Rayssa Leal não é mais fadinha e cresce na pressão para buscar bronze em Paris

Jovem skatista não se constrange em chorar e mostrar sentimentos após começo ruim na classificatória; brasileira dá a volta por cima e fica com o terceiro lugar

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Foto do author Leonardo Catto
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Rayssa Leal não é mais criança - e faz questão de enfatizar isso em cada entrevista. A skatista de 16 anos, completados em janeiro, resolveu dispensar o apelido de fadinha, que ganhara quando, aos 7 anos, surgiu vestida de fada andando de skate em vídeo amador gravado pela mãe que se tornou viral graças à republicação do americano Tony Hawk, um dos maiores skatistas de todos os tempos. Seu desejo, depois da prata em Tóquio, era levar o ouro na Olimpíada de Paris. Ela não viveu um conto de fadas. Encarou e lidou com a pressão ao começar mal na disputa. Mas ganhou força no choro para levantar e buscar o bronze.

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Para tentar se tornar a brasileira mais jovem a ser campeã olímpica, a maranhense de Imperatriz lançou mão de novas manobras no skate street, modalidade em que compete. Atualmente a brasileira está em 3º lugar no ranking mundial.

“Quero dar muito orgulho para todos os brasileiros. Ter aquela sensação de subir no pódio em primeiro lugar, ter o hino do Brasil tocando é uma coisa totalmente diferente”, disse Rayssa em entrevista recente ao Estadão. Rayssa foi ouro no Pan-Americano de 2023. Independente da cor da medalha, ela continua como fonte de orgulho.

A brasileira teve importantes conquistas internacionais nos últimos anos, com direito a três títulos mundiais (um do Mundial da World Skate e dois da Liga Mundial de Skate Street, a SLS), “A gente buscou muito isso depois que acabaram os campeonatos e treinamos para chegar aqui 100%, tanto mentalmente quanto fisicamente”, avaliou. Isso foi posto à prova, quando o choro pelo nervosismo após um começo ruim não foi vergonhoso, mas combustível para melhorar.

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Rayssa superou nervosismo após começar mal na classificatória e buscou posição no pódio. Foto: Kirill Kudryavrsev/AFP

A jovem skatista foi uma das mais tietadas em Paris. Quando chegou na capital francesa, na semana passada, parou para foto e distribuiu autógrafos em fotos suas impressas a fãs estrangeiros e brasileiros que a reconheceram no Aeroporto Charles de Gaulle. “É legal demais saber que a gente tem um apoio muito grande e que estamos sendo recebidos de braços abertos em Paris. Ter esse apoio todo depois de termos disputado os últimos Jogos Olímpicos na pandemia. Estou muito feliz com isso”, celebrou.

Rayssa aprendeu tudo de skate por conta própria assistindo a vídeos dos seus ídolos pelo celular. Depois ficava repetindo insistentemente as manobras até as acertar. Desde 2018, quando tinha 11 anos, integra a seleção brasileira e é vista como uma das melhores do mundo na categoria street.

A primeira vez que ela subiu em cima de um skate foi aos 6 anos, quando seus pais lhe deram o equipamento de presente. Um ano depois, já estava competindo. Aos 9 anos, Rayssa já não competia mais entre as crianças para disputar campeonatos na categoria geral. Passou, então, a levar uma vida de “adulta”, treinando três horas todos os dias.

Os pais de Rayssa foram imprescindíveis para que a filha chegasse à Olimpíada aos 13 anos. As condições financeiras da família eram difíceis, mas a mãe de Rayssa se esforçava para ajudar a filha a praticar o esporte que tanto gostava. Ela buscava os vídeos para ela treinar. E treinava até não poder mais. A escola é adaptada à rotina de competições. A condição para permanecer no skate, imposta por eles, é que a filha estude.

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Skatista extravasou em choro antes de recuperar bom desempenho. Foto: Frank Franklin II/AFP

Sem a mãe na Vila Olímpica

O estafe da skatista Rayssa Leal tentou a todo custo conseguir uma liberação para que a mãe da atleta, Lilian Mendes, acesse a Vila Olímpica e possa dormir com a filha durante a competição. No entanto, o Comitê Olímpico Internacional (COI) rejeitou a credencial para Lilian porque esportistas com 16 anos ou mais não têm mais direito a um acompanhante. Em 2021, nos Jogos de Tóquio, Rayssa tinha 13 anos e pôde ficar com a mãe durante todo o período de disputa.

Tatiana Braga, CEO da TB Sports, agência que cuida da carreira de Rayssa, revelou que, no ano passado, durante a disputa do Pan de Santiago, no Chile, a jovem skatista ligou chorando para a mãe enquanto treinava na pista de skate, lamentando a ausência de Lilian.

O COI entende que a skatista deve ser tratada como todos os outros atletas e permanecer sozinha na Vila Olímpica de Paris. O estafe da atleta tentou negociar com o próprio Comitê Olímpico do Brasil (COB) para não só Rayssa, mas todos atletas menores de idade possam ter direito ao acompanhante para dormir nos respectivos quartos. Mas o esforço foi em vão.

A posição do COB é que a atleta seja acompanhada por funcionárias do Comitê, como já aconteceu em outras competições recentes, como os Jogos Pan-Americanos de Santiago, no Chile, em 2023.

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Rayssa chegou a bater recorde de nota no skate feminino em Olimpíadas, mas teve marca superada na final. Foto: ODD ANDERSEN

Vida de adolescente comum, embora não seja uma

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A estrela do skate leva a vida de uma adolescente “comum”, embora não seja uma. Ela diz fazer, ainda que com mais proteção, as mesmas coisas que fazia quando ainda não tinha a fama e a exposição que vieram graças ao seu sucesso no esporte, principalmente depois da prata em Tóquio, conquistada quando tinha 13 anos.

“Continuo a mesma adolescente, tenho diferenças para um ‘adolescente normal’, mas a minha famí­lia e amigos que são próximos a mim não me deixam mudar”, disse a jovem. “Eu continuo indo aos aniversários, à escola, fazendo todas as coisas normais que todo adolescente faz”.

Desde ao menos seus 13 anos que a rotina da skatista é atribulada. São treinos, campeonatos, viagens nacionais e internacionais, entrevistas e diversos compromissos comerciais. “É bem corrido, não estou acostumada ainda. São vários campeonatos, mas é algo de que eu gosto, eu amo andar de skate. Isso torna tudo mais fácil. E eu sempre estou com a minha família, aí fica mais fácil”, explica ela. “Em cada ada lugar eu vivo uma experiência diferente. Falo que sou muito privilegiada de conhecer tantos lugares tão jovem”.

A trajetória no esporte ela administra em paralelo com os estudos, aulas e provas. Rayssa estuda desde 2017 em uma escola particular em Imperatriz, sua cidade natal localizada a pouco mais de 600 km da capital São Luís. É lá em que vai terminar o ensino médio. Mas e depois? “Quando eu era pequena, queria ser médica veterinária. Quero me formar só para realizar esse sonho de criança”, revela.

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Carismática, Rayssa dá conselhos e ajuda como pode novos talentos. Mas a ficha, para a jovem, ainda não caiu quanto ao seu papel de protagonismo e representatividade no esporte, como mulher bem-sucedida. “É uma diversão pra mim e, com o passar do tempo, acaba virando um trabalho porque, querendo ou não, a gente viaja para andar de skate, pra competir, para conhecer lugares novos. Eu falo que é uma diversão com responsabilidade. Acho que cada ato tem consequência, fora ou dentro da pista. Mas acho que não vai cair a ficha tão cedo”.

Fenômeno das marcas

A meteórica como estrela precoce do esporte ao longo dos últimos anos transformou a jovem skatista em um fenômeno comercial e midiático, com contratos milionários e milhões de seguidores que a acompanham diariamente nas redes sociais.

Queridinha de algumas das mais conhecidas marcas do mundo, Rayssa é patrocinada por uma série de empresas. April Skateboard, Banco do Brasil, Docile, Monster Energy, Nescau, Nike e Vivo são algumas delas. A mais famosa talvez seja a grife francesa Louis Vuitton, da qual se tornou embaixadora global recentemente. Partiu da grife o convite para a brasileira ir ao desfile da marca na Semana da Moda de Paris, no mês passado.

Mas o sucesso, a fama e o dinheiro não mudaram Rayssa nem tiraram seus pés do chão. A prodígio do skate faz as mesmas atividades de antes de virar uma estrela, mas com algumas precauções. “Tomo cuidado quando vou sair, sempre saio com meus irmãos, porque é divertido e porque me sinto mais segura saindo com eles. Lá em Imperatriz, prefiro sair com eles, todo mundo conhece todo mundo, a gente vai ao shopping, cinema, festinhas”.

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O que também não mudou foi a maneira como enxerga o skate. Para ela, não é um esporte, mas um estilo de vida, algo compartilhado pela maioria dos skatistas. “A gente não treina, chega na pista e vê se dá vontade de fazer as manobras. Pode soar estranho, mas skate é muito mais que campeonato. A gente tem ‘vídeo part’, marcas que só no skate. Bem antes de ser esporte olímpico, o skate já era o skateboard mesmo das ruas”, justifica.

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