarding (CBSk) confirma que, diante da interrupção do repasse de verbas por parte do COB, todos os colaboradores da entidade entraram de aviso prévio na última quarta-feira (31/01). A medida foi tomada para garantir os direitos trabalhistas de todo esse grupo que trabalha diariamente pelo skateboarding brasileiro e manter intacta a condição de governança e transparência da entidade. A CBSk discorda da decisão administrativa do COB e lamenta ter que levar o caso à Justiça, embora tenha confiança numa decisão que reverta essa situação”, disse a CBSk em nota.
Procurado pela reportagem, o COB explicou que a paralisação no repasse é uma suspensão temporária, que pode vir a mudar ou não, e está de acordo com a determinação da World Skate. Também afirmou que as duas entidades têm tentado chegar a uma solução conjunta.
A mudança de comando contrariou a maior parte dos skatistas brasileiros que estão na corrida olímpica, inclusive os medalhistas Rayssa Leal e Pedro Barros, que se posicionaram nas redes contra a troca e defenderam a CBSk, citando a responsabilidade da entidade no suporte ao atletas nos Jogos de Tóquio, em 2021. “Os eventos que tiveram e os treinos que prepararam a gente pra ganhar 3 medalhas pro Brasil foram realizados por uma federação que entende da nossa cultura, que entende de skateboard. Uma federação de skate de verdade. Sou CBSk”, escreveu Rayssa quando a decisão da World Skate foi publicada.
A CBSk não concorda em deixar o skate nas mãos de uma confederação originalmente voltada ao patins e apontou omissão do COB na resolução do conflito, além de entender que a preparação para Paris-2024 foi prejudicada. Em Entrevista ao Estadão, dia 12 de janeiro, o presidente do comitê olímpico, Paulo Wanderley, disse que o COB se respaldou na Carta Olímpica ao se manter neutro e seguir a determinação da federação internacional quando notificado. “Não temos poder de intervir, de pedir, de nada… é internacional. Não há discussão, o assunto foi resolvido entre eles. Aí sim, o que é competência nossa: proteger a modalidade e os atletas”, disse.
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Provisoriamente sob o comando do skate nacional, o COB definiu uma estrutura administrativa para auxiliar os atletas. Além dos supervisores da modalidade que faziam o ponto focal do Comitê com a CBSK, haverá um cargo de gestão ocupado por Tatiana Lobo, que exerceu diversos cargos diretivos dentro da própria CBSk.
Entenda o caso
Até chegar ao ponto da desfiliação da CBSk, o caminho foi de muitos desentendimentos. A World Skate decidiu, em assembleia realizada em 2019, que cada país poderia ter apenas uma entidade filiada ao seu quadro, e o Brasil tinha a CBSk e a CBHP. Entre alguns adiamentos, a regra só foi aplicada após 31 de dezembro de 2023. Antes disso, travou-se uma disputa nos bastidores, pois a WS queria a fusão das duas entidades, sugestão refutada pela CBSk, que sentiu sua autonomia ameaçada e adotou o discurso de manter o “skate nas mãos dos skatistas”.
Em um panorama mais amplo, a CBSk aliou-se a federações de outros países em um movimento que chamaram de “no merge” (sem fusão). Ao fim do prazo para a resolução dos conflitos entre as instituições nacionais, cinco países não tiveram acordos entre suas entidades: Brasil, Estados Unidos, Geórgia, Eslovênia e Turquia. A escolha da representação, então, foi feita pela WS, conforme determinado pelo estatuto da organização.
Ao comunicar a desfiliação, na quarta-feira, a WS criticou a CBSk por ter “recusado qualquer diálogo com a CBHP” e realizado uma “campanha difamatória na mídia contra a World Skate e suas regras”. O texto também disse que a proposta apresentada pela CBSk “não estava de acordo com as determinações, uma vez que previa manter duas entidades separadas sem criar uma organização guarda-chuva”.
A CBHP aceitou se transformar na tal “organização guarda-chuva”, termo utilizado para se referir ao ato de agregar skate, hóquei e patins. Agora, caso a CBSk não consiga reverter a situação, a federação de patins terá até abril para estabelecer uma nova federação chamada “Skate Brasil”. Neste modelo, cada uma das 13 modalidades que seriam representadas pela nova entidade, incluindo os olímpicos skate park e skate street, teria sua própria estrutura dentro do “guarda-chuva”. Os esportes originalmente representados pela CBHP, dentro do universo do patins e do hóquei, não fazem parte do programa da Olimpíada.
A disputa entre CBSk e CBHP é antiga e se consolidou em 2017, quando, após o skate se tornar esporte olímpico, a Federação Internacional de Esportes sobre Patins se fundiu à Federação Internacional de Skate, culminando na criação da WS. Então, o COB teve de indicar uma entidade para representar os skatistas junto à nova entidade e chegou a escolher a CBHP, mas mudou de ideia e optou pela CBSk, na época presidida por Bob Burnquist, um dos maiores skatistas da história e fundamental nesse processo de convencimento.
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