Os atletas da Rússia participam como “neutros” nos Jogos Olímpicos de Paris. É diferente do Comitê Olímpico Russo (ROC), utilizado em Tóquio. Isso reduziu o número de esportistas russos a 17 participantes do país. O ponto-chave é a Guerra na Ucrânia. Antes disso, contudo, a relação entre Rússia e Comitê Olímpico Internacional (COI) já era envolta a brigas e acusações.
O cenário deste ano contrasta com a história da nação, que é uma potência olímpica. São 423 medalhas na Era Moderna dos Jogos, todas entre 1994 e 2016. O número coloca o país em 12º lugar na soma geral. Acrescentando também Império Russo (8), União Soviética (1.204), Equipe Unificada (112), e ROC (71), o total é 1.818, ocupando o segundo lugar geral, atrás dos Estados Unidos, com 2.629. Sozinha, a antiga URSS é a segunda colocada.
A diferença é agora é que, na prática, não há Rússia em Paris. Ainda que sem hino e bandeira em 2020, os atletas foram selecionados pelos mesmos critérios que os adversários de outros países, como rankings mundiais ou disputa de torneios pré-olímpicos. Em 2024, o COI convidou 36 atletas russos, mas apenas 15 aceitaram participar. Da Belarus, vizinha da Rúsia que a apoia na guerra, foram chamados 24, e 17 participam. O mais famoso da lista é o tenista Daniil Medvedev, número 5 do mundo.
Medalhas da Rússia em Olimpíadas de Verão
- Império Russo (Jogos de 1900 a 1912) - 8
- União Soviética (Jogos de 1952 a 1988) - 1.204
- Equipe Unificada (Barcelona-1992) - 112
- Rússia (Jogos de 1994 a 2016)- 423
- ROC (Tóquio-2020) - 71
- Total - 1.821
Dos 32 atletas, há novatos e destaques de torneios europeus e até mundiais. Quatro (dois russos e dois bielorrussos) já foram medalhistas olímpicos. Entre os 15 russos, não há nenhum remanescente que tenha ido ao pódio com o ROC em 2021.
Atletas Individuais Neutros em Paris-2024 que já foram medalhistas olímpicos
- Mahamedkhabib Kadzimahamedau (Belarus) - prata em Tóquio-2020 na luta livre
- Ivan Litvinovich (Belarus) - ouro em Tóquio-2020 na ginástica de trampolim
- Elena Vesnina (Rússia) - ouro no Rio-2016 no tênis em dupla e prata em Tóquio-2020 no tênis em duplas mistas
- Alexey Korovashkov (Rússia) - bronze em Londres-2012 na canoagem C2 1.000m
Tensão entre COI e Rússia vem de antes
A União Soviética transformou atletas em ferramentas de propaganda para o Estado. A relação geopolítica da Guerra Fria com os Jogos é evidenciada no boicote do Ocidente à Olimpíada de Moscou-1980. E a resposta soviética na edição de Los Angeles-1984.
Os episódios mais tensos (e até violentos) envolvendo geopolítica, porém, não tinham as potências do século 20 como protagonistas. Após a queda e dissolução da URSS, o movimento de abertura ao ocidente foi refletido no esporte. Isso foi gradual e, por vezes, truncado.
A Rússia sediar os Jogos de Inverno de 2014, em Sochi, foi tanto uma forma de buscar essa integração, quanto tentativa de resgatar a grandeza que o país já teve, agora sob comando de Vladimir Putin. Isso, ao mesmo tempo, contrasta e concorda com a invasão da Crimeia, dias depois do fim dos Jogos, após uma revolução pró-Ocidente em Kiev, na Ucrânia.
A tomada do território pelos russos buscava mostrar aos países ocidentais que aquela área era de influência do governo de Putin, o que vai ao encontro de demonstrar grandeza, mas dificulta o estreitamento de relações com outras potências.
No esporte, a tensão aumentou no final daquele ano, com a acusação de manipulação no antidoping em Sochi. Segundo a Agência Mundial Antidoping (WADA), um “sistema de doping de Estado” afetou 30 modalidades entre 2011 e 2015 e envolveu o serviço secreto russo, o FSB. A Rússia negou e afirmou que aquilo se tratava de um “complô ocidental”.
Casos de espionagem e mortes suspeitas de ex-funcionários da Agência Russa Antidoping (Rusada) fizeram com que o ex-diretor do laboratório antidoping de Moscou, Grigori Rodchenkov, fugisse para os Estados Unidos e confessasse a ocultação do doping russo, em coordenação com o Ministério de Esportes e o FSB. Em dezembro de 2017, veio a suspensão do Comitê Olímpico Russo pelo Comitê Olímpico Internacional (COI).
O curioso é que, um ano depois, a Copa do Mundo foi à Rússia. Seria uma nova tentativa de nova abertura da Rússia ao mundo. Isso foi acompanhado pela derrubada da suspensão da WADA à Rusada, decidida em 2015, desde que os dados do laboratório antidoping de Moscou pudessem ser acessados.
Isso indicava um novo caminho para o esporte, mas, em 2018, a WADA acusou o país de falsificar os dados cedidos. Do outro lado, as acusações foram rechaçadas. Quando o diretor-geral da Rusada, Yuri Ganus, acusou publicamente a manipulação feita por autoridades desportivas, ele foi afastado do posto.
Veio então a exclusão por dois anos dos Jogos Olímpicos. Assim, criou-se a participação do ROC, substituindo a Rússia. A exclusão virou banimento com a invasão da Ucrânia. Ainda não há clareza se o país está banido apenas desta edição ou se o caso é tratado como permanente até segunda ordem. É possível que isso dependa do desenrolar político, diplomático e bélico.
Simultaneamente, perde o esporte com menos nomes relevantes na disputa de competições. Na tentativa de responder de alguma forma, A Rússia mostra vontade de desenvolver novas dos Jogos da Amizade, competições que reuniam americanos e soviéticos no século 20. O COI desdenha e considera que isso não passa de “propaganda política”.