De Robert Scheidt, não espere ouvir que o talento supera o esforço. Habituado a dizer que não foi o melhor dos velejadores, mas um dos mais esforçados, o recordista olímpico entende que as cinco medalhas olímpicas e os 14 títulos mundiais que conquistou ao longo de mais de 30 anos de carreira são resultado, principalmente, de dedicação. Essas glórias e também as derrotas, além de histórias - algumas delas inéditas - de sua longeva trajetória na vela, encerrada profissionalmente depois da Olimpíada de Tóquio, ele decidiu contar ao jornalista Rafael de Marco, o responsável pela biografia do bicampeão olímpico.
Em “Robert Scheidt - O Amigo do Vento”, livro lançado na semana passada com prefácio de Joaquim Cruz, o escritor destrincha, em quase 400 páginas, a vida e carreira do velejador de 51 anos, que disse não ter se negado a falar sobre quaisquer assuntos. De carreira sóbria, o brasileiro não se envolvia em controvérsias, nunca foi pego no doping, tampouco foi protagonista de brigas e discussões marcantes. O que se lê na obra são as histórias de como o brasileiro construiu sua bem-sucedida trajetória na vela, de seus primeiros dias no Yacht Club Santo Amaro até o oitavo lugar nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a sétima e última edição que disputou.
“Abri muita coisa que nunca tinha aberto para o público. Como as derrotas doeram em mim, indo a fundo, as lesões todas, como foi casar com uma estrangeira... Claro que tem uma certa censura, mas eu nunca havia aberto tanto da minha vida”, diz Scheidt ao Estadão, sentado em frente à vela do barco com o qual ganhou o ouro em Atenas-2004. “O importante foi mostrar que sou de carne e osso. Todo do mundo vê o atleta olímpico, as medalhas e acha que nossa vida é perfeita. Foi um trabalho de formiguinha. Teve determinação, obstinação, o sonho por trás e não ter tido medo de botar a cara”.
Alguns fatos apresentados na biografia são inéditos. A suspeita de infarto que o tirou do Mundial de Melbourne, na Austrália, em 2020, durante a disputa, e o lixo da Baía de Guanabara que se enroscou em seu barco nos Jogos do Rio são alguns dos mais inusitados. O saco de lixo que grudou no leme de seu barco em 2016 atrapalhou seu desempenho e pode - ou não - ter lhe tirado o que seria sua sexta medalha em Olimpíada. Na época, ele não revelou que dejeto foi um empecilho em seu caminho.
“Naquele dia, não queria falar porque a Baía de Guanabara vinha sendo bombardeada pela imprensa. Ninguém queria saber como estavam os treinamentos, quem eram meus adversários. A gente estava de saco cheio de responder sobre isso. Se eu revelasse que tinha pegado um saco de lixo na regata daria munição que iria para a mídia mundial. Falariam que um atleta brasileiro foi prejudicado por causa de um saco de lixo”, justifica.
Recordista de medalhas
Scheidt é recordista em incursões olímpicas, com sete participações, e divide o topo com Torben Grael entre brasileiros com mais medalhas. Ele levou ouro em Atlanta (1996) e Atenas (2004), foi prata em Sydney (2000) e Pequim (2008), e colocou o bronze no peito em Londres (2012). Hoje, o canoísta Isaquias Queiroz, com quatro medalhas, é o mais perto de igualar os ex-velejadores.
“Mais cedo ou mais tarde alguém vai ter de quebrar esse recorde. Espero que um dia algum brasileiro conquiste 10 medalhas olímpicas”, espera Scheidt. “Espero que não seja eu o dono desse recorde por mais 30 anos. Sou muito grato por tudo, a vida me deu muita coisa, não estou na posição de ficar olhando os atletas e falar ‘ah, ele não conseguiu’. Eu estou fora da Olimpíada, eles estão lá. Se eles conseguirem a medalha, parabéns. Estou tranquilo e feliz com minha história”.
Se Scheidt brilhou na Star e depois na Lasar, hoje é a classe 49er FX que rende títulos ao Brasil. A dupla Martine Grael e Kahena Kunze é bicampeã olímpica e tentará o tri nas águas de Marselha, na França, daqui a um mês. As meninas já mostraram que elas crescem na Olimpíada. Já têm a experiência de terem ganhado duas vezes, sabem o que é a Olimpíada e as condições em Marselha são boas pra elas, não deve ter vendo muito forte em julho. Elas têm excelentes chances”, crê Scheidt. “A Olimpíada nunca é fácil, mas se colocarem na mesa o que sabem têm muitas chances”.
Ele vai acompanhar de perto as brasileiras pois estará na França a convite da CBVela, com a qual fará ações na Casa Brasil. O ex-atleta foi convidado pela Globo para comentar as competições de vela da Olimpíada, mas recusou porque já tinha compromisso com a confederação.
Ainda veleja, mas a lazer
Aos 51 anos, Scheidt só não veleja profissionalmente porque seu corpo não responde mais. Mas sobe em seu barco a lazer e dá dicas ao filho Erik, de 14 anos, que já compete. “Ele veleja bem, mas o futuro dele vai depender do quanto quer”, considera o veterano. Seu plano não é ser técnico nem do filho nem de outro atleta porque não quer mais ficar afastado da família por meses.
“Eu estou por perto, mas não sou treinador dele. Dou conselho quando ele pede ou eu vejo algo que me chama muito a atenção. Procuro não ficar me metendo demais. Tem coisas que você só aprende errando. Não quero ficar impondo. Quero que ele crie o caminho dele”.
Sua ideia não é treinar, mas orienta jovens velejadores em clínicas em Ilhabela, onde vive com a família. Ele se vê como uma espécie de consultor e enxerga talentos promissores para manter a vela do Brasil no pódio dos principais campeonatos. “Posso passar tudo que eu sei. O atleta me chama, estou com ele em uma semana, e depois ele continua sua trajetória”.
Robert Scheidt - O Amigo do Vento
- Autor: Rafael de Marco
- Editora: ZDL 396 páginas (114 fotos)
- Preço: R$ 99
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