Bia Haddad tem todos os requisitos que o torcedor brasileiro busca em seus ídolos. É fácil se identificar com ela. Nada em sua carreira no tênis foi fácil. Ela sempre teve de batalhar para ganhar partidas e avançar nas competições. Passou por lesões e teve de se recuperar em tempos recordes. Viveu maus bocados quando teve uma substância encontrada em seu exame antidoping. Ficou afastada para provar sua inocência. Superou fantasmas e encarou seus desafios com disposição e graça em seus 27 anos.
Agora, em Paris, vive seu melhor momento no tênis. Está na semifinal de Roland Garros e caminha para se tornar uma das dez maiores tenistas do mundo. Não é pouco. A última brasileira que esteve em sua posição foi Maria Esther Bueno, na década de 1968. Isso faz 55 anos. De lá para cá, o Brasil não teve nenhuma tenista entre as melhores.
Nesta temporada, já deu para perceber que seus desafios em quadra também são os desafios do torcedor brasileiro, que anda acordando cedo para vê-la jogar. Bia preenche o espaço do torcedor em busca de um ídolo esportivo. Há muita carência no Brasil em relação a isso.
O futebol, esporte mais visto e seguido no País, poderia produzir esses heróis, mas também anda carente de jogadores que possam dar ao torcedor essa condição. Neymar deveria ser esse cara, mas não é totalmente. Ele divide opiniões. Os amantes do futebol têm nos atletas estrangeiros sua preferência, com seus nomes escritos nas costas das camisas que compram de times europeus. Os brasileiros, nesse sentido, andam em baixa. Até na seleção. Ou principalmente na seleção.
Essa carência é maior ainda nos outros esportes, sobretudo nos individuais. É aí que Bia entra com seu sorriso e carisma, para aquecer o coração “vazio” dos torcedores, mesmo daqueles que não são fãs fanáticos de tênis. Brasileiro gosta de outro brasileiro que ganha, que sobe no pódio, que põe medalha no pescoço. Bia é uma atleta hoje nesta condição.
O Brasil viveu isso nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, com modalidades como skate e surfe. Brasileiro também gosta de entrar na onda quando ela já está formada. Foi assim com o tênis nos tempos de Guga e é assim com Bia. Não importa. Tanto Guga quanto Bia defendem projetos para popularizar a modalidade. Isso é comum. Há um entendimento generalizado de que o Brasil é capaz de formar muito mais atletas se tiver investimento e mais seriedade, com mais envolvimento dos poderes públicos.
Os clubes, de modo geral, ainda não se dispuseram a apostar em outros esportes que não o futebol. Fazem isso pontualmente e ainda de forma tímida. Times são montados e desmontados. O investimento, num primeiro momento, não tem retorno e as equipes são abandonadas. Em Jogos Olímpicos esse sentimento de falta de investimento aparece mais escancarado. Há boas intenções, grandes discursos, mas ainda pouca prática. É claro que há muitos projetos sendo tocados com sucesso. Mas ainda são rasos.
Bia aparece como essa atleta capaz de fazer o brasileiro orgulhoso. Ela sabe que é assim que funciona no esporte, com altos e baixos, festas e indiferenças. O momento é de festa. Que ela curta seu momento e continue sua pegada, que plante mais interesse pelo tênis na garotada.
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