Por que o Corinthians não paga seu estádio em Itaquera? A dívida, apurada pelo Estadão, é de R$ 700 milhões, praticamente um ano de receita do clube. Estima-se que o balanço da temporada 2023 seja de R$ 900 milhões. O Corinthians ainda carrega uma dívida (sem contar sua arena) de R$ 840 milhões. São números ventilados pela gestão passada, comandada pelo presidente Duílio Monteiro Alves. Nesses primeiros meses de nova gestão, depois de abrir a caixa de Pandora, a administração de Augusto Melo tem revelado situações diferentes do que foi passado na transição. Diferente para pior.
O caso mais recente diz respeito à recusa da Caixa Econômica Federal ao acordo proposto pelo clube (da gestão passada) de pagar a Neo Química Arena com dinheiro que não existe e que, legalmente, não era possível. Era uma tentativa de pré-eleitoral no clube e um famoso “vai que cola”. Não colou.
Esse desgaste do pagamento do estádio se arrasta desde sua inauguração para a Copa do Mundo de 2014. Duas outras Copas já foram realizadas pela Fifa desde então. A Caixa trabalha com dinheiro público. Portanto, com dinheiro do contribuinte. Eu e você. Qualquer decisão que ela tome em relação ao Corinthians pode abrir brecha para ter de fazer o mesmo para outros devedores. A lisura da tratativa é um dos pontos mais altos de toda a negociação.
Depois dessa recusa da Caixa, o Corinthians volta à estaca zero no que diz respeito ao pagamento de sua arena. O banco do governo ou algum órgão público não deve interditar o estádio pelo não pagamento da sua dívida. Isso, por ora, está descartado. Até porque o clube não tem onde mandar suas partidas com o Pacaembu fechado. O Pacaembu era onde o Corinthians jogava antes de ter seu próprio estádio. Muitos torcedores gostavam de ver o time naquele campo.
O Corinthians não paga seu estádio em Itaquera por alguns motivos. O principal deles é porque não se organizou para isso. Não há gestão nem vontade própria para tirar parte do dinheiro arrecadado do ano para pagar a Neo Química Arena, um dos mais novos estádios do Brasil. A alegação é de que não há dinheiro. Mas não é bem assim. Veja, por exemplo, quanto o Corinthians teve de receita desde que o estádio foi inaugurado, em 2014.
Balanço do Corinthians desde a inauguração da sua arena em Itaquera
2014 - R$ 258 milhões
2015 - R$ 298 milhões
2016 - R$ 485 milhões
2017 - R$ 455 milhões
2018 - R$ 470 milhões
2019 - R$ 426 milhões
2020 - R$ 474 milhões
2021 - R$ 503 milhões
2022 - R$ 777 milhões
2023 - R$ 900 milhões (estimados)
Nos primeiros anos de vida do novo estádio, a dívida da arena ainda não era consumida pelos juros. Ou seja, o valor era real do empréstimo feito pela Caixa e pela construtora. Com o passar dos anos, o juros do montante devido foi comendo o clube pelas pernas, mais ou menos como é na vida de uma pessoa comum, como eu e você, quando o cartão de crédito estoura. O clube foi pagando o que conseguia, mas nunca teve um plano eficiente para isso.
No princípio, o Corinthians “guardava” todo o dinheiro arrecadado com bilheteria para bancar a dívida. Atualmente, as rendas brutas em jogos da equipe dão aproximadamente R$ 2,5 milhões. Se o time fizer oito jogos por mês em sua casa, numa conta simples, deve arrecadar R$ 20 milhões. Mas nem isso foi feito com o passar dos anos.
O clube também não fixou nenhuma parte das suas receitas anuais para quitar a arena. Se tivesse destinado 10% de suas receitas a cada temporada, poderia ter levantado R$ 504,6 milhões. Toda empresa, ou quase toda, destina parte de sua receita ao caixa, de modo a ter dinheiro guardado para momentos mais duros. O que faltou ao clube foi um plano para pagar sua arena. Esse plano, se um dia existiu de fato, foi se modificando ao longo dos anos, empurrando a dívida para debaixo do tapete e sempre para a próxima gestão do clube.
Hoje, a dívida está no colo de Augusto Melo, que não tem nada a ver com ela, mas que passou a ter quando decidiu se candidatar e ganhar as eleições para a presidência.
Nesses anos todos, o principal problema do Corinthians com suas finanças foi gastar mais do que arrecada, pagando salários altos para jogadores e treinadores, tendo muitas rescisões para fazer com multas altíssimas. Esse tipo de comportamento só fez o clube sangrar financeiramente, como ainda sangra. Mano Menezes, por exemplo, fez um contrato até dezembro de 2025 e levou a bolada de R$ 9 milhões ao ser demitido. Isso se ele não entrar na Justiça para pedir mais. O técnico queria R$ 20 milhões.
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As receitas do Corinthians dispararam nos últimos anos, mas seus gastos subiram na mesma proporção, de modo a fazer com que o clube convivesse anualmente com déficits. Mesmo assim, todos os balanços foram aprovados pelos membros do Conselho. Então, há muito mais gente com responsabilidade nisso.
Há jogadores, e mais de um, ganhando mais de R$ 1 milhão por mês no time atual, alguns vindos de fora do Brasil. Qual jogador tem qualidade no time para receber tanto? Essa estruturação financeira no Parque São Jorge nunca foi feita pelos seus dirigentes. Nunca houve vontade para fazer. Como já escrevi recentemente, o novo presidente tem essa chance, mas anda colocando os pés pelas mãos em seu começo de administração. É cedo para avaliar? Talvez seja. Augusto Melo precisa mostrar que consegue ser presidente de um clube como o Corinthians e fazer o que precisa ser feito há anos: uma reestruturação financeira e esportiva competente. Até agora, ele se mostra farinha do mesmo saco dos seus antecessores.
A propósito, o presidente vai se reunir com seus pares da Caixa nesta semana para novas tratativas sobre a dívida da Neo Química Arena.
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