Pedro Barros abraça filosofia saudável do pai cinquentão e aprova idade mínima no skate

Em entrevista ao ‘Estadão’, medalhista olímpico elabora ideia do esporte como ‘física da vida’, concorda com decisão que veta menores de 14 anos na Olimpíada e aponta hostilidade do mundo competitivo para crianças

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Foto do author Bruno Accorsi
Atualização:

Pedro Barros gosta de estar em movimento, e não apenas quando está em cima do skate. Medalhista olímpico de park em Tóquio-2020 e quarto colocado em Paris-2024, o catarinense de 30 anos se dedica a desenvolver habilidades físicas e mentais que o ajudam a evoluir como atleta e como pessoa. Parte desse impulso vem da curiosidade que o faz enxergar o esporte como oportunidade de o ser humano entender melhor sua relação com o mundo. Outra fração de tal apetite está ligada a um movimento feito por seu pai, André Barros, em busca de mais saúde e qualidade de vida depois dos 50.

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Enquanto vivia o ciclo das Olimpíadas de Paris, o skatista estava se aproximando dos 30 e saturado da rotina de quase duas décadas competindo como atleta de alta performance ao redor do mundo. Observou que começara a competir com atletas muito mais jovens do que ele e entendeu que precisaria de ainda mais foco e disciplina para continuar evoluindo. No mesmo período, via o pai, hoje com 53 anos, que é surfista e também anda de skate, mudando hábitos alguns anos após uma trombose venosa que o levou à UTI. Pedro se inspirou em André, e vice-versa.

“Ele viu que, se ele não começasse a mudar certas coisas, e não chegasse a um nível muito extremo com o corpo, ele ia encarar talvez os últimos dez anos dele de surfe em um nível que ele surfava”, conta Pedro ao Estadão. “Me vendo expandir o meu potencial e limite como atleta, que muitos às vezes olham e acham que já havia chegado a um teto, ele viu todos os cuidados que a gente pode inserir no dia a dia, distanciar esse teto. A gente vê que, na verdade, não chegamos ao topo ainda, está bem distante.”

Medalhista olímpico Pedro Barros e seu pai, o surfista e empresário André Barros. Foto: Foto: Divulgação/TBSports

André cortou o açúcar, faz de três a quatro horas de exercícios diariamente, adotou técnicas de respiração utilizadas nos treinos do filho e experimentou uma nova dieta à base de carne e frutas. Em uma página no Instagram, criada recentemente, compartilha as experiências que tem vivido na busca por levar uma vida mais saudável, física e mentalmente.

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É um controle sobre si mesmo. Dentro da sociedade que a gente vive, parece até meio psicopático, mas é a questão de a gente saber que existe algo a mais. Tem como a gente se sentir bem de verdade, tem como a gente acordar feliz e ir dormir feliz. Tem como passar nosso dia em maior parte de vibração com pensamentos e ideias positivas, uma frequência mais de amor, de coragem, que é algo que muitas vezes é falado, mas se parece utópico.

Pedro Barros, skatista medalhista olímpico

Pedro compreende que, na condição de atleta profissional, ele e a própria família dispõem de mais recursos materiais que a maioria das pessoas, mas defende que esse tipo de transformação em relação à saúde está ao alcance de todos, dentro das devidas proporções.

“Parece algo de alguém que não vive a realidade, algo como: ‘não, essa cara é milionário, ele pode fazer isso, esse cara é privilegiado. Mas não importa se você é o Pedro Barros ou o André Barros, cada um estava enfrentando um grande pesadelo dentro de si. Cada um consegue limpar esse pesadelo quando adentra o maior desafio consigo e decide, em vez de fugir e pegar o caminho mais rápido, encarar de frente. Esse é o nível de cuidado de saúde.”

‘A física da vida’

A preocupação do medalhista olímpico com a qualidade de vida está muito ligada à forma como ele se relaciona com o esporte. Reflexões sobre o próprio ofício são rotineiras para o catarinense, que estuda o tema e vai à origem da atividade física como ferramenta de sobrevivência para explicar um pouco da visão que desenvolveu ao longo dos anos como atleta profissional.

“O esporte representa muito sobre esse novo desabrochar do ser humano, de que vivemos, não como um todo ainda, mas, em grande parte, em uma sociedade menos dura do que milênios atrás. Antes, para você sobreviver você tinha que ser altamente esportivo. O ser não podia se permitir estar num conforto, sentado, deitado numa cama com coberta. Você tem que correr, construir um abrigo de folha. Tudo isso exige força muscular, habilidade”, diz.

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“O ser humano foi cada vez mais tendo conforto. Ele consegue atingir lugares de criatividade maiores. Po, estou aqui sem nada para fazer, vou botar uma bola e correr atrás com meus amigos. A gente cria um jogo. Maneiro, irado. Essa madeira pode flutuar no mar e eu posso deslizar sobre as ondas. O ser humano, aprendeu a nadar, aprendeu a pescar, aprendeu tantas habilidades que ele pode ser preocupar com habilidade que é fina, de privilégios de certa forma, que é o esporte, que também é a habilidade mental, o desenvolvimento mental das pessoas.”

Pedro acredita que ser um dos melhores skatistas de park do mundo o ajudou a compreender questões práticas sobre a vida. Para ele, a conexão entre o corpo, a mente e o ambiente - no caso do skate, a pista ou a rua -, tão essencial ao esporte, se reproduz positivamente no dia dia e abre caminhos para relações mais harmoniosas.

Se você pegar um cara que é bom para c... de esporte, geralmente o que ele conseguiu é entender melhor um pouco sobre a física da vida. Esporte para mim é muito física em prática. Uma física mais total, de totalidade, uma física da vida. Se o ser humano não aprende a entender a sua própria física, como ele se relaciona fisicamente aqui, a gente tem grandes dualidades.

Pedro Barros, skatista medalhista olímpico

O cuidado com o corpo e a saúde é um dos muitos temas conectados ao esporte sobre os quais o skatista gosta de se debruçar. A natureza social da prática esportiva também está na lista. Subir a um pódio olímpico emociona Pedro, mas ele guarda momentos não ligados a conquistas competitivas com o mesmo carinho na memória, como a participação que fez no Festival REMA (Rua, Esporte, Mar e Arte), em Saquarema, no ano passado.

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O evento, que nasceu do surfe e incorporou o skate e a música, é um encontro cultural e também uma etapa da Qualifying Series da WSL, porta de entrada para a liga mundial de surfe, além de realizar mutirões de limpeza da praia, ações educativas e socioambientais. Pedro estará presente também edição deste ano, iniciada neste sábado

“A gente provoca um estímulo, uma motivação, uma fonte de inspiração para a comunidade local. A gente entende que gera um impacto positivo com a governança local, os meios que têm força para realmente trazer cada vez mais estrutura, evoluir essa comunidade, evoluir esses espaços em comum. A gente vê o skate como essa ferramenta social, uma forma de transformar vidas. É um esporte individual, mas que acontece coletivamente e precisa de um espaço público. A gente não consegue nem calcular, dimensionar momentaneamente. Para pessoas que estão ali, isso permeia o ano inteiro.”

Pedro Barros durante treinamento nas Olimpíadas de Paris-2024. Foto: Júlio Detefon/CBSK

Ambiente de competição é hostil para crianças

O senso de comunidade tão valorizado por Pedro Barros é uma das principais características da cultura do skate, cuja essência, na visão de muitos skatistas, tem sido ameaçada pela grande exposição que a modalidade passou a ter após a inclusão nas Olimpíadas. A parceria e solidariedade entre os skatistas durante as competições não foi compreendida por todos os espectadores, mas são defendidas pelos atletas que não querem o esporte contaminado pelo lado mais sombrio da competitividade.

Esse tipo de preocupação levou a World Skate, órgão responsável pela organização do skate no âmbito olímpico, a estabelecer um limite mínimo de idade aos participantes das competições. Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles-2028, só poderão competir skatistas que tenham idade igual ou superior a 14 anos no ano da realização da disputa.

Com isso, os torneios do ciclo serão afetados gradualmente. O mínimo será de 11 anos em 2025, sobe para 12 em 2026 e 13 em 2027 até chegar aos 14 em 2028, ano da Olimpíada. Foi estabelecido que será levado em consideração o ano de nascimento do atleta, não a data exata. Ou seja, atletas nascidos em qualquer data após 31 de dezembro de 2014 serão excluídos do ranking mundial.

“Não tem como liberar uma criança que ainda não sabe distinguir o que é vida e o que não é vida de verdade. O que é machucar, o que é dor”, opina Pedro. “A gente já tem fortes estudos sobre o desenvolvimento humano. Tanto que existe uma metodologia dentro da escola. Por que a gente não coloca crianças, com 11 ou 12 anos, para estar no mercado de trabalho, atendendo um cliente no banco, trabalhando de gari, ou fazendo trabalho de professor? Não condiz. A gente não coloca criança nesse lugar. Ela tem outra missão. 14 anos é até muito novo. 11 anos dentro de competição é ridículo.”

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Concordar com a decisão é algo que vem da própria experiência de Pedro como atleta mirim. Ele já sentiu na pele os efeitos que uma competição profissional pode causar durante a infância.

“Quando criança, já tive o sentimento de que acabou a minha vida porque eu não ganhei a nota que eu merecia. Será que é legal provocar esse sentimento intencionalmente? Quando você coloca uma criança nessa situação, é impossível ela não passar por esse sentimento. Por mais talentosa que ela seja, vai sempre chegar alguém tão talentoso quanto que vai acabar ganhando dela”, questiona.

O movimento realizado no skate já ocorreu na história do esporte, como na ginástica artística, por exemplo. O tem começou a se debatido ainda nos anos 1970 e ganhou força em 1976, quando a romena Nadia Comaneci foi ouro aos 15 anos.

Surgiram atletas como a canadense Karen Kelsall e a norte-americana Tracee Talavera, competindo com 12 e 13 anos, respectivamente. Então, em 1981, a Federação Internacional de Ginástica (FIG) estabeleceu o limite mínimo de 15 anos, que aumentou para 16 em 1997. No skate, a brasileira Rayssa Leal foi prata em Tóqui-2020 aos 13 anos, atrás da japonesa Momiji Nishiya, então com a mesma idade.

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O ambiente de competição é tão hostil que tem adultos perdidos, adultos fazendo merda nesses lugares. Adultos deixando de provocar saúde e educação. Estão preocupados com quem é melhor, quem tem mais seguidores, quem traz mais dinheiro para um evento.

Pedro Barros, skatista medalhista olímpico

O skate é incompreendido?

Competir exige preparação, especialmente a emocional. E esse fator, ainda em desenvolvimento nas crianças, exige muita atenção dos atletas mais maduros, como Pedro Barros, que toma cuidado para não sobrecarregar o próprio cérebro ao longo do processo de tentar melhorar sempre.

“Nosso cérebro é uma máquina que funciona basicamente e exclusivamente em dados, como um computador. Como você alimenta esse teu bichão aí dentro que vai definir. A gente tem de entender qual a nossa capacidade. Se eu quiser aguentar a carga de ser um atleta, um empresário, um filho, um namorado, uma pessoa boa, eu preciso me preparar para isso. Não importa se você está preparando o seu músculo na academia ou se você está estudando um livro, você está trabalhando um todo que é um dado e um cálculo. A gente tem de dar continuidade e praticar essa consciência.”

O skatista se expressa com lucidez e racionalidade ao tentar externar os “dados que processa em seu computador”, mas nem sempre consegue atingir a comunicação que deseja. Ele avalia que há muitas particularidades da forma de pensar dentro universo do skate que ainda são incompreendidas, mas que isso está mais ligado às divisões provocadas pela sociedade hoje do que em razão da natureza do esporte.

“Não sou que não estou sendo entendido. É a maioria das pessoas com outras pessoas, famílias com famílias. A comunicação não é sobre linguagem, nem sobre fala, é sobre compreensão. A verdade é que o ser humano está muito distante de compreender a própria natureza. Como ele vai entender a natureza que o Pedro está querendo passar? Não tem alguém que eu possa culpar… ‘por isso não me entendem’, ‘é o futebol que faz com que não entendam a gente do skate’. Não é isso”, opina.

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“Às vezes, está sendo compreendido o que precisa ser compreendido. Até essa compreensão que eles tem de julgamento, ou de percepção que a gente é doidão, que a gente tá falando abobrinha. ‘Ah, o cara tá falando isso porque fumou um’. Pô, o cara é atleta olímpico, tem doping para c... nessa parada, é um foco insano. A gente tem psiquiatra, médicos, tudo. Se tem um ser humano mais próximo de uma operação plena é o atleta naquele momento. Aí você vai vir falar que o cara está viajando, está chapando, está doidão?.”

É comum que, ao dar entrevistas com frases fora do protocolo, após competições televisionadas para um público maior, Pedro seja recepcionado nas redes sociais com comentários que o julgam como “doidão” ou que até levantam a possibilidade de ele estar competindo sob efeito de maconha. Tal percepção é uma herança da marginalização do skate, que vem sendo desmontada há algum tempo, mas há estereótipos que sobrevivem.

“Você que enfrenta problema para c..., está estressado, está tendo uma visão limpa sobre as coisas? E o cara que está lá, realizou um sonho da vida, está falando com o coração para fora, não? Às vezes, é exatamente isso que tem de acontecer. Assim como aqueles que falavam que a gente era marginal e bandido lá atrás, hoje batem palma porque viram a gente nas Olimpíadas, que estão julgando o que o skatista está falando”, afirma.

“Quando chegar o momento dele na vida de perceber com os olhos da alma, não só com os olhos da mente pensativa, e sim algo que ele sentir, ele vai ver que ‘caramba, olha como esses doidões estavam à frente do tempo mesmo’. Dentro do nosso tempo a gente está fazendo o que a gente ama, furando uma bolha. Somos um estilo de vida, uma prática que não tentou ser esporte, não tentou ser nada, não tentou ser olímpico e, de certa forma, está lá.”

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