Piscina gelada, corte de bolsas: como atletas argentinos se preparam para Olimpíada em meio à crise

Órgão responsável pelo apoio aos atletas de elite tem orçamento congelado apesar da inflação de 300%: ‘Em um país onde as pessoas não comem, somos conscientes de que há outras prioridades’

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Por Tomás Viola/AFP

Menos de dois meses antes de sua estreia nos Jogos Olímpicos, a nadadora argentina Macarena Ceballos chega ao centro esportivo estatal Cenard em Buenos Aires. Ela não poderá treinar lá durante esta semana porque a água da piscina está fria: “A bomba quebrou”, comenta.

“São três horas e meia por dia que estou perdendo nesta semana”, relata à AFP Ceballos, de 28 anos, eleita a melhor nadadora sul-americana de 2023 e que está treinando em um clube de Villa Ballester, nos arredores de Buenos Aires.

Nadadora argentina Macarena Ceballos treina em Buenos Aires em preparação para os Jogos Olímpicos de Paris. Foto: Juan Mabromata/AFP

A atleta conta que isso acontece “todos os invernos” e confia que as autoridades estão trabalhando para melhorar o Cenard, principal centro de treinamentos para atletas de alto rendimento do país.

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Este ano, tanto o Enard, órgão responsável pelo apoio aos atletas de elite, quanto a Subsecretaria de Esportes, contam com o mesmo orçamento de 2023, com uma inflação de quase 300% interanual, como parte do severo plano de ajuste fiscal do presidente Javier Milei.

“Em um país como a Argentina hoje, onde as pessoas não comem, somos conscientes de que há outras prioridades”, disse à AFP Diógenes de Urquiza, diretor do Enard desde janeiro.

Diogenes de Urquiza é o diretor da entidade nacional de esportes de alta performance da Argentina. Foto: Juan Mabromata/AFP

As medidas de auxílio econômico têm como foco os atletas classificados ou com chances de se classificarem para os Jogos Olímpicos deste ano. “Acredito que realmente é difícil que possam reclamar porque tentamos dar tudo”, acrescentou.

Walter Pérez, ciclista ganhador do ouro em Pequim-2008 e presidente da Comissão de Atletas Olímpicos argentinos, reconheceu o apoio aos atletas classificados.

No entanto, “depois de Paris, o esporte na Argentina não termina”, advertiu à AFP. “Teremos que encontrar uma forma de obter mais fundos para todo o esporte”.

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E depois de Paris?

No início de maio, a judoca Paula Pareto, ouro na Rio-2016, renunciou a uma de suas bolsas como treinadora, após a decisão oficial de reduzir de 18 para quatro a assistência para atletas de sua federação. “Quando você é atleta, te exigem resultados, mas cada vez te dão menos”, desabafou ao canal TyC Sports.

Fundado em 2009, o Enard se financiava com um imposto de 1% sobre os serviços de telefonia celular. O tributo foi eliminado em 2017 e desde então seu orçamento foi reduzido. O órgão concede bolsas a cerca de 1.200 atletas e treinadores, que recebem em média 325.000 pesos (R$ 1,9 mil) mensais.

Macarena Ceballos diz que o lema dos esportistas argentinos poderia ser “contra o vento e a maré” porque, apesar das adversidades, muitas vezes conseguem bons resultados, embora acredite que “deveria haver uma política de Estado para o esporte”.

Una rede ‘única’

Jon Uriarte, medalhista no vôlei em Seul-1988, afirma que “são muito poucos os esportes que estão em condições de se reger pela mera condição de mercado e lucro”. Ele argumenta que o país precisa de um modelo próprio porque “a rede de clubes que sustenta o esporte argentino é única no planeta”.

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Segundo uma pesquisa oficial de 2021, há cerca de 12.000 clubes e entidades esportivas na Argentina, que cumprem também um papel social.

Ex-jogador de vôlei, Jon Uriarte subiu ao pódio nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988. Foto: Juan Mabromata/AFP

No entanto, Uriarte, que foi treinador das seleções de vôlei da Argentina e da Austrália, entende que a gestão atual vai em outra direção. “O presidente foi muito claro em sua campanha presidencial e nos primeiros seis meses de governo, o Estado se retira. A sociedade civil e o setor privado têm que resolver (...) quantos argentinos podem pagar a mensalidade do clube para seu filho neste contexto?”.

O treinador propõe que se articulem o público e o privado para que “os que mais lucram com o esporte devolvam um pouco que será aplicado a outras áreas” e destaca que, nos clubes, as crianças podem desenvolver valores como pontualidade, respeito e senso de esforço.

“Essa experiência é fundamental para o projeto de vida adulta. Se não a desenvolvermos no esporte, não vamos desenvolvê-la em lado algum, estaremos hipotecando gerações”.

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